G. Florovsky: «São Gregório Palamas e a Tradição dos Padres»

Tradução: Rev. Pedro Oliveira Junior

1. Seguindo os Padres

Era prática comum na Igreja primitiva introduzir afirmações doutrinais com frases como “Seguindo os Padres …”. O Decreto de Calcedônia, por exemplo, inicia-se exatamente com essas palavras. Já o Sétimo Concílio Ecumênico, ao abordar a questão dos Santos Ícones, elabora ainda mais:

“Seguindo o ensinamento divinamente inspirado dos Santos Padres e a Tradição da Igreja Católica…”.

A didaskalia dos Padres constitui o termo formal e normativo de referência.

Mas esse apelo ia muito além de uma simples reverência à antiguidade. A Igreja sempre destacou a permanência de sua fé ao longo dos séculos, desde os tempos apostólicos. Essa continuidade, que remonta às origens, é o sinal mais evidente e simbólico da fé correta — uma fé que permanece inalterada. No entanto, a antiguidade, por si só, não é garantia suficiente da verdadeira fé. Afinal, a mensagem cristã foi uma “novidade” revolucionária para o mundo antigo, um chamado radical à renovação. O “velho” havia passado, e tudo precisava ser “feito novo”. Por outro lado, as heresias também podiam recorrer ao passado e reivindicar a autoridade de certas “tradições”. De fato, muitas vezes, elas se apegavam obstinadamente a elementos ultrapassados. Fórmulas arcaicas, nesse sentido, podem ser perigosamente enganosas. Vicente de Lerins tinha plena consciência desse risco. Basta citar sua passagem pungente:

“E agora, que inversão surpreendente! Os autores de uma mesma opinião são considerados católicos, mas seus seguidores, heréticos; os mestres são absolvidos, os discípulos, condenados; os escritores dos livros serão filhos do Reino, enquanto seus seguidores irão para a Geena”,

(Commonitorium, capítulo 6).

Vicente provavelmente pensava em São Cipriano e os donatistas. O próprio Cipriano enfrentou esse dilema. A “antiguidade”, nesse contexto, pode ser apenas um preconceito enraizado. Como ele escreveu: “nam antiquitas sine veritate vetustas erroris est” (Epístola 74). Em outras palavras, antiguidade sem verdade é apenas um erro antigo; “velhos costumes” não asseguram, por si mesmos, a verdade. “Verdade” não é apenas um “hábito”.

A verdadeira tradição é a tradição da verdade, traditio veritatis. Segundo São Irineu, essa tradição repousa no charisma veritatis certum (carisma seguro da verdade), depositado na Igreja desde o início e preservado pelo ministério episcopal contínuo. “Tradição” na Igreja não é mera continuidade da memória humana ou a perpetuação de ritos e costumes. É uma tradição viva — depositum juvenescens, nas palavras de Irineu —, e, portanto, não pode ser reduzida a “regras mortas” (inter mortuas regulas). Em última análise, a tradição é a presença contínua do Espírito Santo na Igreja, a perpetuação do direcionamento e da iluminação divinos. A Igreja não está presa à “letra”; ela é constantemente movida pelo “Espírito”. O mesmo Espírito de Verdade que “falou pelos Profetas” e guiou os Apóstolos continua a conduzir a Igreja rumo à plena compreensão da verdade divina, “de glória em glória”.

“Seguindo os Santos Padres…” não é uma referência a uma tradição abstrata de fórmulas ou proposições. É, sobretudo, um apelo ao testemunho santo. Recorremos aos Apóstolos, e não apenas a uma “apostolicidade” abstrata. Da mesma forma, recorremos aos Padres. O testemunho deles está intrinsecamente ligado à estrutura da fé ortodoxa. A Igreja está igualmente comprometida com o kerygma apostólico e os dogmas dos Padres. Aqui, vale citar um belo hino antigo, possivelmente de São Romano, o Melódio:

“Preservando o kerygma dos Apóstolos e o dogma dos Padres, a Igreja selou a fé una e, vestindo a túnica da verdade, teceu com justiça o brocado da teologia celeste, louvando o grande mistério da piedade.”

2. A mente dos Padres

A Igreja é, de fato, apostólica. Mas também é patrística. Ela é, em sua essência, “a Igreja dos Padres”. Essas duas dimensões são inseparáveis. Só por ser patrística a Igreja é verdadeiramente apostólica. O testemunho dos Padres vai além de um simples registro histórico ou de uma voz do passado. Citemos outro hino, do ofício dos Três Hierarcas:

“Pela palavra do conhecimento, vós compusestes os dogmas que os pescadores primeiro estabeleceram em palavras simples, com o saber dado pelo poder do Espírito, pois assim nossa simples piedade teve de ganhar composição.”

Há, por assim dizer, dois estágios na proclamação da fé cristã. “Nossa fé simples teve de adquirir composição.” Essa transição do kerygma ao dogma foi impulsionada por uma necessidade interna, uma lógica inerente. O ensinamento dos Padres e os dogmas da Igreja permanecem a “simples mensagem” entregue de uma vez por todas pelos Apóstolos, mas agora plenamente articulada. A pregação apostólica não é apenas preservada na Igreja; ela é mantida viva. Nesse sentido, o ensinamento dos Padres é uma categoria permanente da existência cristã, um critério constante e definitivo da fé correta. Os Padres não são apenas testemunhas da fé antiga (testes antiquitatis), mas da verdadeira fé (testes veritatis). A “mente dos Padres” é um referencial essencial da teologia ortodoxa, tão fundamental quanto as Escrituras — e, de fato, nunca separada delas. Como já foi bem dito:

“A Igreja Católica de todos os tempos não é apenas filha da Igreja dos Padres — ela é e permanece a Igreja dos Padres.”

3. O caráter existencial da teologia patrística

A principal característica da teologia patrística é seu caráter existencial — se nos permitirmos usar esse termo contemporâneo. Os Padres “teologizaram”, como disse São Gregório de Nazianzo, “à maneira dos Apóstolos, e não à maneira de Aristóteles” (alicutikós, não aristotelikós — Hom. 23.12). Sua teologia era, acima de tudo, uma “mensagem”, um kerygma. Era uma teologia kerigmática, ainda que frequentemente estruturada com lógica e argumentos intelectuais. Suas referências fundamentais, porém, permaneciam na visão da fé, no conhecimento e na experiência espiritual. Sem conexão com a vida, a teologia cristã perde sua força de convicção; separada da vida da fé, pode degenerar em uma dialética vazia, uma polylogia inútil, desprovida de impacto espiritual. A teologia patrística estava profundamente enraizada no compromisso decisivo da fé. Não era uma disciplina autossuficiente que pudesse ser apresentada apenas por argumentos racionais, aristotelicamente, sem um prévio engajamento espiritual. Em tempos de disputas teológicas e debates acirrados, os grandes Padres Capadócios protestaram contra o uso da dialética e dos “silogismos aristotélicos”, buscando reconduzir a teologia à visão da fé. Essa teologia só podia ser “pregada” ou “proclamada” — do púlpito, nas orações, nos ritos sagrados e na própria estrutura da vida cristã. Ela é inseparável da vida de oração e da prática das virtudes. Como diz São João Clímaco: “O ápice da pureza é o início da teologia” (Scala Paradisi, grau 30).

Por outro lado, essa teologia é sempre “propedêutica”. Seu objetivo final é buscar e reconhecer o Mistério do Deus Vivo, testemunhando-O em palavras e atos. A teologia não é um fim em si mesma, mas um caminho. Os dogmas são apenas um “contorno intelectual” da verdade revelada, um testemunho noético dela. Somente pela fé esse contorno ganha conteúdo. As fórmulas cristológicas, por exemplo, só têm significado para quem encontrou o Cristo Vivo, reconhecendo-O como Deus e Salvador, e, pela fé, habita Nele, em Seu Corpo, a Igreja. Assim, a teologia nunca é uma disciplina autônoma; ela constantemente apela à visão da fé. “O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos.” Sem esse “anúncio”, as fórmulas teológicas são vazias e irrelevantes. Por isso, elas não podem ser tomadas abstratamente, fora do contexto global da fé. Isolar afirmações dos Padres, retirando-as da perspectiva em que foram pronunciadas, é tão desorientador quanto manipular citações isoladas das Escrituras. “Citar os Padres” — seus ditos ou frases avulsas — fora do contexto em que têm pleno significado é um hábito perigoso. “Seguir” os Padres não é apenas citá-los; é adquirir sua “mente”, seu phronema.

4. O significado da “Época” dos Padres

Chegamos agora a um ponto crucial. O termo “Igreja dos Padres” costuma ser restrito aos mestres da Igreja Antiga. Muitas vezes, presume-se que sua autoridade derive de sua antiguidade, de sua proximidade com a “Igreja Primitiva”. São Jerônimo já contestava essa ideia. Na verdade, não houve declínio de autoridade ou de competência espiritual ao longo da história cristã. Contudo, a noção de “declínio” influenciou fortemente o pensamento teológico moderno, que frequentemente vê a Igreja Primitiva como mais próxima da fonte da verdade. Como um ato de humildade e autocrítica, essa visão pode ser saudável. Mas torná-la o ponto de partida para uma “teologia da história da Igreja” é perigoso, pois os tempos apostólicos devem manter sua posição única como o início — não como um ápice perdido.

Ainda assim, é comum considerar a “Época dos Padres” como encerrada, vista como uma formação antiga, algo “antiquado” ou “arcaico”. O limite dessa época varia: geralmente, São João Damasceno é tido como o “último Padre” no Oriente, enquanto São Gregório, o Dialoguista, ou Santo Isidoro de Sevilha são apontados no Ocidente. Essa periodização tem sido questionada com razão. Não deveríamos incluir, por exemplo, São Teodoro, o Estudita, entre os Padres? Mabillon sugeriu que São Bernardo de Claraval, o “Doutor Melífluo”, foi o “último dos Padres”, não inferior aos anteriores. Na verdade, isso transcende a mera periodização. No Ocidente, a “Época dos Padres” foi sucedida pela “época dos escolásticos”, considerada um avanço essencial. Desde o surgimento do Escolasticismo, a teologia patrística tornou-se obsoleta, um prelúdio arcaico. Essa visão, legitimada no Ocidente, foi infelizmente aceita por muitos no Oriente, sem crítica. Diante disso, surgem duas alternativas: lamentar o “atraso” do Oriente por não desenvolver seu próprio Escolasticismo ou recuar para a “Época Antiga” numa postura arqueológica, praticando o que foi chamado de “teologia da repetição” — uma forma peculiar de escolasticismo imitativo.

Hoje, não é raro sugerir que a “Época dos Padres” terminou bem antes de São João Damasceno, talvez na era de Justiniano ou em Calcedônia. Leôncio de Bizâncio não seria já o “primeiro dos escolásticos”? Psicologicamente, essa atitude é compreensível, mas teologicamente injustificável. Os Padres do quarto século são impressionantes, mas a Igreja permaneceu plenamente viva após Nicéia e Calcedônia. A ênfase excessiva nos “primeiros cinco séculos” distorce a visão teológica e compromete a compreensão do próprio dogma de Calcedônia. O decreto do Sexto Concílio Ecumênico é frequentemente tratado como um apêndice, interessante apenas para especialistas, e a figura de São Máximo, o Confessor, é quase ignorada. O significado teológico do Sétimo Concílio Ecumênico fica obscurecido, e questiona-se por que a Festa da Ortodoxia celebra a vitória sobre os iconoclastas — seria apenas uma questão “ritualística”? Esquecemos que a fórmula do Consensus Quinquesaecularis (acordo dos cinco séculos, até Calcedônia) era protestante, refletindo uma teologia histórica peculiar. A fórmula oriental dos “Sete Concílios Ecumênicos” também não é ideal se restringe a autoridade espiritual da Igreja aos oito primeiros séculos, como se a “Idade de Ouro” do cristianismo tivesse passado, deixando-nos numa “Idade de Ferro” de menor vigor espiritual. Nosso pensamento teológico foi afetado por um padrão de declínio herdado do Ocidente pós-Reforma. A plenitude da Igreja não é estática, e nossa atitude para com a antiguidade foi distorcida. Não importa se limitamos a autoridade normativa a um, cinco ou oito séculos — não deve haver restrição alguma. Não há espaço para uma “teologia de repetição”. A Igreja mantém sua autoridade plena, vivificada pelo Espírito de Verdade tão eficazmente hoje quanto no passado.

5. O legado da teologia bizantina

Nossa periodização descuidada nos leva a ignorar o legado da teologia bizantina. Hoje, estamos mais dispostos a reconhecer a autoridade perene dos Padres, especialmente com o renascimento dos estudos patrísticos no Ocidente. Mas ainda tendemos a limitar esse reconhecimento, excluindo os “teólogos bizantinos” dos “Padres”. Discriminamos rigidamente entre “Patrística” e “Bizantinismo”, vendo este último como uma continuação inferior. Duvidamos de sua relevância normativa para o pensamento teológico. No entanto, a teologia bizantina foi mais que uma repetição da Patrística; ela foi uma continuação orgânica. Houve alguma ruptura? O ethos da Igreja Ortodoxa Oriental mudou em algum momento identificável, tornando os desenvolvimentos posteriores menos autoritativos? Essa suposição parece implícita na restrição aos Sete Concílios Ecumênicos. Assim, São Simeão, o Novo Teólogo, e São Gregório Palamas são deixados de lado, e os grandes Concílios Hesicastas do século XIV são esquecidos. Qual é a posição deles na Igreja?

Na realidade, São Simeão e São Gregório permanecem mestres e inspiradores para aqueles que, na Igreja Ortodoxa, buscam a perfeição e vivem a vida de oração e contemplação — sejam em mosteiros, nos desertos ou no mundo. Esses fiéis não percebem ruptura entre “Patrística” e “Bizantinismo”. A Philokalia, enciclopédia da piedade oriental que abrange muitos séculos, tornou-se, em nossos dias, um guia essencial para quem deseja praticar a Ortodoxia hoje. A autoridade de seu compilador, São Nicodemos da Santa Montanha, foi recentemente reaffirmada por sua canonização. Assim, podemos dizer que a “Época dos Padres” ainda continua na “Igreja Venerante”. Não deveria ela persistir também em nossa busca teológica? Não deveríamos recuperar a “mente dos Padres” em nosso pensamento e ensino teológico — não como uma pose arcaica ou relíquia venerável, mas como uma atitude existencial e orientação espiritual? Só assim a teologia pode reintegrar-se à plenitude da existência cristã. Não basta manter uma “Liturgia Bizantina”, restaurar a iconografia ou a música bizantina (o que fazemos hesitantemente), ou adotar práticas devocionais bizantinas. É preciso ir às raízes dessa piedade e recuperar a “mente patrística”. Caso contrário, corremos o risco de uma divisão interna entre formas tradicionais de piedade e hábitos de pensamento não tradicionais — um perigo real. Como “reverenciadores”, estamos na tradição dos Padres. Não deveríamos estar, consciente e declaradamente, na mesma tradição como teólogos, testemunhas e mestres da Ortodoxia?

6. São Gregório Palamas e a Theosis

Essas considerações são fundamentais para nosso propósito. Qual é o legado teológico de São Gregório Palamas? Ele não era um teólogo especulativo, mas um monge e bispo. Não se ocupava de problemas filosóficos abstratos, embora fosse versado nisso. Seu foco era a existência cristã. Como teólogo, interpretava a experiência espiritual da Igreja. Quase todos os seus escritos, exceto talvez suas homilias, foram ocasionais, respostas aos desafios de seu tempo — uma era de controvérsia, mas também de renovação espiritual.

São Gregório foi acusado de inovação por seus inimigos, suspeita que persiste no Ocidente. Contudo, ele estava profundamente enraizado na tradição. Suas ideias remontam aos Padres Capadócios e a São Máximo, o Confessor, uma influência central no pensamento e na devoção bizantinos. Ele também conhecia bem os escritos do Pseudo-Dionísio. Sua teologia, porém, não era mera repetição; era uma extensão criativa da tradição antiga. Seu ponto de partida era a Vida em Cristo.

Dentre os temas de sua teologia, destaquemos um, o mais crucial e controverso: o caráter da existência cristã. A tradição patrística define o objetivo final da vida humana como theosis (divinização). O termo soa ofensivo ao ouvido moderno, difícil de traduzir adequadamente. Em grego, é pesado e audacioso. Mas seu significado é claro e foi central no vocabulário patrístico. Santo Atanásio resume: “Ele Se fez homem para nos divinizar em Si mesmo” (Ad Adelphium 4); Ele Se tornou homem para que pudéssemos ser divinizados” (De Incarnatione 54). Atanásio ecoa Santo Irineu: “Por Seu imenso amor, Ele Se tornou o que somos, para nos fazer o que Ele é” (Adv. Haeres. V, Praefatio). Essa era uma convicção comum dos Padres gregos, de São Gregório de Nazianzo a São Simeão, o Novo Teólogo. O homem permanece criatura, mas, pela Encarnação, recebe a promessa de participar da Vida Divina: eternidade e incorruptibilidade. Para os Padres, a theosis é, sobretudo, “imortalidade” ou “incorrupção”, pois só Deus “tem imortalidade” (1 Tm 6:16). Pelo Espírito Santo, o homem entra em comunhão íntima com Deus — mais que uma união moral, é uma transformação real. Apenas theosis expressa essa oferta única.

O termo, porém, é desafiador em categorias ontológicas. O homem não “se torna” Deus. Os Padres pensavam em termos pessoais: theosis é um encontro, uma comunhão íntima com Deus, em que a existência humana é permeada pela Presença Divina. Mas como isso é possível diante da transcendência divina? Pode o homem encontrar Deus nesta vida pela oração, ou há apenas uma ação à distância? Os Padres orientais afirmavam que o homem contempla a glória de Deus em sua ascensão espiritual. Como, se Deus habita em “luz inaproximável”? Esse paradoxo é central na teologia oriental, que vê Deus como incompreensível (akatalēptos) em Sua essência. Os Capadócios e São João Crisóstomo enfatizaram isso. Se a essência de Deus é “incomunicável”, como a theosis é possível? Santo Atanásio já distinguia a essência de Deus de Seus poderes: “Ele está em tudo por Seu amor, mas fora de tudo por Sua natureza (De Decretis II). Os Capadócios elaboraram: conhecemos Deus por Suas “energias” (energeiai), que descem até nós, enquanto Sua essência permanece inacessível (São Basílio, Epist. 234). Isso é um conhecimento real, não conjectura. Para São João Damasceno, as “energias” são a verdadeira revelação de Deus (De Fide Orth. 1:14).

São Gregório Palamas segue essa tradição. Nas “energias”, o Deus inaproximável Se aproxima do homem, promovendo encontros reais. Ele distingue “graça” e “essência”: a graça divinizadora é uma energia de Deus, não Sua essência (Capita Phys., Theol., 68-9). Essa distinção foi formalizada nos Concílios de Constantinopla (1341 e 1351), cujos anátemas contra os opositores integram o rito do Domingo da Ortodoxia. A essência de Deus é incomunicável (amethektē), mas a theosis ocorre pela “Graça” — energia divina e incriada, distinta mas não separada da essência (ibid., 92-3). As energias “procedem” de Deus, manifestando Seu Ser, sem divisão.

Todo o ensinamento de São Gregório pressupõe um Deus pessoal que abraça o homem por Sua graça, sem abandonar Sua transcendência. Ele defendia a experiência cristã: salvação é mais que perdão, é renovação pelo poder das energias divinas, não por forças naturais do homem. Sua teologia afeta toda a doutrina cristã, começando pela distinção entre “natureza” e “vontade” de Deus — uma marca da tradição oriental desde Santo Atanásio. Isso levanta questões: é compatível com a “simplicidade divina”? São Gregório foi atacado por isso. Para ele, sem essa distinção, confundir-se-iam a geração do Filho e a criação do mundo, ambos atos da essência, comprometendo a Trindade. Ele argumenta: se energia e essência fossem idênticas, criar, gerar e proceder seriam o mesmo, levando a uma confusão teológica absurda (Capita 96-97). Aqui, ele segue Santo Atanásio e os Capadócios: a geração é katá physin (pela natureza), a criação, boulēseos ergon (obra da vontade).

Sua teologia foi chamada de “existencialista” em termos modernos, mas difere radicalmente das versões atuais. Ele rejeitava teologias “essencialistas” que negam a liberdade divina, remontando a Orígenes. Para ele, uma metafísica cristã deve ser pessoal. Sua base é a história da salvação: a narrativa bíblica dos atos divinos e a luta do cristão rumo à perfeição. Como a de Santo Irineu, sua teologia é uma “teologia de fatos” — escriturística, patrística e alinhada à mente da Igreja. São Gregório Palamas é, assim, um guia essencial para teologizar a partir do coração da Igreja.

Notas

  1. Sugere-se que os gnósticos foram os primeiros a invocar formalmente a “Tradição Apostólica”, o que levou São Irineu a desenvolver seu conceito de tradição. Veja D. B. Reynders, “Paradosis: Le progrès de l’idée de tradition jusqu’à Saint Irénée,” Recherches de Théologie ancienne et médiévale, V (1933), Louvain, 155-191. De qualquer modo, os gnósticos frequentemente se referiam à “Tradição”.
  2. Paul Maas, ed., Frühbyzantinische Kirchenpoesie, I (Bonn, 1910), p. 24.
  3. Louis Bouyer, “Le renouveau des études patristiques,” La Vie Intellectuelle, XV (Fevereiro 1947), 18.
  4. Mabillon, Bernardi Opera, Praefatio generalis, n. 23 (Migne, P. L., CLXXXII, c. 26).
  5. Cf. M. Lot-Borodine, “La doctrine de la déification dans l’Église grecque jusqu’au XIe siècle,” Revue de l’histoire des religions, tomo CV, nº 1 (Jan-Fev 1932), 5-43; tomo CVI, nº 2/3 (Set-Dez 1932), 525-74; tomo CVII, nº 1 (Jan-Fev 1933), 8-55.
  6. Do Capítulo 7 de The Collected Works of Georges Florovsky, Vol. I, Bible, Church, Tradition: An Eastern Orthodox View (Vaduz, Europa: Buchervertriebsanstalt, 1987), pp. 105-120. Esta obra clássica está esgotada, mas ainda disponível.

Fonte

Folheto Missionário da Holy Trinity Orthodox Mission
466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, CA 91011
Redator: Bispo Alexandre Mileant