Primado e Igreja Latina
Para os romano-católicos de rito latino, cujos números mais recentes indicam corresponderem à esmagadora maioria (em quase 1 bilhão de católicos romanos, apenas pouco mais de 10 milhões pertencem aos ritos orientais), teoricamente tem sido mais fácil admitir o tríplice múnus do Romano Pontífice, a saber, Bispo de Roma, Patriarca do Ocidente e Sumo Pontífice de toda a igreja cristã. Isto porque as diferenças entre o Romano Pontífice enquanto Patriarca dos Latinos e Papa de todo o Orbe cristão restam obscurecidas e até mesmo confusas na prática. Para o simples fiel romano-católico, tal diferença inexiste e raramente se conhece entre o laicato esse conceito de patriarca.
Ademais, tanto na era da unidade protomilenar como nos séculos ulteriores, o papa latino sempre fora a única referência patriarcal (e ainda o é) para todo o Ocidente Europeu e demais países cristianizados por Roma, não se estabelecendo – como no Oriente cristão – novos patriarcados “sui iuris” (de direito próprio) ou “motu proprio” (espontaneamente, mas com aprovação eclesiástica dos demais patriarcados e segundo as necessidades da igreja).
Ocorre, contudo, que a maioria das medidas que o Romano Pontífice toma em seu dia-a-dia ele o faz enquanto Patriarca do Ocidente. A não ser em raríssimos casos de resoluções ex-catedra, o Papa fala para a igreja toda. Mas para o fiel latino – de um modo geral – é tudo a mesma coisa e, na prática, existe apenas o Bispo de Roma, que é Papa da Igreja de Cristo inteira, gozando de primazia jurisdicional bem como infalibilidade doutrinária e moral quando se pronuncia “ex-catedra”, ou seja, na qualidade de Sucessor do Apóstolo Pedro no governo de toda a igreja cristã. Ora, e como ficam os demais irmãos Patriarcas (Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém, para mencionar apenas os Pentarcas) no pensamento do cristão de rito latino (romano), uma vez que sua própria igreja (Romano-Católica) parece ter suprimido na prática o antiqüíssimo conceito de comunhão patriarcal ??? Para ele, fiel católico-romano de rito latino, os demais patriarcas seriam apenas bispos comuns e, no máximo, detentores de um título honorífico, como acontece em algumas dioceses do Ocidente (Veneza, Milão, Lião e Lisboa, para mencionar algumas). Daí porque a equivocada visão daqueles como bispos cismáticos, os quais – segundo o catolicismo romano – se isolaram da unidade em termos papais.
Ora, mas a própria história aí está para desfazer essa tremenda confusão: o Bispo de Roma, o qual reivindica para si o comando absoluto sobre toda a igreja, é um dos cinco patriarcas do regime pentárquico que vigorou na igreja una e indivisa protomilenar e ainda vigora hoje entre os cristãos do leste (ortodoxos), mesmo com a multiplicidade de Patriarcas em razão do reconhecimento de várias Igrejas Autocéfalas pela “tetrarquia” (igual a pentarquia menos o Bispo de Roma, separado desde o século XI, oficialmente). Os católicos de rito oriental, por serem minoria ante o vultoso número de fiéis latinos, acabam diluídos no contexto da grande igreja (latina) e só eles próprios conhecem suas peculiaridades no que tange a rito e hierarquia, a qual, mesmo possuindo patriarca (como entre os melquitas católicos, por exemplo), fica este último totalmente sob o jugo papal romano.
Destarte, para uma reaproximação entre católicos e ortodoxos, urge ao Ocidente restaurar o conceito de Patriarca aplicado ao próprio Papa Romano, Bispo de Roma, “servo dos servos dos sacerdotes de Deus”, como se intitulara o eminente São Gregório Magno (Século VI), venerado por ambas as Igrejas-irmãs.
Outra prova histórica de toda a situação já acima observada é o fato de as sés episcopais do Oriente, na época da união protomilenar – e não poucas vezes com espírito de rivalidade entre si -, solicitarem o arbítrio de Roma em suas posições teológicas, com aquelas que tinham seu ponto de vista derrotado negando então ao Papa Romano autoridade para decidir e exigindo a declaração de concílio ecumênico. Ao mesmo tempo que o Oriente reconhecia a precedência honorífica da Santa Sé Petrina, recorrendo a ela em caso de dúvida quanto à fé tradicional, de outra banda jamais admitiu abrir mão da necessária colegialidade na condução moral e doutrinária da igreja, bem assim de seus desígnios, em favor de um governo eclesiástico monárquico, centrado no Romano Pontífice. O primado do Bispo de Roma não era, em geral, contestado pelo Oriente, mas a sua autoridade espiritual chocava-se com a dos Patriarcas orientais. E uma vez mais, ainda na seara dos católicos de rito latino, a centralização em torno do Bispo de Roma não conseguiu evitar a Reforma Protestante e a separação da Igreja da Inglaterra em meados do Século XVI, bem como a dos Velhos Católicos no Século XIX e até mesmo dos Ultraconservadores Lefevrianos mais recentemente, após o Concílio Vaticano II (1962-1965). Lembremo-nos, por oportuno, de que a grande igreja anglo-católica legou ao cristianismo universal santos como Agostinho de Cantuária e Thomas Becket, este último um autêntico mártir da fé católica e apostólica.
Referências Bibliográficas
O Império Bizantino (Hilário Franco Júnior e Ruy de Oliveira Andrade Filho);
História da Igreja Católica (Pierre Pierrard); e vários textos de Roberto Khatlab, estudioso melquita das Igrejas Orientais Católicas e Ortodoxas.