Uma visão ortodoxa do primado papal

Equívocos e Primazia na Pentarquia Ortodoxa

Ao abordar a concepção ortodoxa da Pentarquia, é preciso evitar dois equívocos comuns. Primeiramente, o sistema de patriarcas e metropolitanos refere-se à organização eclesiástica. No entanto, se analisarmos a Igreja não sob a ótica da ordem administrativa, mas sob o direito divino, é necessário afirmar que todos os bispos são essencialmente iguais — independentemente da importância da cidade que governam.

Todos os bispos participam igualmente da sucessão apostólica, possuem os mesmos poderes sacramentais e são mestres da fé por designação divina. Em disputas doutrinárias, não basta que os patriarcas expressem suas opiniões: todos os bispos têm o direito de participar de um Concílio Ecumênico, com voz e voto. A Pentarquia, portanto, não anula a igualdade essencial entre os bispos nem diminui a importância das comunidades locais, como já destacara Santo Inácio.

Em segundo lugar, os ortodoxos reconhecem que, entre os cinco patriarcas, o Papa ocupa uma posição de destaque. A Igreja Ortodoxa rejeita a doutrina da autoridade papal promulgada pelo Concílio Vaticano (1870) e mantida pela Igreja Católica Romana. Contudo, não nega à Santa Sé Apostólica de Roma uma primazia de honra, bem como o direito — sob certas condições — de intervir em questões que transcendam as fronteiras locais. É crucial ressaltar que se trata de primazia, não de supremacia. Para os ortodoxos, o Papa é o bispo que “preside no amor”, conforme adaptado de uma expressão de Santo Inácio. O erro de Roma, na visão ortodoxa, foi transformar essa “presidência de amor” em uma supremacia jurisdicional imposta pela força.

As origens da primazia romana
A posição singular de Roma decorre de três fatores:

  1. Fundação apostólica: Roma foi o local do martírio de São Pedro e São Paulo, e Pedro foi seu primeiro bispo. A Igreja Ortodoxa reconhece Pedro como o “primeiro entre os apóstolos” e valoriza os “textos petrinos” (Mt 16:18-19; Lc 22:32; Jo 21:15-17), embora os interprete diferentemente dos católicos romanos. Embora muitos teólogos ortodoxos sustentem que todos os bispos são sucessores de Pedro, alguns admitem que o Bispo de Roma o é de modo especial.

  2. Centralidade política: Roma era a capital do Império, o centro do mundo antigo, e manteve parte desse prestígio mesmo após a ascensão de Constantinopla.

  3. Fidelidade doutrinária: Embora houvesse papas que caíssem em heresia, a Sé Romana destacou-se nos primeiros oito séculos pela firmeza na fé. Enquanto outros patriarcados vacilavam em controvérsias doutrinárias, Roma geralmente permanecia ortodoxa.

Primazia sem supremacia

A Igreja pentárquica dos primeiros milênios, em suas lutas contra as heresias, confiava no Papa como aliado. No entanto, isso não significa que apenas o Bispo de Roma fosse um mestre da fé: todos os bispos o são por vocação divina. A primazia de Roma surgiu historicamente por sua fidelidade à verdade, tornando-a uma referência nos primeiros séculos. Todavia, assim como com os demais patriarcas, essa primazia não suplanta a igualdade essencial dos bispos. O Papa é o primeiro entre iguais — primus inter pares.

Como corolário, o 34º Cânon Apostólico estabelece:
“Os bispos de cada nação devem reconhecer o primaz e tê-lo como líder, sem agir além de sua autoridade ou sem seu consentimento. Cada um deve cuidar de sua diocese e das regiões sob sua jurisdição. Por outro lado, o primaz nada deve decidir sem o acordo de todos, pois assim se preserva a concórdia.”

Abençoado seja Deus o Senhor, Pai, Filho e Espírito Santo.