«Domingo do Perdão» - ou da Abst. de Lacticínios (7° antes da Páscoa - Modo Grave)
Comemoração de São Bento De Núrsia, Monge († C. 543).
Neste dia realiza-se, nas igrejas ortodoxas, um rito especial durante o qual todos, começando pelos sacerdotes, pedem perdão uns aos outros pelas ofensas cometidas, intencionais ou não. A Quaresma é um tempo de intensa luta contra o pecado e é muito importante começar o jejum com uma consciência limpa, sem o peso de saber que estamos em divida moral com alguém. O Evangelho nos diz que, se não perdoarmos aos outros as suas faltas, o Pai também não nos perdoará as nossas. Neste dia, vamos à Igreja para pôr em prática estas palavras, aproximando-nos uns dos outros e pedindo perdão. E ouviremos a resposta tradicional: «Deus perdoará!» Com o perdão, começamos o caminho rumo ao renascimento espiritual, e o Senhor nos ajudará a dar este primeiro passo. «Abençoai e perdoai-me, pais, irmãos e irmãs»!
Matinas (Orthros)
Evangelho (Eoth. 7)
Santo Evangelho segundo o Evangelista São Lucas [LC 24: 1-12].
aquele tempo, no primeiro dia da semana, muito cedo ainda, elas foram ao sepulcro, levando os aromas que tinham preparado. Encontraram a pedra do túmulo removida, mas, ao entrar, não encontraram o corpo do Senhor Jesus. E aconteceu que, estando perplexas com isso, dois homens se postaram diante delas, com veste fulgurante. Cheias de medo, inclinaram o rosto para o chão; eles, porém, disseram: «Por que procurais entre os mortos aquele que vive? Ele não está aqui; ressuscitou. Lembrai-vos de como vos falou, quando ainda estava na galileia: ‘É preciso que o Filho do Homem seja entregue às mãos dos pecadores, seja crucificado e ressuscite ao terceiro dia’». E elas se lembraram de suas palavras. Ao voltarem do túmulo, anunciaram tudo isso aos Onze, bem como a todos os outros. Eram Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago. As outras mulheres que estavam com elas disseram-no também aos apóstolos; essas palavras, porém, lhes pareceram desvario, e não lhes deram crédito. Pedro, contudo. levantou-se e correu ao túmulo. Inclinando-se, porém, viu apenas os lençóis. E voltou para a casa muito surpreso com o que acontecera.
Divina Liturgia
Apolitíkion da Ressurreição (Modo Grave)
Pela tua cruz, destruíste a morte | abriste as portas do paraíso ao ladrão | converteste em alegria o pranto das Miróforas | e lhes disseste que aos apóstolos anunciassem | que ressuscitaste dos mortos, ó Cristo Deus | revelando ao mundo a grande misericórdia.
Kondakion Próprio
Tu, Senhor, Orientador para a sabedoria e Doador da prudência | Mestre dos ignorantes e amparo dos desafortunados | fortalece meu coração e dota-o de compreensão. | Dá-me o poder da palavra, ó Verbo do Pai | pois não deterei meus lábios para te aclamar: | «Tem piedade de mim, ó Misericordioso!»
Prokimenon (Modo 4)
Fazei votos ao Senhor nosso Deus e cumpri-os.
Vers. Deus é conhecido na Judéia, grande é o seu nome em Israel.
Epístola (Apóstolos)
Epístola do Apóstolo São Paulo aos Romanos [RM 13: 11-14: 4].
rmãos, tanto mais que sabeis em que tempo vivemos: já chegou a hora de acordar, pois nossa salvação está mais próxima agora do que quando abraçamos a fé. A noite avançou e o dia se aproxima. Portanto, deixemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz. Como de dia, andemos decentemente; não em orgias e bebedeiras, nem em devassidão e libertinagem, nem em rixas e ciúmes. Mas vesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis satisfazer os desejos da carne. Acolhei o fraco na fé sem querer discutir suas opiniões. Um acha que pode comer de tudo, ao passo que o fraco só come verdura. Quem come não despreze aquele que não come; e aquele que não come não condene aquele que come; porque Deus o acolheu. Quem és tu que julgas o servo alheio? Que ele fique em pé ou caia, isso é com seu senhor; mas ele ficará em pé, porque o Senhor tem o poder de o sustentar.
Aleluia
Vers. 1: É bom exaltar o Senhor, e cantar louvores ao teu nome, ó Altíssimo (Sl 92, 1).
Vers. 2: Proclamar pela manhã o teu amor, e a tua fidelidade pela noite (Sl 91, 2).
Evangelho
Santo Evangelho segundo o Evangelista São Mateus [MT 6: 14-21].
aquele tempo, o Senhor disse: «se perdoardes aos homens os seus delitos, também vosso Pai celeste vos perdoará; mas se não perdoardes aos homens, vosso Pai também não perdoará vossos delitos. Quando jejuardes, não tomeis um ar sombrio como fazem os hipócritas, pois eles desfiguram seu rosto para que seu jejum seja percebido pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam sua recompensa. Tu, porém, quando jejuares, unge tua cabeça e lava teu rosto, para que os homens não percebam que estás jejuando, mas apenas teu Pai, que está lá no segredo; e teu Pai, que vê no segredo, te recompensará. Não ajunteis para vós tesouros na terra onde a traça e o caruncho os corroem e onde os ladrões arrombam e roubam, mas ajuntai para vós tesouros no céu, onde nem a traça, nem o caruncho corroem e onde os ladrões não arrombam nem roubam; pois onde está teu tesouro aí estará também teu coração».
Subsídios Homiléticos
Pe. Pavlos, Hieromonge
«Doar amor através (per) do ofensor».
«Em verdade vos digo:
tudo o que fizeste a um destes meus pequeninos
a Mim o fizeste»
uaresma, é o tempo em que a Graça de Deus se manifesta com maior intensidade ante nossos olhos, uma vez que a liturgia, as orações, os jejuns e a penitência contribuem muito para que sintamos em nossas vidas a misericórdia divina, o perdão que nos é dado e um convite à conversão contínua. É o tempo da espera, da meditação, do silêncio. É um tempo onde o exterior torna-se secundário diante da realeza que se descobre ao penetrarmos nossa interioridade. É tempo de parar, de refletir, de meditar, de silenciar os ruídos do dia-a-dia, para ouvir atentamente o que o Senhor nos fala.
A Quaresma é o tempo do deserto e da ausência. Experienciamos o vazio, a solidão, o abandono das coisas mundanas, experenciamos a ausência do barulho e das preocupações que assolam a nossa vida, para nos encontrar conosco mesmos. É o retiro tão necessário para a edificação de nossa vida espiritual.
«Em cada pedra vejo um sinal da presença de Deus, e a ausência dos ruídos, que poderiam me afastar do Senhor. Em cada noite escura me agasalho na proteção do Altíssimo, sentindo apenas que o Senhor me envolve com sua mão poderosa» . (Santo Epifânio, monge e bispo de Chipre)
O tempo do «deserto» nos torna conscientes de nossa realidade mais essencial: somos filhos amados de Deus no seu Filho, feitos à imagem e semelhança, d’Ele, nosso Criador.
A necessidade de recuperarmos esta «imagem e semelhança» nos inquieta e nos move em direção ao “deserto”. Necessitamos nos encontrar com o Pai e nos identificar com Ele. A Quaresma é o tempo propício para este encontro que nos faz recuperar a consciência de nossa verdadeira e mais profunda identidade. Não somos do mundo mas estamos no mundo, para transformá-lo. Fermento na massa, como disse Nosso Senhor. Tomar consciência de nossa verdadeira natureza nos faz pessoas diferentes.
O Perdão é o tema central do Evangelho deste Domingo que também é conhecido como «Domingo da Abstinência de Laticínios». A Igreja, Mãe e Mestra, propõe a seus filhos que se abstenham de certos alimentos, não para nos punir, mas para nos educar, porque nos ama a todos. Uma das grandes dimensões do amor verdadeiro, além das manifestações singelas de carinho e afeto, é a correção. A Igreja nos ama como filhos. Amando-nos nos corrige para nos levar à santidade. Se deixarmos nossas vontades agirem livremente, aos poucos, nos tornaremos seus escravos. Deixar de comer carne ou produtos derivados do leite não são apenas preceitos, mas atitudes que podem revelar o quanto somos dominados ou não pelas inclinações da carne. O excesso de comida ou de bebida «destrói a obra de Deus», nos diz o apóstolo Paulo. (Rm 14). Na Epístola deste domingo, o mesmo apóstolo nos admoesta:
«Despojemo-nos, pois, das obras das trevas e nos revistamos das armaduras da luz. Revesti-vos do Senhor Jesus e não façais caso da carne para satisfazer os apetites». (Rm 13).
O Pai misericordioso está sempre pronto a estender a todos o perdão divino. No entanto, a condição para merecê-lo, é que também nós estejamos prontos a estender o mesmo perdão aos nossos irmãos devedores. No gesto de perdão, revelamos nossa identidade de cristãos, manifestando a misericórdia de nosso Deus. Perdoar é alcançar o estágio mais elevado do amor pelo inimigo. É o amor que cura as feridas e restaura nossas dores a partir de dentro. Amar nossos inimigos, preceito máximo da doutrina de Jesus, é ser capaz de perdoar os que nos causaram o mal. O perdão substituiu a vingança e a justiça baseada nas mensurações puramente humanas, pelo amor. O perdão se baseia na lei do Amor, por isso muitas vezes não é compreendido.
Artur da Távola, teólogo e filósofo da atualidade, em crônica publicada no jornal O Dia do Rio de janeiro em 28 de março de 2002 com título: «Como é difícil perdoar!» nos faz uma triste constatação logo no início: diz o autor: «Pouca gente, mesmo entre cristãos, compreende o sentido profundo do perdão. A maioria pensa que é forma de anistia do sentimento, ato interno capaz de compreender o ofensor e desculpá-lo no fundo do coração misericordioso. Este primeiro degrau do perdão já é difícil de ser galgado. E a propósito da Semana Santa, quero dizer o seguinte: O verdadeiro sentido da revolução cristã do perdão, porém, é outro, e bem mais radical: mais que ausência de ódio no coração do ofendido, o perdão é ação de amor na direção do ofensor. O cristianismo é tão revolucionário que exige do ser humano não apenas a grandeza de compreender e desculpar o ofensor, mas a capacidade de amá-lo. Perdoar é per+doar, isto é, “doar amor através (per) do ofensor».
«Perdoar é doar amor através do ofensor»
uem doa amor ao ofensor dá-lhe as condições profundas de contrição, compunção, compaixão e arrependimento, os quatro caminhos através dos quais o ser humano pode renascer de si mesmo e das trevas, trocando a morte pela vida.
Por ser o gesto mais difícil e elevado, o perdão é a única forma de permitir ao ofensor a entrada de amor no seu coração. Qualquer forma de cobrança, punição e vingança aferra a crueldade do ofensor e, de certa forma, fá-lo sentir-se justificado. A doação objetiva e concreta de amor poderá não ser eficaz, adiante, porém é a única forma através da qual o ofensor tem a chance de se arrepender sinceramente e reencontrar um caminho que lhe faz falta e é a única maneira de se redimir, crescer como pessoa, transformar-se.
Ser bom, fazer-se seguidor das religiões, sentir-se justo, fraterno, solidário, honesto, tudo isso – embora exija esforços – é relativamente fácil e em geral alimenta o ego. Difícil é perdoar o ofensor, não apenas desculpando-o, mas sendo capaz de o amar na integralidade do seu ser. Por isso, aliás, o cristianismo em essência encontra tanta dificuldade de se implantar entre os homens: exige a descoberta da grandeza humana, da virtude no sentido de exercício da única força capaz de mudar o mundo: o amor real. Não há revolução maior. Quem é capaz?
Ruben Alves
Homilia de São João de Kronstadt
Ama a Deus e ao teu próximo
Ame a Deus e a teu próximo!
«Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai vos não perdoará as vossas ofensas (Mt 6:15).
Este domingo é chamado, popularmente, «Domingo do Perdão». Desde tempos antigos que se conserva o costume de, hoje e durante toda a semana da tirofagia, pedirmos perdão uns aos outros pelos pecados cometidos de uns contra os outros. Um costume admirável, autenticamente cristão. Pois, quem de nós, de fato, não peca contra o seu próximo, seja com palavras, ações ou pensamentos? Pedindo perdão ao outro, mostramos nossa fé no Evangelho, nossa humildade, nossa rejeição ao mal, nosso amor pela paz e a concórdia. Pelo contrário, negar-se a pedir perdão ao outro revela nossa pouca fé, nossa autossuficiência, ódio, insubordinação ao Evangelho, resistência a Deus, cumplicidade com o diabo. Pela graça, somos todos filhos do Pai celestial, membros de Cristo nosso Deus, membros de um único corpo, a Igreja, que é seu corpo, e membros uns dos outros: «Deus é amor» (1 Jo 4: 8) e, mais do que todas as oferendas e sacrifícios, quer de nós que nos amemos uns aos outros, com aquela caridade evangélica, paciente, prestativa, que não é invejosa, não se ostenta, não se incha de orgulho. Que nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Que não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Que tudo desculpa, tudo crê tudo espera, tudo suporta e nunca se cansa (1 Cor 13: 4-8). A lei toda se resume em duas palavras: amar a Deus e amar o próximo. O coração do homem é extremamente egoísta, impaciente, ciumento, rancoroso e mau: ele se volta contra seu irmão até mesmo em razão de um mal imaginário, uma palavra mais dura, e até mesmo por um olhar que lhe pareça pouco tolerante, equivocado, astuto, feroz; deixa-se levar por pensamentos alheios, ou por suspeitas. O Senhor, que sonda os corações, nos adverte: «Com efeito, é de dentro do coração dos homens que saem as intenções malignas: prostituições, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, malícia, devassidão, inveja, difamação, arrogância, insensatez (Mc 7: 21-22). O mal humano deve ser combatido pela infinita bondade e pela graça omnipotente de Deus; com seu ajuda, é mais fácil fugir de todo o mal, através da doçura, da bondade, do espírito de doação, paciência e longanimidade. O próprio Senhor nos diz: «Eu, porém, vos digo: não resistais ao homem mau; antes, àquele que te fere na face direita, oferece-lhe também a esquerda; e, àquele que quer pleitear contigo, para tomar-te a túnica, deixa-lhe também o manto (Mt 5: 39-40). Se perdoamos o próximo os pecados cometidos contra nós, na mesma medida o Pai celestial nos promete o perdão dos nossos pecados, a absolvição no Juízo Final, a bem-aventurança eterna: «Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia» (Mt 5: 7). A maldade inveterada estende-se ao juízo final e ao tormento divino. Ouça esta história que mostra como Deus pune os malfeitores que se recusam a reconciliar-se uns com os outros. Conta-se que na Lavra das Cavernas de Kiev, havia dois monges eremitas, o sacerdote Tito e o diácono Evagrio. Depois de viverem por alguns anos em concórdia, por alguma razão se tornaram inimigos hostis um ao outro; esta animosidade mútua durou muito tempo e eles, sem se reconciliar, ousaram apresentar a Deus o sacrifício não incruento do altar. Todos os conselhos da comunidade, para que deixassem de lado o ódio e vivessem em paz e bom entendimento, foram ignorados. Um dia, o padre Tito caiu gravemente doente. Desesperado, começou a chorar amargamente por seu pecado e enviou alguém para se desculpar com aquele a quem odiou: mas Evagrio nem quis sequer escutar e começou a amaldiçoá-lo impiedosamente. A comunidade de irmãos, deplorando tão grave perda, levou-o à força diante do moribundo. Titus, percebendo que seu inimigo estava lá, sentou-se em sua cama, com a ajuda de outros, e caiu diante dele, implorando com lágrimas para que o perdoasse. Mas o desumano Evagrio virou-se e gritou raivoso: «nem nesta vida, nem na outra vou me reconciliar com você». E, afastando-se da comunidade, caiu ao chão. Os monges tentaram erguê-lo, mas qual foi a surpresa ao vê-lo morto e tão frio que parecia ter morrido há muito tempo. A surpresa ainda foi maior ao verem Padre Tito, o sacerdote, levantar-se são de seu leito de dor, como se não tivesse nunca estado doente. Perplexos com tão inesperado acontecimento, cercaram Tito e, um após outro o questionaram: «O que isso significa?» Ele respondeu: «Estava gravemente enfermo até que eu, um pecador, que havia se enfurecido contra meu irmão, vi os anjos se afastarem de mim e derramarem lágrimas pela perda de minha alma, enquanto os espíritos impuros se alegravam. Esta era a razão pela qual eu queria mais que tudo reconciliar-me com ele. Mas quando o trouxeram a mim, prostrei-me diante e ele me amaldiçoava. Vi então um anjo ameaçando jogar uma lança de fogo nele, e que caia o desgraçado no chão, morto. E o mesmo anjo estendeu a mão em minha direção e eu me levantava do meu leito de dor». Os monges choraram a terrível morte de Evagrio e desde então passaram a vigiar para que o sol não se ocultasse com eles cheios de raiva.
Irmãos e irmãs: o ressentimento é o mais terrível dos vícios, e é assim tão detestável diante de Deus como fatal perante a sociedade. Somos criados à imagem e semelhança de Deus: a bondade e a inocência devem ser nossas virtudes permanentes, visto que Deus se age em relação a nós de acordo com nossa bondade; demora a se irritar e nos perdoa, independentemente do número de nossos pecados. Nós também devemos perdoar. Mas o rancoroso não tem nele a imagem e semelhança de Deus: antes, assemelha-se mais a uma besta do que a um homem. Amém.
- Traduzido do espanhol (trad, de Psaltir Nektario B.) por Pe. André Sperandio, em 14/03/2021.
Referências Bibliográficas:
BÍBLIA – Bíblia de Jerusalém (Nona Edição Revista e Ampliada). São Paulo: Paulus, 2013.