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O monaquismo no limiar do ano 2000
Enzo Bianchi, Prior do Mosteiro de Bose
Trad. Mosteiro da Santa Cruz
Conteúdo:
1. Momento de crise
2. Que crise?
— a. Ruptura da transmissão
— b. Um patrimônio espiritual insuficiente?
3. Como superar a crise?
— a. Consentir no luto
— b. Da estabilidade à mobilidade
4. Nosso futuro
— a. Um olhar sobre o monaquismo italiano
— b. Monge, ou melhor, uma identidade precisa
— c. Princípio de vida, princípio de morte
5. Estruturas para uma identidade
— a. Discernimento vocacional
— b. Formação monástica
— c. Regra, abade e comunidade numa dinâmica circular
6. Monaquismo e realidade externa
— a. Monaquismo e Igreja
— b. Monaquismo e companhia dos homens
7. Conclusão
esses últimos tempos não faltaram ocasiões para
tentar uma leitura da vida religiosa, e do monaquismo em particular, no
limiar do terceiro milênio. Basta lembrar, por sua autoridade e seu
alcance internacional, o recente Sínodo dos Bispos sobre a vida consagrada
do qual resultou a Carta apostólica, Vita consecrata, o Capítulo geral da
Congregação beneditina de Subiaco, o Congresso dos Abades da Ordem
beneditina, a Reunião Geral dos abades e abadessas da Ordem trapista. No
conjunto, principalmente na Europa e no mundo ocidental, daí sobressai uma
conjuntura de crise ainda não ultrapassada: a hemorragia dos anos do
urgente "aggiornamento" conciliar, sem dúvida foi estagnada, mas as raras
vocações não chegam a fazer face ao envelhecimento das comunidades e
sofrem um profundo desequilíbrio entre as diferentes faixas etárias, e
também, muitas vezes da inexistência de uma geração de idade média, a que
deveria sustentar a comunidade.
Frente a esse
estado de coisas que persiste, e apesar das formas variáveis revestidas
pela crise, devemos antes de tudo nos perguntar se há crise da vida
monástica ou crise da forma vitae monasticae. E um exame atento não pode
certamente se limitar a percorrer os anos do esplêndido imobilismo
posterior à restauração, nem os da febril renovação pós-conciliar:
arriscar-nos-íamos a não compreender a complexidade de um movimento que
atravessou ¾ com elementos de esplendor, de decadência, de crises e de
reformas, muitas vezes, paradoxalmente contemporâneas ¾ não apenas dois,
mas dezesseis séculos de história do cristianismo.
1.
Momento de crise
Creio que a crise
atual tem raízes longínquas: remonta ao início do segundo milênio cristão
- simbolicamente, alguns indicaram a data da morte de S. Bernardo (1153)
como o começo de uma nova era na história do monaquismo - quando, face à
fermentação social e religiosa dos séculos XI e XII, a vida monástica no
Ocidente - pela primeira vez privada, como toda a Igreja, do "pulmão"
oriental - ficou surda e incapaz de responder às necessidades emergentes.
Deveríamos ter a coragem de nos perguntar - como o fez João Paulo II na
Orientale lumen - em que medida somos responsáveis pela fragmentação do
monaquismo acontecida no Ocidente, mas não no Oriente. No mundo latino
essa fragmentação foi a conseqüência natural da surdez aos apelos que
chegavam à vida monástica provenientes da sociedade em mutação e da
própria Igreja. O monaquismo bizantino que estava numa fase de declínio, e
o monaquismo eslavo, se bem que de implantação recente, souberam reagir de
maneira mais maleável, aceitando uma dinâmica de sístole e diástole, de
fases de asfixia e de renascimento carismático, de adaptação às novas
situações sem perturbação das estruturas comunitárias, e puderam assim
conservar até nossos dias uma substancial unidade de identidade de vida
religiosa - a saber, a identidade monástica - através de uma pluralidade
de formas e de expressões. Entretanto, o Ocidente tinha à sua disposição
um exemplo precioso para aprender essa maleabilidade, essa capacidade de
adaptação na salvaguarda do essencial: a Regra de S. Bento. Com efeito,
não foi por acaso que ela acabou por se impor como única regra, a um
monaquismo que tinha vivido e se desenvolvido durante alguns séculos sob o
regime da regra mista e dos "usos" monásticos, variando de um mosteiro a
outro, de um abade a outro. Não esqueçamos que a reforma de Bento de
Aniano e o decreto do Concílio de Aix-la Chapelle (817) são uma
conseqüência da adaptabilidade da Regula Benedicti e não uma causa de sua
afirmação.
Nessa primeira
releitura devemos, além disso, levar em conta um fato de natureza
"psicológica": todo organismo - mesmo coletivo - tem seus períodos de
desenvolvimento, momentos de crise, períodos de retomada, uma decadência e
um encaminhamento para a morte. Outrora talvez, numa sólida estrutura de
cristandade e de valorização da instituição em si, era possível
negligenciar a necessidade de aprender, ao lado da ars vivendi, uma ars
moriendi análoga.
Hoje esse aprendizado, às vezes doloroso, sempre penoso, não pode ser
negligenciado sob pena de um desastre geral, de um pânico frente ao futuro
ameaçador. Hoje nos encontramos frente a uma crise de alcance comparável
àquela que a Igreja e a sociedade - então muito mais em simbiose entre si
- atravessaram na época de Bernardo e não podemos ignorar que a reforma
cisterciense, por grandiosa que tenha sido, não impediu a eclosão da vida
religiosa e sua diferenciação do monaquismo em menos de 50 anos. Hoje
talvez a crise seja ainda mais evidente e visível por causa do fim do
regime de cristandade. Nessa consciência podemos tentar fornecer algumas
chaves de leitura da crise. 
2. Que crise?
a) Ruptura da transmissão
Na nossa sociedade
ocidental, assistimos a um fenômeno novo que os sociólogos chamaram de
"ruptura da transmissão" e que se manifesta em diferentes níveis. Não há
mais passagem de uma geração a outra, não se consegue mais comunicar: a
transmissão do saber na escola, a transmissão da fé na Igreja estão como
que bloqueadas. Durante séculos, no interior dessas diferentes esferas -
além do mais, repito, muito mais homogêneas entre elas - o conteúdo e a
forma eram transmitidos e recebidos sem qualquer ajuste, elaboração de
respostas às novas exigências, determinação dos destinatários da mensagem
- que nos lembremos, por exemplo, da discussão sobre a presença ou não da
alma nos índios da América...- mas não se chegou jamais a pôr em questão a
própria herança, o fato de ter algo a transmitir e a receber. Hoje
assistimos a uma não-recepção da herança por ausência ou desaparecimento
dos herdeiros presumidos. E trata-se de um fenômeno de grande amplidão,
não limitado ao domínio eclesial. Que se pense, por exemplo, na
recriminação recorrente em face das novas gerações que ignoram a
resistência ao fascismo nazista: para além do julgamento do valor,
permanece o fato de que um acontecimento que marcou de maneira indelével
uma geração inteira é recebido como estranho por parte da grande maioria
dos jovens no espaço de 50 anos, isto é, apenas duas gerações enquanto que
alguns protagonistas desse período ainda estão vivos.
Diante desse
bloqueio da transmissão, a vida religiosa foi tentada a se dobrar sobre a
repetição do já visto, como se se pudesse assim salvaguardar ou
redescobrir milagrosamente o "carisma das origens". Mas essa atitude é
reveladora de uma perda do próprio sentido do termo carisma. Segundo o
ensinamento do NT, uma realidade ou uma pessoa é carismática - ou seja,
portadora de um carisma, de um Dom que vem do alto, de Deus, no Espírito -
quando obedece a uma intuição do Evangelho, mas em um mundo preciso, em um
espaço e um tempo precisos. O carisma jamais está fora do tempo e do
espaço, está sempre unido a essas duas categorias essenciais que compõem a
história. É uma palavra, uma mensagem de Deus, portanto portadora de vida
e de sentido, mas dirigida a um destinatário particular, a uma comunidade,
a um povo que vive em lugar e tempo dados. Mas quando o contexto
espaço-temporal muda, quando a realidade sócio-cultural está
desequilibrada, perturbada ou, pelo menos, modificada - e, é bom prestar
atenção, às vezes em virtude da novidade introduzida pelo carisma -
continuar a pensar e a agir segundo esquemas decrépitos pode levar à
asfixia do carisma: então este não evangeliza mais, não transmite mais a
boa notícia, nem cria espaço para a vida, perde o sentido e não é mais
portador de sentido, nem para aqueles a quem era destinado - os membros de
uma determinada comunidade -, nem para o meio circundante. 
b) Um patrimônio
espiritual insuficiente?
Uma primeira
consideração que se impõe nesse contexto é a necessidade de operar um
discernimento no patrimônio espiritual, uma verificação do que hoje faz
realmente viver como monges, permitindo uma autêntica experiência de Deus
na vida comum cotidiana, sem recorrer a outros meios ou tradições.
Dever-se-ia aqui
perguntar se, como beneditinos, por exemplo, se encontra suficientemente
alimento para uma vida espiritual robusta no patrimônio oferecido pela
Regra de S. Bento, ou se, ao contrário, julga-se necessário recorrer a
outros filões mais ou menos seguros do cristianismo ocidental, como a
espiritualidade carmelitana ou inaciana, ou ainda, a renovação carismática
ou a devoção a fenômenos sensacionais e ambíguos como as aparições, as
lágrimas de estátuas ou equivalentes. Mesmo a ausência de uma ruptura com
o meio eclesial de origem - pensemos em particular nos movimentos - pode
constituir obstáculo ao enraizamento num contexto novo, o estabelecimento
de sua própria estabilidade no carisma monástico. Se, para encontrar o
sentido do que vive quotidianamente, o monge tem de fugir de sua realidade
concreta, isso significa que esta não o leva mais à experiência de Deus,
não lhe permite mais essa forma particular de seqüela Christi que tinha
reconhecido como sua vocação própria. 
3. Como superar a crise?
a) Consentir no luto
Sempre foi minha
convicção que nós, monges, "abandonamos o mundo", mas carregamos conosco a
mundanidade, enquanto que o Evangelho nos pede exatamente o oposto:
abandonar o modo de pensar mundano e encarregarmo-nos dos homens desse
mundo que Deus tanto amou. Pois bem, uma característica da mundanidade de
nosso tempo é a distância que se mantém da morte, a ocultação da morte e
do cadáver. É um fenômeno que nessas últimas décadas foi examinado em
numerosos ensaios e tratado igualmente em obras cinematográficas e
teatrais.
É verdade que os
mosteiros estão talvez entre os raros lugares em que a morte é vivida como
um acontecimento e o irmão morto não é escondido, mas colocado no centro
da igreja e da oração comum. Mas há um outro meio de ocultar a morte, de
não consentir no luto, não saber chorar: é continuar a viver como se uma
pessoa - ou uma realidade -, que primeiramente existia e num dado momento
não existe mais, pudesse voltar e ser ainda presente e eficaz com as
mesmas modalidades. Quantos de nossos hábitos estão realmente mortos
porque o meio vital que os havia gerado desapareceu, sem que nós, que
somos habitados pela mundanidade, os tenhamos chorado! Portanto, para
continuar a viver é preciso realizar o trabalho do luto, para se abrir de
maneira nova ao que vem e não ficar prisioneiro do passado é preciso
atravessar o sofrimento do que está perdido. Se então na vida monástica -
vida de conversão da mundanidade a Cristo - nós não aceitamos a morte de
algumas coisas, se não consentimos no luto, somos tão mundanos como
aqueles que descartam a morte: nossa lógica será talvez mais discreta,
embelezada por aspectos românticos, mas responderá ao mesmo impulso
mundano, à mesma recusa da morte, ao mesmo desejo de ocultação do cadáver.
Antropológica e
sociologicamente, que acontece quando alguém morre? Antes de tudo, é
preciso dispor do "corpo" sobre o qual é possível chorar; o drama de quem
não consegue recuperar o cadáver de um parente falecido não é uma questão
de "ritualidade", trata-se de um obstáculo à aceitação de um dado
indiscutível, de consentir no que aconteceu. Depois, somente depois, é
indispensável retornar às fontes da vida e recomeçar do início. É a isso
que é chamado um casal depois do desaparecimento do cônjuge, os pais,
depois da morte de um filho: retornar às raízes da vida e recomeçar; de
outro modo, mesmo as lamentações alimentam apenas a ilusão de que aquele
que morreu está ainda vivo com as mesmas modalidades anteriores.
Chorar pelo que
está perdido para poder retornar às origens: isto também é verdadeiro para
o monaquismo. Este ano celebra-se o 9º centenário de Cister: uma ocasião
preciosa, não para lamentar uma idade de ouro, mas para se perguntar o que
fizeram os Padres de Cister para dar vida a esse século de expansão e de
renovação monásticas, no início do segundo milênio, enquanto que Cluny
curvava sob o peso de sua própria grandeza. A intuição dos cistercienses
foi justamente a de retornar às fontes, de tomar em mãos a Regra de S.
Bento e relê-la com algumas fontes orientais e patrísticas, sem lamentos
por um mundo e um clima monásticos que, por excepcional que fosse, tinha
perdido sua força vital.
A nós também, hoje,
é pedido simplesmente, voltar às fontes. Considero significativo, nesse
sentido, um dado não negligenciável que pode ter passado despercebido. Em
sua recente carta Orientale lumen, João Paulo II consagra um espaço
aparentemente desproporcional à vida monástica oriental. O aspecto
paradoxal é que, no meio católico oriental, a vida monástica não existe
mais há muito tempo: mesmo as Ordens que mantiveram uma denominação
monástica são de fato Congregações do tipo clerical e apostólico; no
Sínodo dos bispos sobre a vida consagrada, foi manifestado o desejo de uma
retomada da vida monástica nas Igrejas orientais católicas, mas ao mesmo
tempo foi admitido seu desaparecimento e reconhecido o erro de terem
imposto categorias ocidentais da vida religiosa, estrangeiras à tradição
oriental. Mas então, por que o Papa insistiu tanto na vida monástica
oriental, isto é, numa realidade que não existe mais? Por que dirigiu um
escrito a destinatários que aparentemente não existem mais? Creio que a
resposta é extremamente simples: os verdadeiros destinatários somos nós,
cristãos e monges do ocidente, e essa carta nos convida com força a voltar
às origens que, para o monaquismo, se encontram no Oriente. O que não
significa macaquear os ritos e usos orientais, estranhos à cultura e à
sensibilidade ocidentais, mas antes "respirar com os dois pulmões",
impregnar-se da inspiração original do monaquismo, de sua unidade
fundamental, de sua adaptabilidade aos lugares e às situações diferentes
sem fragmentação em especializações redutoras; isso significa prestar-se
de maneira nova à escuta do Espírito que "sopra onde quer" para
reencontrar a autêntica espiritualidade cristã no singular - "a vida
segundo o Espírito" - obscurecida pelas espiritualidades" no plural, nas
quais o único Espírito se vê comprimido nas práticas devocionais
contingentes, abusivamente absolutizadas. 
b) Da estabilidade à mobilidade
É bom esclarecer
logo o fato que a "estabilidade" da qual falo agora não é a stabilitas que
o monge beneditino se compromete a viver no momento da profissão e que
caracteriza o cenobita em relação ao irredutível "giróvago" que está em
cada um de nós. Igualmente, a "mobilidade" da qual falo não deve ser
identificada com a itinerância.
Pela estabilidade
que deve ser ultrapassada, entendo aqui a "fixação na uniformidade" que
por muito tempo caracterizou um certo monaquismo ocidental. Refiro-me à
defesa obstinada das observâncias exteriores e dos ritos que, nascidos em
virtude de uma sã exigência de ordem e coesão comunitárias, se
transformaram em clichês, em silhuetas monásticas nas quais cada novo
membro que chega a uma comunidade deve entrar, como numa forma. Os mais
antigos se lembram de que, durante seu noviciado, foi-lhes ensinado como
andar, ou antes, como caminhar com passo solene. O modelo que prevalecia
então na sociedade, assim como na Igreja e nos mosteiros, era a extrema
uniformidade, enquanto que o anticonformismo era um dos índices mais
claros de uma tendência à rebelião social ou de uma medíocre vocação
monástica. A essa uniformidade se acrescentava a rigidez dos usos e
costumes herdados de um passado secular que pretendia remontar, muitas
vezes arbitrariamente, até a alta Idade Média senão até os Padres do
monaquismo. Comprazia-se na convicção estigmatizada num tom irônico por
Henri de Lubac: "Há pessoas que, pelo fato de não pertencerem a seu tempo,
pretendem pertencer à eternidade".
A cultura atual
está abertamente em contraste com tudo isso: é feita de complexidade, de
diferença, de alteridade. Se a civilização ocidental nos habituou durante
séculos à uniformidade e à coesão entre semelhantes, a ponto de, o
"diferente" ser considerado "marginal" na sociedade e um "herético" na
Igreja, se em nossos mosteiros aquele que tivesse guardado elementos de
"diferença" era julgado "singular" e mantido, de fato, às margens da
communio, hoje os dados sociológicos nos pedem para tornarmo-nos - dentro
ou fora dos mosteiros - peritos em complexidade, em diferença, em
alteridade. A sociedade mesma é assim: multi-étnica, pluri-cultural,
pluri-religiosa. Quando, na coleta da Missa pro pace, pedíamos que o
inimigo permanecesse "christianorum fines" tínhamos uma realidade precisa,
geográfica desses confins. Hoje, os limites da cristandade não são mais
delimitados sequer pelos muros do mosteiro, eles se dissolvem e se
dissipam num melting pot enriquecedor, mas para muitos, desestabilizante.
Não posso aqui abrir o capítulo da definição de uma "ética universal", mas
certamente enfrentamos uma novidade que investe inteiramente a dimensão
moral. Pensemos apenas no problema dos órgãos legislativos dos Estados que
devem aprender a legislar, não a partir da moral partilhada por uma
minoria cristã, mas a partir de um conjunto de valores reconhecidos por
uma multiplicidade de religiões e de convicções.
Situação social certamente não fácil para a Igreja como para o monaquismo,
mas talvez bastante estimulante para repensar sua própria identidade e seu
próprio testemunho em termos já conhecidos pelas primeiras gerações
cristãs. Lembremos por exemplo, as exortações contidas na Carta a Diogneto,
ou também nas dimensões como a xeniteía dos monges do deserto em relação a
qualquer pátria e à sua marginalidade em relação à própria instituição
eclesial.
Tudo isso implica uma passagem da "estabilidade" à "mobilidade", da
uniformidade à maleabilidade frente às formas nas quais se encarnou a
identidade monástica. 
4. Nosso futuro
a) Um olhar sobre o
monaquismo italiano
A crise atual é
posta em evidência pelos efetivos que compõem o panorama do monaquismo.
Não se trata de ficar angustiado pelos números, mas de saber ler através
deles uma realidade problemática as possíveis pistas a tomar. No curso
desses últimos anos, além da diminuição do número total dos monges
professos - devido ao desequilíbrio entre as mortes e as novas entradas -,
há um dado preocupante, mesmo ao nível do equilíbrio entre as gerações: a
diminuição substancial da faixa etária que vai até os 50 anos.
Um mosteiro cenobítico funciona bem como corpo social - para além das
apreciações sobre a santidade de cada membro - quando os efetivos atingem
entre trinta e cinco e quarenta monges. Levando em conta o fato de que não
se pode contar com alguns deles - em média, uma quinzena - por razões
diversas, (noviços, idosos, doentes), daí resulta que um mosteiro, para
sua simples "manutenção" - sem pensar em fundações - teria necessidade de
uma profissão solene por ano: este simples dado pode fornecer um esboço da
situação na qual se encontra cada mosteiro.
Mas existe um outro
dado ainda mais preocupante. Conforme uma pesquisa estatística - baseada
não em previsões ou projeções, mas em dados que não são mais suscetíveis
de variação: os nascimentos na Itália entre 1989 e 1995 - pesquisa
encomendada pela Universidade de Bolonha para avaliar as perspectivas da
população universitária potencial nos próximos decênios, ficou evidente
que a população entre 19 e 26 anos (idade universitária) em 2010
representará apenas 60% da atual, e em 2012, 50%. Este dado corresponde ao
que poderíamos definir como a faixa etária normal da vocação monástica
(entre 19 e 26 anos precisamente), com a agravante de que então a
população universitária poderia aumentar em decorrência do fenômeno
migratório, enquanto que a população monástica deve contar com a pertença
de numerosos imigrados a religiões não cristãs. Isto significa que,
supondo que a porcentagem entre a população juvenil e as vocações
monásticas não diminua mais, em 15 anos, nossos mosteiros terão exatamente
a metade dos noviços de hoje!
Isso implica, da
parte daquele que tem atualmente a responsabilidade de guiar uma
comunidade, a exigência de pensar não somente em reger o presente, mas em
preparar um mosteiro para aqueles que hoje têm entre 20 e 30 anos, os
quais deverão por sua vez guiar as comunidades em anos provavelmente ainda
mais difíceis. E esse olho vigilante sobre a "comunidade que será",
enquanto se guia a "comunidade que é", deve iluminar as reflexões não só
em nível de construções, de economia e de estruturas, mas também e,
sobretudo a nível espiritual. 
b) Monge, ou melhor,
uma identidade precisa
Como ressalta
igualmente de um recente Congresso de abades e superiores religiosos
franceses, nos últimos decênios - e com uma aceleração marcada nos anos
que se seguiram ao Vaticano II - a plena consciência do alcance do "apelo
universal à santidade" se afirmou na Igreja. Apesar das resistências e
nostalgias, a compreensão dos diferentes "estados" presentes na Igreja se
transformou radicalmente, não apenas a nível eclesiológico de comunhão,
mas também na busca da "perfeição cristã" - a santidade - por parte de
todos os batizados: não há mais "o melhor caminho", "estado de perfeição"
que estaria reservado aos religiosos ou aos padres. Há apenas modalidades
diferentes de viver a comum vocação à santidade e a busca da perfeição no
seguimento cotidiano de Cristo. Esse desaparecimento - senão em todos os
textos teológicos ou na prática de alguns religiosos, pelo menos na
compreensão do povo de Deus - de "categorias privilegiadas" de cristãos
conduz a repensar radicalmente a identidade das diferentes vocações de
"consagração especial" (como se diz ainda com uma expressão ambígua e
errônea).
Esse esclarecimento
da identidade própria é ainda mais indispensável para o monaquismo. Com
efeito, não tendo originalmente um "fim" particular nem ministério
pastoral, a vida monástica sempre se caracterizou por uma obediência ao
Evangelho no celibato e na vida comum. Não há, portanto proveito algum em
procurar uma identidade monástica fora desses dois elementos
constitutivos: o celibato - entendido não como lei ou disciplina, não como
maior disponibilidade e eficácia na atividade pela ausência de
preocupações familiares, mas como verdade interior própria e fonte de
extrema fecundidade humana a espiritual - e a vida comum. Esta última,
principalmente, de tal modo significativa para as novas gerações, deveria
ser redescoberta em todas as suas virtualidades, meditada e revitalizada
nas comunidades monásticas. Não creio fortuito o fato de que João Paulo
II, no discurso inaugural na reunião plenária da Congregação para a Vida
Religiosa que apresentava o Instrumentum laboris para o Sínodo dos bispos
sobre a vida consagrada, tenha insistido com extremo vigor e profunda
lucidez sobre a importância da vida comum nas comunidades religiosas.
Diante de um mundo ameaçado pela massificação e tentado ao dobrar-se sobre
si mesmo do individualismo, o testemunho de homens e de mulheres capazes
de partilhar não só seus bens, mas também suas esperanças, seus ideais a
partir do cotidiano da existência e na confrontação constante com o irmão,
pode verdadeiramente constituir um sinal que fale da comunhão trinitária
no hoje da Igreja e do mundo.
E, se formos honestos, é precisamente sobre a qualidade da vida comum que
nossas comunidades apresentam hoje as lacunas mais sérias. Com efeito, não
é ao nível do celibato ou de pobreza que registramos as maiores distâncias
entre projeto e realização, mas antes ao nível da incapacidade de viver,
pensar, agir em conjunto, na dificuldade de chegar a uma apreciação comum,
em direção daquele "um só coração e uma só alma" que constituíam a seiva
da comunidade apostólica de Jerusalém. E é talvez justamente nesse nível
que o monaquismo poderia constituir uma "memória evangélica" para toda a
vida religiosa e para toda a Igreja. 
c) Princípio de vida, princípio de morte
Em um contexto
social no qual a Igreja é doravante minoritária e no qual os cristãos
procuram sua identidade no meio dos homens, revelam-se ultrapassadas
igualmente no interior da vida religiosa não só as diferenciações
exteriores (hábito) que distinguiam uma Congregação de outra, mas também
as que um teólogo pouco ouvido, Louis Bouyer, definiu como as
"espiritualidades no genitivo", declinadas segundo as especificidades que
punham em segundo plano o agir do Espírito uno e vivificante para
sublinhar o proprium de uma forma de vida religiosa com suas "devoções".
Enquanto que
algumas formas de presença no mundo e na Igreja entravam em crise, essa
redução da identidade a um clichê estereotipado tem provocado
simultaneamente uma crise da identidade da própria vida religiosa. Crise
ainda mais acentuada pelas Congregações "diaconais", votadas a um serviço
preciso: escolas, hospitais, pobres...
Daí ressalta com
clareza um elemento sociológico, do qual as instituições eclesiais não
estão isentas: o que é princípio de vida é também princípio de morte. Como
o fez notar, com franqueza e lucidez o jesuíta Raymond Hostie, na história
da Igreja, cada vez que um homem ou uma mulher carismática soube perceber
uma necessidade emergente na sociedade e lhe dar uma resposta concreta,
produziu-se uma rápida expansão de uma nova forma de vida religiosa,
talvez à custa de outras formas em declínio. Mas de maneira semelhante, o
desaparecimento dessa mesma necessidade provoca, com uma rapidez igual,
uma parada, depois um declínio dos efetivos e mesmo uma crise de
identidade profunda entre os religiosos que ficam. Pensemos, por exemplo,
nas conseqüências que teve sobre a vida religiosa no mundo ocidental a
tomada pelo Estado das funções educativas, caritativas e sanitárias. Como
confirmação dessa "lei" sociológica, nota-se uma substancial estabilidade
- mas em número claramente reduzido, senão negligenciável, por exemplo,
para os cartuxos - dos efetivos das Ordens desligadas de um "fim" qualquer
ou de um serviço preciso: a identidade forte desencoraja muitos
candidatos, mas amortece muito mais os contragolpes das mutações externas.
É também
interessante a esse propósito interrogar qual a imagem que o povo cristão
tem da "santidade" numa época determinada, independentemente de
julgamentos sobre a santidade individual, que só o Senhor conhece na
verdade. Não é por acaso que nos primeiros séculos, justamente após a era
dos mártires, o povo aclamava como santos - talvez até ainda em vida - os
monges, enquanto que a partir do século XIII figuras como Francisco
prevaleceram e que, nos dois últimos séculos, os grandes santos "sociais"
se impuseram. Creio que é significativo que, hoje, nenhum monge seria
proclamado santo "por aclamação popular", enquanto que o são figuras
carismáticas da vida religiosa diaconal como a Madre Teresa.
Esses dados nos
interrogam sobre a imagem da Igreja e a presença no mundo que os cristãos
conseguem dar hoje. Não cabe certamente apenas ao monaquismo dar
respostas: só a Igreja em sua totalidade e no seu ser "no mundo, mas não
do mundo" poderá dá-los. Mas aos monges é pedida lucidez sobre o que são e
sobre a autenticidade de sua identidade: simples batizados que levam uma
vida comum no celibato e a radicalidade da sequela Christi. 
5. Estruturas
para uma identidade
a) Discernimento vocacional
À luz dessas
considerações, estou convencido de que se prepara uma grande primavera
para a vida monástica, com a floração de numerosas vocações. Isto não
contradiz o que foi exposto anteriormente sobre a diminuição demográfica
que espera o viveiro potencial de novas vocações: num clima de menor
"necessidade social" dos serviços fornecidos pela vida religiosa
"diaconal", é previsível que será ela quem sofrerá uma decaída, enquanto
que uma forma vitae como a vida monástica, menos ligada às oscilações das
respostas às necessidades contingentes pode esperar um reforço
considerável mesmo numericamente. Com a condição, entretanto, de que o
monaquismo tenha a lucidez e a audácia necessárias para realizar uma
releitura de sua própria tradição e de sua própria identidade, para se
enraizar de maneira nova no essencial, aceitando perder, "fazer o luto" de
certas realidades, talvez veneráveis, mas que não são mais portadoras de
vida hoje. Nesse sentido tenho a impressão de que o "aggiornamento"
requerido pelo Concílio foi recebido mais como uma modernização do que
como uma volta às fontes evangélicas e patrísticas, de sorte que o
discernimento dos "sinais dos tempos" acabou por se reduzir a uma
mundanização que constituiu uma desvalorização do "preço da graça" do qual
o monaquismo deve ser memória evangélica para toda a Igreja.
Na nova situação na
qual nos encontramos, é preciso ter a coragem de nos interrogarmos não só
sobre a quantidade das novas vocações, mas também e principalmente sobre
sua qualidade. Uma tentação que sempre está à espreita na vida monástica é
aquela - já estigmatizada por Simeão, o Novo Teólogo - da "iconostase":
atrás da iconostase, a esplêndida parede ornada de ícones, escondem-se os
objetos mais vis, necessários à limpeza e manutenção da igreja. De resto,
o próprio Senhor não vituperou os "sepulcros caiados" que induziam ao erro
o passante, mostrando um brilho exterior, enquanto que, no interior, se
escondiam ossos e podridão (cf. Mt 23,27-28)? O monaquismo deve então
velar para que a aparência, a silhueta monástica não sirva de pára-vento a
uma qualidade de vida inexistente. E essa vigilância passa, primeiramente,
por um discernimento das vocações e recusa de acolher seja quem for a fim
de repovoar os quadros do mosteiro. Não estou falando de uma qualidade
moral, mas da necessária consciência de que, para assegurar um amanhã à
vida monástica, não basta acolher aquele que talvez se mostre cheio de
zelo mas tem falta de espessura humana e inteligência espiritual. Esta não
deve absolutamente ser confundida com os dons intelectuais: pode-se muito
bem levar a vida monástica sem ser intelectual, enquanto que não se pode
assumi-la a longo termo e com qualidade, sem a inteligência de quem sabe
se comportar nas relações adultas e responsáveis para com os outros. Se,
para ter noviços, aceitam-se candidatos sem espessura humana de
inteligência e de comunhão, acaba-se por cair num círculo vicioso, no qual
o núcleo sem qualidade atrairá sempre mais candidatos desse tipo e por
oposição repelirá aqueles que estão à procura de uma vida monástica
sólida.
Não se trata de
recusar os fracos - como alguns poderiam pensar de maneira demagógica -
mas ao contrário, de preparar um lugar sadio no qual os fracos também
poderão encontrar solidez, e os doentes, cura. Se por exemplo, se acolhe
sem discernimento pessoas com fragilidades psíquicas, seu número tenderá a
crescer por simbiose, acabando facilmente por paralisar a vida comum,
tornando impossíveis as reuniões comunitárias, os encontros fraternos, as
tomadas de responsabilidade.
Se, em uma
comunidade monástica, aumentar de maneira desmesurada o número de irmãos
que não gostam de ler, que não são atraídos pela lectio divina na Bíblia,
que não freqüentam os Padres da Igreja, que não se interessam pela
liturgia, o mosteiro não poderá se manter dignamente e não terá mais a
transparência nem o sentido de seu testemunho: delinear-se-á no horizonte
não só a crise, mas também a decadência. De outras formas de vida cristã e
de vida religiosa, ainda mais ligadas a uma função, a uma tarefa precisa a
realizar, pode se tolerar que uma certa espessura de formação e uma certa
qualidade de interesses não digam respeito senão a alguns membros da
congregação, mas não o monaquismo e menos ainda o monaquismo dos próximos
decênios. 
b) Formação monástica
No contexto
cultural atual e de maneira particular no mundo dos jovens tudo deve ser
justificado, tudo deve ter sua justificação no presente e na perspectiva
do futuro; não se pode mais apelar somente ao passado, a um "sempre se fez
assim". Ou aquele que tem a responsabilidade de uma comunidade monástica é
capaz de dar uma justificação das diversas observâncias – e uma
justificação portadora de vida e de sentido, – ou então os jovens viverão
essas observâncias como um jugo opressivo e, na primeira ocasião, dele se
desembaraçarão, tornando ingovernável essa comunidade. Isso é verdadeiro
em todos os níveis: da liturgia ao hábito, ao estilo de vida, ao regime
alimentar e aos usos. No dizer dos sociólogos, trata-se de um dos desafios
mais difíceis a serem notados pelos anciãos: provenientes de um mundo
culturalmente mais homogêneo, onde a tradição do que sempre se fez era
acolhida sem dificuldade, eles se encontram desarmados face à necessidade
de dar conta de cada costume. É preciso rever com uma autoridade
carismática a relação entre significado e significante, interrogar-se
sobre a capacidade de veicular uma mensagem que certos gestos perderam,
saber encontrar as modalidades cambiantes para exprimir os valores
permanentes: desafio difícil, mas inelutável. 
c) Regra,
abade e comunidade numa dinâmica circular.
No monaquismo
ocidental, a expressão de Bento que indica os cenobitas como aqueles que
militam sub regula vel abbate (RB 1,2), terminou por tomar uma conotação
de subordinação vertical entre três elementos constitutivos de um mosteiro
– ao alto, a regra à qual também o abade está submetido, à qual está
submetida a comunidade – que na minha opinião, deforma não só a intenção
do próprio legislador como também a evolução histórica do monaquismo
beneditino tal como foi realizada. Na realidade uma relação sadia entre
esses três elementos não pode ser garantida senão por uma dinâmica
circular: é a Regra que regula a vida da comunidade, mas o abade é
convidado precisamente pela própria Regra a ir além, a discernir o que é
mais oportuno e evangélico numa circunstância dada e com as pessoas dadas,
a interpretar a Regra em função de uma comunidade precisa, a qual por sua
vez não só exprime e elege o abade em seu seio, mas o põe cotidianamente
na medida de realizar seu ministério pela obediência: além do lapidar e
jurídico semel abbas, semper abbas, com efeito, sem comunidade que o
reconheça como tal no cotidiano da vida, não há abade.
É uma dimensão de
dinâmica comunitária que é de novo proposta pela eclesiologia de comunhão
sublinhada pelo Vaticano II e pela qual os mosteiros poderiam, talvez,
constituir uma espécie de laboratórios pilotos para toda a Igreja e mesmo
para o exercício da presidência na caridade. Aliás, é nessa mesma direção
que vai igualmente a epistemologia, quando afirma que os corpos sociais
evoluem na história graças a uma dialética entre "livro" e "povo". Séculos
antes dos epistemologistas, que, aliás nada mais fazem senão ler as
constantes humanas já presentes na história, Bernardo já não falara sobre
o liber et Ecclesia? É a relação que existe entre e Bíblia e o Povo de
Deus: é Israel que fixa o conteúdo da Bíblia, mas é a Bíblia que dá uma
identidade a Israel, assim como caberá à Igreja estabelecer o cânon do NT
e ser ao mesmo tempo edificada e modelada pela escuta obediente da Palavra
de Deus. É por essas razões profundas e não por questões eclesiológicas
que o sola Scriptura de Lutero não é possível: qualquer palavra que se
torne um acontecimento necessita de uma interação com o destinatário da
mensagem que veicula para poder continuar a ser portadora de sentido
também para novos destinatários.
Então, na vida
monástica, o abade é aquele que, pondo-se a serviço da Regra e da
comunidade coloca-se abaixo dos dois para consentir em um constante
diálogo vital. Não se trata, pois, de passar de uma concepção monárquica
ou feudal a uma concepção democrática ou parlamentar de autoridade nos
mosteiros, mas de redescobrir a sinodalidade, o fato de caminhar juntos (syn-odos),
com papéis e funções diversas, na comum obediência a uma palavra revelada
- o Evangelho, do qual a Regra quer ser a intermediária (per ducatum
Evangelii: RB Prol. 21) - o que requer uma conversão constante.
Repensar o
ministério de unidade e a função do abade, que é o fruto não de uma
modernização fácil mas de um autêntico retorno às fontes, revela-se em
seguida particularmente eloqüente para o homem de hoje numa sociedade na
qual, diferentemente do passado, as massas se tornaram protagonistas,
tendo dificuldade entretanto, de encontrar em seu seio instrumentos de
comunicação, de diálogo e de desenvolvimento organicamente estruturados. 
6. Monaquismo e
realidade externa
a) Monaquismo e Igreja
O monaquismo nasceu
sempre como fenômeno marginal, como realidade à margem do "corpo" eclesial
e social: a própria localização geográfica - nos confins do império e na
periferia da cidade - é significativa de uma atitude espiritual. O
mosteiro se situa no espaço entre o deserto e a cidade, capaz de um olhar
sobre as duas realidades, atento à sua escuta e portador de uma palavra
que lhe é dirigida. O monge se mantém então às margens: diante dele, a uma
certa distância, há a cidade, o mundo; atrás, pronto a acolhê-lo, o
deserto, a floresta, a montanha ou o vale. É difícil permanecer nas
margens: há uma tentação constante, pelo isolamento e pelo refúgio num
sectarismo altaneiro, ou pela inserção embaraçada na instituição eclesial
(e, em regime de cristandade, igualmente na instituição social). Se essa
distância dialética da marginalidade não for salvaguardada, o monaquismo
perde seu sentido e então os ersatz de sua liberdade responsável não o
levam a lugar algum. Como se poderia, de fato, fazer parte com pleno
direito da instituição eclesial e ser totalmente imerso (que se pense, por
exemplo na clericalização do monaquismo e nas tarefas pastorais que dele
resultam) e, de outro, subtrair-se a elas com o privilégio da "isenção"?
Esta não seria considerada como uma pura defesa de vantagens adquiridas
que se acrescentam às que decorrem dos cargos institucionais?
Certamente, nenhuma
fuga mundi, nenhuma fuga hominum e ainda menos, nenhuma fuga ecclesiae,
mas uma fuga resoluta da mundanidade, presente e ativa no mundo, como na
Igreja, em cada cristão e em cada monge. Entretanto, na Igreja é
necessário que o monaquismo encontre e preserve o lugar que lhe é próprio,
pronto a pagar caro: a marginalidade profética. Antão dizia que os monges
tinham duas coisas: "as Escrituras e a liberdade"; se conseguirem
conservar vivas essas duas riquezas, então poderão infundir no corpo
eclesial - um corpo que devem conhecer e amar muito - valores diferentes,
lembretes das energias alternativas de vida.
Os monges deveriam
se interrogar sobre a causa de, hoje, muitos jovens, que talvez tenham se
aproximado dos mosteiros por algum tempo, sejam atraídos pelas seitas e
movimentos esotéricos. Isso não seria conseqüência do fato de que seu
desejo de ser "diferentes" não encontra mais como se desenvolver nas
comunidades monásticas perfeitamente homologadas por parte da instituição
eclesial? Nossos mosteiros deveriam viver a comunhão com a Igreja local e
universal, mas de maneira própria, não com a isenção, mas autrement para
empregar a expressão cara a dois abades de língua francesa de grande
carisma: André Louf, de Mont-des-Cats e Michel Van Parys, de Chevetogne.
Sim, somos chamados a ser o que são também os outros - cristãos fiéis a
seu Senhor – mas "autrement", segundo outras modalidades, com outras
conotações, privilegiando a dimensão escatológica da vida cristã, fazendo
de nossa vida uma memória do futuro que nos espera e vem ao nosso encontro
em Cristo. 
b) Monaquismo e companhia
dos homens
O monaquismo das
origens, considerado como o herdeiro dos mártires na época constantiniana,
influenciado pelo pano de fundo (background) cultural helenístico presente
no Egito e em toda a área do Oriente Médio - não nos esqueçamos de que
Alexandria era talvez o centro cultural helenístico mais importante da
época - e se desenvolvendo num período no qual grassava o maniqueísmo,
assumiu rapidamente, com convicção, a linguagem dualista do Novo
Testamento joânico: luz-trevas, mundo-Reino, vida-morte, acentuando-a, às
vezes ainda mais. Quando, mais tarde, a Igreja e com ela o monaquismo,
esqueceu as raízes semíticas qumrânianas do dualismo joânico, os cristãos
- e os monges in primis - acabaram por lê-lo em termos platônicos, com o
subseqüente desprezo do corpo, da carne e das realidades terrestres em
favor do espírito e das realidades celestes.
Como exemplo
emblemático, lembremo-nos das conseqüências dessa hipertrofia dualista, na
coleta romana que fala de terrena despicere, expressão traduzida, por
"desprezar as coisas terrenas". Na realidade o termo latino despicere
indica "olhar do alto", isto é, com o próprio olhar de Deus, julgar,
discernir "segundo Deus e não segundo os homens": coisa completamente
diferente do desprezo!
A permanência dessa
atitude altaneira e desprezadora levou o mundo monástico a uma
incapacidade de comunicação sadia com os homens e mulheres de seu tempo, a
ter comportamentos de certo modo "esquizofrênicos" e paradoxais. Incapazes
de dialogar com "simpatia", em solidariedade cordial com os homens, alguns
monges pretendem chegar a "conhecer" a realidade contemporânea cedendo à
mundanidade, ao uso imoderado da televisão, à adoção acrítica de seja qual
for a mensagem veiculada pelas mensagens ou meios "em moda". Por um lado,
então, o diálogo fraterno em comunidade foi substituído pelo jornal
televisionado - senão até mesmo pelos folhetins ou variedades - na hora
dos recreios; por outro lado, continua-se a olhar os homens do alto, com
um olhar suspeitoso, senão hostil, para com esse mundo que Deus tanto
amou!
Também aí há
necessidade de redescobrir a marginalidade que favorece a distância
amorosa, única capaz de odiar a mundanidade, mas amar os homens, de odiar
o pecado, mas amar o pecador. Arte de difícil aquisição, mas o cristão, e
mais ainda o monge, não pode deixar de fazê-lo. Insiste-se muito hoje, até
mesmo o Papa João Paulo II, na necessidade de passar a uma nova
espiritualidade, ou melhor, a um novo modo de criar um espaço à ação do
Espírito de Deus no mundo. Essa "espiritualidade" - à qual os monges não
podem permanecer estranhos, sob pena de se tornarem um precioso marco
arqueológico - comporta a capacidade de aliar fidelidade à terra e
fidelidade ao céu, solidariedade com os homens e desejo de Deus. Os monges
deverão fazê-lo segundo o modo que lhes é próprio, não seguindo a última
novidade no domínio da ecologia e nas estratégias de presença no mercado,
nem cortejando personalidades de sucesso para atrair as multidões, mas
retornando às fontes, redescobrindo nos Padres e autores monásticos a
compaixão para com os homens, o desejo de discernir a face de Deus no
irmão, a capacidade de escutar o que arde ainda no coração do último dos
pecadores, a solidariedade amorosa para com todas as criaturas, animadas
ou inanimadas que escreveram as páginas mais luminosas da história do
monaquismo e do cristianismo. 
7. Conclusão
No início falei
sobre a capacidade de fazer o luto, da ars moriendi. Espero ter sido bem
compreendido: trata-se de deixar morrer, de aceitar que morra o que não é
mais capaz de transmitir a vida, para poder salvaguardar e fazer crescer o
que dá espaço à vida. Os mosteiros devem ser lugares onde a vida circula,
se torna visível, espaços que oferecem o bonum dessa vida àqueles que dele
se aproximam. Se não formos capazes de vencer o instinto "abortivo" que
leva a asfixiar qualquer germe de novidade de vida, se não soubermos
resistir à tentação de justificar o presente por um passado que não existe
mais, se não nos contentarmos em mudar alguma coisa a fim de que nada
mude, então, pelo dom de Deus que vem ao nosso encontro em nosso caminho
para ele, saberemos ser memória evangélica para a Igreja e para o mundo do
terceiro milênio.
 Comunidade de Bose
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