Estamos profundamente comovidos pela escolha do foco desta discussão, a Bem-aventurança do Senhor no Sermão da Montanha do Evangelho de São Mateus…
(Vaticano, 4 de outubro de 2021)
Excelência Monsenhor Sorondo,
Amado Professor Sachs,
Distintos participantes,
É verdadeiramente uma honra ser convidado a participar numa parte do auspicioso encontro sobre a pobreza, que se insere no «Projeto Ciência e Ética para a Felicidade» da Pontifícia Academia das Ciências Sociais em parceria com eminentes instituições e fundações. Seu trabalho aqui é vital na medida em que dá carne e ossos à teologia e à teoria sobre a cura das divisões entre a humanidade e as feridas em nosso planeta.
Em nossa Encíclica Patriarcal para o Natal de 2012, declaramos 2013 como «Ano da Solidariedade Global», com o objetivo de sensibilizar corações e mentes em relação à questão da então aguda crise financeira e, especialmente, «o imenso e extenso problema da pobreza e a necessidade de assumir as medidas necessárias para confortar os famintos e desafortunados», também fizemos um apelo a cada cristão e a cada pessoa de boa vontade para intensificar nossos esforços, «como indivíduos e nações, para a redução das consequências desumanas criadas pelas vastas desigualdades, bem como para o reconhecimento por todas as pessoas dos direitos dos mais fracos entre nós, para que todos possam desfrutar dos bens essenciais necessários à vida humana».
As pessoas em situação de pobreza não são um simples estudo de caso a resolver, mas pessoas humanas concretas, nas quais Jesus Cristo está presente e com quem se identifica, à espera do nosso apoio e solidariedade. Esta mensagem está no cerne do documento «A Missão da Igreja no Mundo de Hoje», que foi adotado pelo Santo e Grande Concílio da Igreja Ortodoxa (Creta, 2016): «Os esforços da Igreja Ortodoxa para enfrentar a miséria e a injustiça social são expressão da sua fé e do serviço ao Senhor, que se identifica com cada pessoa e especialmente com os necessitados: ‘Porquanto o fizestes a um dos menores destes meus irmãos, o fizestes a mim’ (Mt 25: 40»).
Há pouco mais de um ano, o Sacrossanto Sínodo do Patriarcado Ecumênico aprovou oficialmente o trabalho de uma comissão teológica encarregada de «preparar um documento formal sobre a doutrina social da Igreja Ortodoxa, conforme isso se refletiu e se expressou na tradição por meio de pelos séculos e pelo Patriarcado Ecumênico na prática contemporânea, particularmente como recentemente adotado nos documentos e decisões do Santo e Grande Concílio». Trata-se de «Pela Vida do Mundo: Rumo a um Ethos Social da Igreja Ortodoxa», documento no qual destaca-se que «é impossível à Igreja seguir verdadeiramente a Cristo ou torná-lo presente ao mundo se não colocar esta preocupação absoluta pelos pobres e desfavorecidos no centro da sua moral religiosa e vida espiritual» (§33) … Acima de tudo.
No Novo Testamento encontramos dois textos maravilhosos que revelam o significado mais profundo do mandamento do amor e a plenitude da verdade sobre a missão social da Igreja no mundo (a parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37); e a narrativa do Juízo Final (Mt 25: 31-46). Com base nestas duas passagens bíblicas, expressamos a firme convicção de que o amor cristão não se refere a um mero apoio circunstancial aos destituídos, indiferentes às raízes de seu sofrimento, mas, levando em consideração o fato de que hoje somos capazes de influenciar a história e mudar nosso destino, o mandamento do amor nos convida a todos a lutar com todas as nossas forças para tornar essa mudança uma realidade. Como está bem escrito, quem cumpre o mandamento do amor não se limita a apoiar o próximo.
Portanto, estamos profundamente comovidos pela escolha do foco desta discussão, a Bem-aventurança do Senhor no Sermão da Montanha do Evangelho de São Mateus: «Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus». Em seu relato do evangelho, Mateus apresenta um modo de vida alternativo. E o que ele nos diz é que a beleza, a justiça e a paz, para as quais Deus criou e desenhou o mundo, devem se tornar parte de nossa própria vida. O reino de Deus é uma reversão de atitudes, uma reordenação de valores, uma conversão de comportamento. O reino de Deus significa tornar-se cada vez mais uma pessoa que compartilha da justiça e da paz de Deus.
Para fazer isso, São Mateus nos diz que devemos nos tornar pobres de espírito. Claro, o Evangelho segundo Mateus, não pretende com esta frase idealizar a pobreza. A pobreza em si não é boa; não é uma virtude. A pobreza é na verdade uma indicação clara de que o Reino de Deus ainda não chegou. De acordo com a tradição hermenêutica bíblica, o pobre em espírito é aquele que entrega livremente toda a sua vida e destino nas mãos de Deus, aquele que depende totalmente da graça de Deus. O pobre em espírito é a definição do fiel por excelência. O fiel é aquele que implementa os mandamentos de Cristo, especialmente o grande mandamento do amor, que abrange todos os outros mandamentos. Tal implementação indica a presença de Cristo na vida dos fiéis. Com este mesmo espírito do mandamento do amor, Jesus disse ao rico, que perguntou como poderia herdar a vida eterna: «Vai, vende todos os teus bens e dá-os aos pobres» (Mt 19,21). A reação do homem rico depois de ouvir a resposta de Cristo ao «ir embora triste» significa que ele realmente carecia dessa abençoada pobreza de espírito, ou seja, a combinação de fé e amor em sua unidade inquebrantável.
Caros amigos,
Esta é a mensagem clara do Evangelho. Esta é a clara vocação da Igreja. Quem não compreende a verdade da pobreza de espírito não pode ouvir o clamor dos desamparados. Assistimos à realidade desta pobreza em espírito nos últimos dezoito meses com a disseminação global do coronavírus, como o tão almejado espírito de solidariedade, que se faz necessário não só como resposta adequada à crise de saúde em curso, mas também a todos. os outros desafios que a humanidade pode encontrar no futuro.
Obrigado pelo que vocês estão fazendo para esse fim. E obrigado pela atenção.