Dionisio Areopagita: TEOLOGIA MÍSTICA
Tradução para o português por Pe. André [Sperandio]
I: Em que consiste a Divina Treva
- Trindade supraessencial e mais do que divina e mais do que boa, mestra da divina sabedoria cristã, guia-nos para além do não saber e além da luz para o cume mais alto das Escrituras místicas. Ali onde os mistérios simples, absolutos e imutáveis da teologia se revelam na escuridão mais do que luminosa do silêncio. Em meio às mais negras trevas e fulgurantes de luz, transbordam, absolutamente intangíveis e invisíveis, os mistérios de formosíssimos fulgores que inundam nossas inteligências, que sabem fechar os olhos.
Esta é a minha oração. Timóteo, meu amigo, completamente entregue à contemplação mística, renuncia aos sentidos, às operações intelectuais, a tudo o que é sensível e inteligível. Despoja-te de todas as coisas que são, e até mesmo das coisas que não são, e eleva-te, assim, quanto possível, até que estejas unido no não saber com Aquele que está mais além de todo ser e de todo saber. Pois que, pelo livre, absoluto e puro afastamento de ti mesmo e de todas as coisas, jogando-te por inteiro, serás elevado em puro êxtase ao Raio das trevas da divina Supra-essência.
Trindade supraessencial e mais do que divina e mais do que boa, mestra da divina sabedoria cristã, guia-nos para além do não saber e além da luz para o cume mais alto das Escrituras místicas. Ali onde os mistérios simples, absolutos e imutáveis da teologia se revelam na escuridão mais do que luminosa do silêncio. Em meio às mais negras trevas e fulgurantes de luz, transbordam, absolutamente intangíveis e invisíveis, os mistérios de formosíssimos fulgores que inundam nossas inteligências, que sabem fechar os olhos.
Esta é a minha oração. Timóteo, meu amigo, completamente entregue à contemplação mística, renuncia aos sentidos, às operações intelectuais, a tudo o que é sensível e inteligível. Despoja-te de todas as coisas que são, e até mesmo das coisas que não são, e eleva-te, assim, quanto possível, até que estejas unido no não saber com Aquele que está mais além de todo ser e de todo saber. Pois que, pelo livre, absoluto e puro afastamento de ti mesmo e de todas as coisas, jogando-te por inteiro, serás elevado em puro êxtase ao Raio das trevas da divina Supra-essência. - Mas tome cuidado para que nada disso chegue aos ouvidos dos não iniciados, daqueles que estão apegados aos seres, que imaginam que não há nada mais para além do que existe na natureza física individual. Pensam ainda que com sua mística razão podem conhecer Aquele que “armou sua tenda nas trevas”. E se não alcançam compreender a iniciação nos místicos mistérios, o que podemos dizer sobre aqueles que são verdadeiramente profanos, aqueles que descrevem a Causa suprema de todas as coisas através dos seres mais inferiores da natureza e proclamam que nada é superior aos seus múltiplos e ímpios ídolos? ídolos que eles fabricam para si mesmos?
Na realidade, devemos afirmar que sendo a Causa de todos os seres, tudo quanto nos é dito sobre os seres deverá ser atribuído a ela, porque é supraessencial a todos. Isto não quer dizer que a negação contradiga as afirmações, mas que por si mesma essa Causa transcende e é supraessencial a todas as coisas, anterior e superior às privações, pois está além de qualquer afirmação ou negação.
- Nesse sentido, pois, o divino Bartolomeu diz que a teologia é ao mesmo tempo abundante e mínima, e que se o Evangelho é amplo e copioso, é também conciso. Ao que me parece, compreendeu perfeitamente que a Causa misericordiosa de todas as coisas é eloquente e silenciosa, na verdade silenciosa. Não é racional nem inteligível, pois é supraessencial a todo ser. Manifesta-se verdadeiramente sem véus apenas aos que deixam de lado os ritualismos das coisas impuras e aos que são puros, aos que ultrapassam os cumes das montanhas santíssimas. Aos despreendidos das luzes divinas, das vozes e das palavras celestiais, e que se abismam nas trevas onde, como diz a Escritura, tem verdadeiramente sua morada Aquele que está para além de todo o ser.
Não foi em vão que o divino Moisés recebeu ordens de, primeiro purificar-se, depois afastar-se dos impuros. Terminada a purificação, ele ouviu as trombetas de múltiplos sons e viu muitas luzes de raios fulgurantes. Já separado da multidão e acompanhado pelos sacerdotes escolhidos, chega ao cume das ascensões divinas. Todavia, ainda não encontra Deus mesmo. Contempla, não o Invisível, mas o lugar onde Ele habita. Isto significa, creio eu, que as coisas mais sagradas e sublimes percebidas pelos nossos olhos e inteligência não são as razões hipostáticas dos atributos que verdadeiramente convêm à presença Daquele que tudo transcende. Através deles, não obstante, sua presença inimaginável se faz manifesta, enquanto ele caminha pelas alturas daqueles picos inteligíveis de seus mais sagrados lugares. Então, é quando, livre o espírito, e despojado de tudo o que vê e é visto, penetra (Moisés) nas misteriosas Trevas do não-saber. Ali, renunciando a tudo o que a mente possa conceber, totalmente imerso naquilo que não percebe nem compreende, abandona-se completamente àquilo que está além de todo o ser. Ali, sem pertencer a si mesmo nem a ninguém, renunciando a todo conhecimento, permanece unido pela parte mais nobre do seu ser Àquele que escapa a todo conhecimento. Pela mesma razão que nada sabe, compreende acima de toda inteligência.
II: COMO NOS UNIR E LOUVAR O AUTOR DE TODAS AS COISAS, QUE TUDO TRANSCENDE?
Oxalá também nós possamos penetrar nesta mais que luminosa escuridão! Renunciemos a toda visão e conhecimento para ver e conhecer o invisível e incognoscível: Aquele que está além de toda visão e conhecimento!
Porque esta é a verdadeira visão e o verdadeiro conhecimento: e pelo próprio fato de abandonar tudo o que existe, celebra-se o supraessencial de modo supraessencial. Assim como os escultores que esculpem estátuas, retirando tudo o que, como uma cobertura, impede que a forma oculta seja vista com clareza. Este simples despojamento é suficiente para que se manifeste a oculta e genuína beleza.
Convém, pois, a meu entender, louvar a negação de um modo muito diferente da afirmação. Afirmar é ir juntando coisas a partir dos princípios, descendo pelos meios até chegar aos extremos. A negação, pelo contrário, significa ir retirando desde os últimos extremos e subir aos princípios. Removemos tudo o que nos impede de conhecer claramente o Incognoscível, conhecido apenas através das coisas que o envolvem.
Olhemos, portanto, para aquela supraessencial treva que não nos deixam ver as luzes das coisas.
III: O QUE SE ENTENDE POR TEOLOGIA AFIRMATIVA E TEOLOGIA NEGATIVA
Em minhas “Representações Teológicas” já deixei claro quais são as noções mais típicas da teologia afirmativa (catafática); em que sentido o Bem da natureza divina é Uno e Trino; como se entende Paternidade e Filiação; o que significa a designação divina do Espírito; como essas cordiais luzes do bem brotaram do Bem imaterial e indivisível e como, quando difundidas, permaneceram nele todas, umas nas outras desde o seu coeterno fundamento. Falei de Jesus, que, sendo supraessencial, revestiu-se substancialmente da verdadeira natureza humana. Em “Representações Teológicas” também elogiei outros mistérios segundo as Sagradas Escrituras.
No “Tratado sobre os Nomes de Deus” expliquei em que sentido dizemos que Deus é o Bem, Ser, Vida, Sabedoria, Poder e tudo o que pode convir à natureza espiritual de Deus. Em “Teologia Simbólica” tratei das analogias que os seres que observamos podem ter com Deus. Falei de coisas sensíveis em relação a Ele, de formas e figuras, de ministros, lugares sagrados e ornamentos; do que significam raiva, tristeza e ressentimento; do sentido que as palavras de embriaguez e entusiasmo, juramentos, maldições, sonhos e vigílias têm Nele. E de outras imagens com as quais representamos a Deus. Suponho que terás notado como os últimos livros são mais longos que os primeiros, pois não era conveniente que as “Representações Teológicas” e o “Tratado sobre os Nomes de Deus” fossem tão amplos quanto a “Teologia Simbólica”. O fato é que quanto mais alto voamos, menos palavras precisamos, porque o inteligível se apresenta cada vez mais simplificado. Portanto, agora, na medida em que adentáramos naquela treva que está para além da inteligência, chegamos a ficarmos não apenas sem palavras, mas ainda mais, em perfeito silêncio e sem pensar em nada.
Naqueles escritos, o discurso procedia do mais alto para o mais baixo. Ao longo desse sendeiro descendente, o fluxo de ideias aumentava, multiplicando-se a cada passo. Mas agora que escalamos do nível mais baixo ao cume, quanto mais alto subimos, mais escassas se tornam as palavras. Ao chegar ao topo, reina um total silêncio. Estamos por completo unidos ao Inefável.
É possível que te surpreendas ao saber que, começando do mais alto, por meio da afirmação, começamos agora do mais baixo pela via da negação. A razão é esta: quando afirmamos algo acerca Daquele a quem nenhuma afirmação alcança, precisamos basear nossas afirmações naquilo que está próximo a Ele. Mas agora, ao falar pela via da negação Daquele que transcende toda negação, começamos por negar-lhe as qualidades que lhe sejam mais afastadas. Não é verdade que está mais de acordo com a realidade afirmar que Deus é vida e bem do que ar ou pedra? Não é verdade que Deus está mais distante de ser embriaguez e raiva do que ser nomeado e compreendido? E, neste sentido, é diferente dizer que Deus não é “embriaguez ou raiva” a dizer que Deus não é “palavra ou pensamento” nossos. Mas, fundamentalmente coincidem nele “não” em relação a Deus. Portanto, este é o caminho mais direto, simples e seguro para chegar a Deus ou ao cume, o caminho de proficientes ou perfeitos, a Teologia mística.
IV: QUE NÃO É NADA SENSÍVEL A CAUSA TRANSCENDENTE À REALIDADE SENSÍVEL
Dizemos, então, que a Causa universal está acima de todo criado. Não lhe falta essência, nem vida, nem razão, nem inteligência. Não tem corpo, nem forma, nem qualidade, nem quantidade, nem peso. Não está em lugar nenhum. Nem a visão nem o tato o percebem. Nem a sentem nem a alcançam os sentidos. Não sofre desordem ou perturbação por causa das paixões terrenas. Que os acontecimentos sensíveis não a escravizam nem a reduzem à impotência. Não necessita de luz. Não sofre mutação, corrupção ou decadência. Não se lhe acrescenta ser nem coisa alguma que caia no domínio dos sentidos.
V: QUE A CAUSA SUPREMA DE TODO INTELIGÍVEL NÃO É INTELIGÍVEL
Em escala ascendente acrescentamos agora que esta Causa não é alma nem inteligência; Ele não tem imaginação, nem expressão, nem razão, nem inteligência. Não é palavra por si só nem tão pouco entendimento. Não podemos falar sobre ela ou entendê-la. Não é número nem ordem, nem magnitude nem pequenez, nem igualdade, nem semelhança, nem dessemelhança. Não é móvel nem imóvel, nem repousa. Não tem potência nem é poder. Não é luz nem vida nem é vida. Não é substância, nem eternidade, nem tempo. A inteligência não pode compreendê-la, pois não é conhecimento nem verdade. Não é reino, nem sabedoria, nem uno, nem unidade. Não é divindade, nem bondade, nem espírito no sentido em que o entendemos. Não é afiliação ou paternidade ou qualquer coisa que algum de nós saibamos. Não é nenhuma das coisas que são nem das que não são. Ninguém o conhece tal como é, nem a Causa conhece ninguém enquanto ser. Não tem razão, nem nome, nem conhecimento. Não é trevas nem luz, nem erro nem verdade. Absolutamente nada pode ser afirmado ou negado sobre ela.
Quando negamos ou afirmamos algo de coisas inferiores à Causa suprema, nada acrescentamos nem retiramos nada. Porque toda afirmação permanece mais aquém da causa única e perfeita de todas as coisas, pois toda negação permanece mais aquém da transcendência daquele que está simplesmente despojado de tudo e se situa para além de tudo.
FONTE: Obras completas, Madrid, B. A. C., 1990, edición a cargo de Teodoro H. Martín.
Obs.: Existem várias versões deste tratado, incluindo a de Dionísio, o Areopagita.