9º Domingo de São Mateus
![](https://ecclesia.org.br/byblos/wp-content/uploads/2024/08/mateus9.jpg)
![](https://ecclesia.org.br/byblos/wp-content/uploads/2023/09/tamanini.jpg)
SUBSÍDIOS HOMILÉTICOS
«Coragem! Sou Eu. Não tenham medo!»
Imaginar a existência do mar com as águas sempre tranquilas é uma quimera. Faz parte da natureza do mar os momentos de tranquilidade e serenidade. Nestes casos, suas ondas tocam a costa marítima como se estivessem acariciando-a delicadamente. Assim, tanto as águas do mar como as areias da praia coexistem pacificamente, respeitando os limites de espaço designados pelo Criador. No entanto, este mesmo mar sofre influências dos ciclos lunares, dos ventos, e reponde a isso de forma própria. Aos nossos olhos estas manifestações são agressivas, violentas e destrutivas. A afabilidade das ondas tranquilas que iam ao encontro das costas marítimas com desvelo e cuidado, transforma-se em algo arrebatador e impetuoso ignorando os limites de sua abrangência. A força de suas ondas parece expulsar de sua área aquilo que lhe pareça estranho. Levadas pelas forças do vento, as ondas agitam e engolem o que está sobre sua superfície.
Pedro e outros discípulos, como exímios pescadores estavam a par desta realidade. Sabiam da força e do perigo do mar agitado; sabiam também que as águas têm uma densidade incapaz de suportar o peso de uma pessoa, a não ser que esteja dentro de uma embarcação. Extrapolando as leis da física e excedendo o perímetro do usual e costumeiro, os que estavam no barco se assustaram ao ver que um vulto se aproximava, caminhando sobre as águas. A perplexidade contagia o ambiente e os tripulantes não sabem o que fazer, resta uma alternativa: gritar.
O Senhor os acalma dizendo: “sou eu, não tenham medo!” Essas palavras não só identificam aquele que se aproximava como também acalmam os discípulos assustados. Ao falar, a voz do Senhor é reconhecida; sabiam que não se tratava mais de um fantasma ou de um espírito: era o próprio Filho de Deus manifestando seu poder outra vez.
O poder do Senhor, aliás, tinha sido manifesto ao entardecer daquele mesmo dia quando multiplicou os pães e peixes e matou a fome da multidão exausta e faminta que o seguia. Aquele que foi capaz de multiplicar os pães e peixes, que transformou a fome em saciedade era capaz de não afundar e andar sobre as águas.
Pedro pede uma prova: “Se és de fato o Senhor, manda que eu vá ter contigo e ande sobre as águas”. Jesus imediatamente lhe ordena: “Vem!”. Sem titubeios Pedro sai do barco e começa a andar sobre as águas indo ao seu encontro. O que era impossível torna-se possível graças ao poder de Deus e à obediência a sua palavra. Pedro, de maneira destemida, abandona sua embarcação e atira-se ao impossível. É a fé que o impulsionou a obedecer à voz de seu Mestre. A fé fez de Pedro um homem de coragem. Estava ciente dos perigos do mar agitado, todavia sabia que além das ondas estava Jesus. Quem tem fé enxerga as ondas revoltas, mas vê além delas o Salvador. Quem tem fé ouve o zumbido dos ventos, mas escuta a voz mais forte de Deus dizendo “Vem”.
Não basta ter fé. É preciso mantê-la. Por isso, num instante de dúvida, Pedro se apavora e sucumbe às águas. Pedro não podia salvar-se sozinho, não tinha nem forças para fazê-lo. Pede por socorro àquele que era o único que podia salvá-lo. Seu grito por socorro, era uma manifestação e um grito de fé. Jesus era a sua tábua de salvação e se apegou a ele com toda tenacidade. Prontamente Jesus estende seus braços e acolhe Pedro e o salva, advertindo-o, porém, que sua fé era pequena, pois teve dúvidas. Onde há dúvidas há a divisão. Onde há dúvidas a fé não pode existir. Aliás, fé e dúvida não coexistem. Onde se instala a dúvida o demônio age. Onde se planta a dúvida colhemos a ausência de Deus. Fé significa certeza. Fé significa confiança total e irrestrita em Deus. Fé é dom. Há que pedir o dom da fé em cada oração que fizermos.
Os dois sobem no barco e o mar se acalma. Onde Deus está a serenidade se torna presente. Ao cair da tarde o Senhor dominou a fome de muitos, depois dominou o pânico dos discípulos e o medo de Pedro, agora, domina a força dos ventos e das ondas. O mar e o vento foram criados por Deus e lhe são submissos. Por isso sua presença bastou para que a ordem voltasse a reinar sobre a natureza. As coisas que Deus cria não obstaculizam a relação entre Deus e o homem. O homem, ao explorar desregradamente a natureza e destruí-la, não tem consciência que ao fazer isto, está destruindo também um dos meios de se contemplar Deus. A natureza preservada auxilia o coração do homem a entrar em sintonia com Deus e nele encontrar sua paz. A valorização e a preservação da natureza são indispensáveis para que continuemos a encontrar nela um meio de se chegar a Deus.
Da mesma forma que imaginar um mar sempre tranquilo é um sonho, querer uma vida sem problemas é uma utopia. Um cristão não se acovarda diante das dificuldades, mas os enfrenta confiante. Nada pode abalar uma pessoa cheia de fé pois sabe que Deus está sempre aí para acalmar as tempestades da vida.
«Por que ter medo?»
No dia 14 de Setembro houve no Monte Athos um violento tremor de terra. Produziu-se durante a noite, durante a vigília da festa da Exaltação da Santa Cruz. Eu estava no coro, junto do Prior, e este último estava mesmo ao lado do sítio onde tinha o hábito de confessar. Um tijolo soltou-se do teto e caiu naquele lugar, assim como muito estuque. A princípio assustei-me um pouco mas rapidamente me acalmei e disse ao Prior: “Eis que o Senhor misericordioso quer que nos arrependamos.”
Olhamos para os outros monges, na igreja e no coro: poucos tiveram medo; cerca de seis homens saíram da igreja, os outros ficaram nos seus lugares e a vigília continuou de acordo com a ordem habitual e com tanta tranquilidade como se nada se tivesse passado. E eu pensei: “Como é abundante nestes monges a graça do Espírito Santo!” Com efeito, enquanto ocorria um tremor de terra tão violento que todo o imenso edifício do mosteiro tremia, a cal caía, os lustres, as lâmpadas de azeite e os candelabros balançavam, que os sinos começaram a tocar no campanário, que até o sino grande bateu com a violência do abalo, eles, pelo contrário, permaneceram tranquilos. E eu pensei: “A alma que conheceu o Senhor não teme nada, exceto o pecado, e sobretudo o pecado do orgulho. Ela sabe que o Senhor nos ama e, se Ele nos ama, que temos nós a temer?”
São Siluane (1886-1938)
«Confiança, sou eu, não temais»
A minha alegria está em Deus
E o meu ardor vai para Ele,
Porque Ele é o meu amparo.
Revelou-se na Sua simplicidade,
E a Sua benevolência apequenou para mim a Sua grandeza.
Fez-se semelhante a mim para que eu O recebesse;
Fez-se semelhante a mim para que eu O possuísse.
Ao vê-lO, não temi,
Porque Ele é a minha misericórdia.
Tomou a minha natureza para que eu O compreenda,
E o meu rosto, para que não me afaste dEle.
O pai do conhecimento é o Verbo do conhecimento.
Ele, que criou a sabedoria, é mais sábio do que as Suas criaturas.
Ele, que me criou, sabia antes de eu ser
Aquilo que eu faria quando existisse.
E, por isso, apiedou-se na Sua misericórdia,
Permitiu que eu reze
E que partilhe do Seu sacrifício.
Sim, Deus é incorruptível.
Ele é a plenitude dos mundos e o seu Pai.
Manifestou-se aos seus,
Para que conheçam Aquele que os criou
E não imaginem a sua origem provindo de si próprios.
Abriu caminho ao conhecimento,
E alargou-o, prolongou-o e conduziu-o à Sua perfeição.
Nele infundiu as marcas da Sua luz,
E os Seus traços, do princípio ao fim,
Pois é a Sua obra.
Pôs no Filho a Sua complacência.
Pela Sua salvação, exercerá a Sua onipotência,
E o Altíssimo será conhecido pelos santos:
Para anunciarem àqueles que cantam a vinda do Senhor,
A fim de que vão ao Seu encontro
E Lhe cantem com alegria.
São Pedro Crisólogo, bispo de Ravena, Sermão 50