DECLARAÇÕES CONJUNTAS
Conteúdo:
- Declaração comum do Papa João Paulo II e do Patriarca ecumênico Bartolomeu
- Declaração conjunta do Papa Bento XVI e do Patriarca Ecumênico Bartolomeu
- Declaração Conjunta do Papa Bento XVI e de Sua Beatitude Christodoulos.
- Declaração Conjunta do Papa Bento XVI e do Arcebispo Ortodoxo Chrysostomos II
- Discurso do Papa Bento XVI à Sua Beatitude Crisóstomo II, arcebispo de Nova Justiniana e de todo Chipre
- Discurso de Sua Beatitude Crisóstomo II, arcebispo de Nova Justiniana e de todo Chipre ao Papa Bento XVI
- Declaração Conjunta do Papa Francisco e do Patriarca Ecumênico Bartolomeu I
- Declaração conjunta do Papa Paulo VI e do Patriarca Atenágoras de Constantinopla.
- Jerusalém – Entrevista de 5 de Janeiro de 1964.
Declaração comum do Papa João Paulo II e do Patriarca ecumênico Bartolomeu I
CIDADE DO VATICANO, quinta-feira, 1º de julho de 2004
«Declaração comum» firmada por João Paulo II e o Patriarca ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I, ao final de sua visita a Roma.
«Sede vigilantes, permanecei firmes na fé, sede corajosos, sede fortes; e o vosso preceder seja todo inspirado no amor» (1 Cor 16, 13-14).
- No espírito de fé em Cristo e de caridade recíproca que nos une damos graças a Deus pelo dom deste novo encontro, que acontece na festa dos santos apóstolos Pedro e Paulo, testemunhando a firme vontade de continuar o caminho para a plena comunhão entre nós em Cristo.
- Foram muitos os passos positivos que marcaram nosso caminho em comum, sobretudo começando pelo acontecimento histórico que hoje recordamos: o abraço entre o Papa Paulo VI e o patriarca Atenágoras I em Jerusalém, no Monte das Oliveiras, em 5 e 6 de janeiro de 1964. Hoje, nós, seus sucessores, voltamos a nos encontrar para comemorar dignamente ante Deus, na fidelidade da recordação e das intenções originais, aquele abençoado encontro que passou a fazer parte da Igreja.
- O abraço de nossos respectivos predecessores de venerada memória em Jerusalém expressava visivelmente uma esperança presente no coração de todos, como explicava o comunicado: «Com os olhos postos em Cristo, arquétipo e autor, com o Pai, da unidade e da paz, pedem a Deus que este encontro seja sinal e prelúdio do mundo futuro para a glória de Deus e para a iluminação de nosso povo fiel. Depois de tantos séculos de silêncio, agora se encontraram com o desejo de realizar a vontade do Senhor e de proclamar a antiga verdade de seu Evangelho confiado à Igreja (comunicado comum do Papa Paulo VI e do Patriarca Atenágoras I, «Tomos Agapis» – Vaticano – Fanar, 1971, n. 50, p. 120).
- Unidade e paz! A esperança acesa por aquele encontro iluminou o caminho destas últimas décadas. Conscientes de que o mundo cristão sofre há séculos o drama da separação, nossos predecessores e nós mesmos continuamos com perseverança o «diálogo da caridade», com o olhar posto naquele dia luminoso e abençoado em que será possível comungar no mesmo cálice o Santo Corpo e o precioso Sangue do Senhor (Cf. Alocução do Patriarca Atenágoras ao Papa Paulo VI, 5 de janeiro de 1964, ibidem, n. 48 p. 109). Os numerosos acontecimentos eclesiais que permearam estes últimos quarenta anos deram fundamento e consistência ao compromisso da caridade fraterna: a caridade que, tirando lições do passado, esteja disposta a perdoar, a crer mais no bem que no mal, orientada a conformar-se antes de tudo com o divino Redentor e a deixar-se atrair e transformar por Ele (Cf. Alocução do Papa Paulo VI ao Patriarca Atenágoras, 6 de janeiro de 1964, ibidem, n. 49, p. 117).
- Agradecemos ao Senhor por estes gestos exemplares de caridade recíproca, de capacidades para compartilhar, entre os quais é um dever recordar a visita do Patriarca ecumênico Dimitrios em 1979, quando, na sede de Fanar, anunciou-se a criação de uma Comissão mista internacional para o diálogo teológico entre Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa em seu conjunto, novo passo para apoiar o «diálogo da caridade» com o «diálogo da verdade»; a visita do Patriarca Dimitrios a Roma, em 1987; nosso encontro em Roma, na festa dos santos Pedro e Paulo em 1995, quando rezamos em São Pedro, ainda que separando-nos dolorosamente durante a celebração da Liturgia eucarística, pois não podemos ainda beber do mesmo cálice do Senhor. Depois, mais recentemente, o encontro de Assis com motivo da Jornada de oração pela paz no mundo e a declaração comum pela salvaguarda da criação, firmada em 2002.
- Apesar de nossa firme vontade de continuar pelo caminho para a comunhão plena, seria irrealista não esperar obstáculos: doutrinais antes de tudo, mas também derivados dos condicionamentos de uma história difícil. Também, novos problemas surgidos das profundas mudanças ocorridas na confrontação político-social europeia tiveram consequências nas relações entre as Igrejas cristãs. Com o regresso à liberdade dos cristãos na Europa Central e Oriental, despertaram também antigos temores, fazendo difícil o diálogo. Deve ressoar sempre dentro de nós e entre nós a exortação de São Paulo aos Coríntios: que entre vós tudo se faça com amor.
- A Comissão mista internacional para o diálogo teológico entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa em seu conjunto, que começou com tanta esperança, nos últimos anos perdeu o ritmo. Contudo, pode ser ainda um instrumento idôneo para estudar os problemas eclesiológicos e históricos que se encontram na base de nossas dificuldades e para encontrar hipóteses de solução. Temos o dever de continuar com o compromisso decidido de reativar seu trabalho o quanto antes. Ao constatar as recíprocas iniciativas neste sentido das sedes de Roma e de Constantinopla, dirigimo-nos ao Senhor para que apóie nossa vontade e convença a todos de que é indispensável continuar com o «diálogo da verdade».
- Nosso encontro em Roma de hoje permite-nos também enfrentar fraternalmente alguns problemas e mal-entendidos que surgiram recentemente. A longa prática do «diálogo da caridade» ajuda-nos precisamente nestas circunstâncias, para que as dificuldades possam ser enfrentadas com serenidade e não detenham ou obscureçam o caminho empreendido para a plena comunhão em Cristo.
- Ante um mundo que sofre todo tipo de divisões e desequilíbrios, o encontro de hoje quer recordar de maneira concreta e com força a importância de que os cristãos e as Igrejas vivam entre si em paz e harmonia, para testemunhar na concórdia a mensagem do Evangelho de uma posição mais confiável e convincente.
- No contexto particular da Europa, no caminho para formas mais elevadas de integração e de ampliação para o leste do continente, damos graças ao Senhor por este positivo desenvolvimento e expressamos a esperança de que nesta nova situação cresça a colaboração entre católicos e ortodoxos. São muitos os desafios que temos de enfrentar juntos para contribuir ao bem da sociedade: curar com amor a praga do terrorismo, infundir esperança de paz, contribuir a curar tantos conflitos dolorosos, restituir ao continente europeu a consciência de suas raízes cristãs; construir um autêntico diálogo com o Islã, pois da indiferença e da recíproca ignorância só pode nascer desconfiança e inclusive ódio; apoiar a consciência do caráter sagrado da vida humana; atuar para que a ciência não negue a chama divina que todo homem recebe com o dom da vida; colaborar para que nossa terra não fique desfigurada e a criação possa conservar a beleza que Deus lhe deu; mas, sobretudo, anunciar com renovado vigor a mensagem evangélica, mostrando ao homem contemporâneo como o Evangelho lhe ajuda a reencontrar-se consigo e a construir um mundo mais humano.
- Peçamos ao Senhor que dê paz à Igreja e ao mundo e que vivifique com a sabedoria de seu Espírito nosso caminho para a comunhão plena, «ut unum in Christo simus».
FONTE: www.zenit.org
«Declaração conjunta do Papa Bento XVI e do Patriarca Ecumênico Bartolomeu»
Publicamos o texto da Declaração comum firmada nesta quinta-feira pelo Papa Bento XVI e pelo Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I, ao final da Divina Liturgia, na igreja patriarcal de São Jorge, em Fanar (Istambul).
ISTAMBUL, quinta-feira, 30 de novembro de 2006
«Este é o dia que o Senhor fez para nós, alegremo-nos e exultemos nele» (Sl 117, 24)
A fraternal reunião que tivemos, o Papa de Roma Bento XVI e o Patriarca Ecumênico Bartolomeu I, é uma obra de Deus e de algum modo um dom que d’Aquele procede. Agradecemos a Quem concede todos os dons, Quem nos permitiu novamente expressar em oração e com o diálogo nossa alegria de nos sentirmos irmãos e de renovar nosso compromisso na perspectiva da plena comunhão. Este compromisso provém da vontade de nosso Senhor e de nossa responsabilidade como pastores na Igreja de Cristo. Nossa reunião quer ser sinal e apoio para todos, a fim de que compartilhemos os mesmos sentimentos e as mesmas disposições de fraternidade, cooperação e comunhão no Amor e na Verdade. O Espírito Santo há de conduzir-nos à preparação do grande dia da reconstituição da unidade plena, quando e como Deus quiser. Então poderemos alegrar-nos e regozijar-nos plenamente.
- Recordamos com gratidão as reuniões de nossos respeitáveis predecessores, abençoados por Deus, os quais mostraram ao mundo a urgência da união e marcaram o caminho a fim de que cheguemos a ele através do diálogo, da oração e da vida eclesiástica cotidiana. O Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras I, peregrinos em Jerusalém, onde Jesus morreu e ressuscitou para a salvação do mundo, reuniram-se desde então novamente, aqui no Fanar e em Roma. Eles nos legaram uma declaração comum, a qual conserva todo seu valor, remarcando que o verdadeiro diálogo de amor deve apoiar e inspirar todas as relações entre as pessoas e entre estas Igrejas, «deve ser baseado na plena confiança no único Senhor Jesus Cristo no mútuo respeito das respectivas tradições» (Tomo de Amor, 195). De forma alguma esquecemos o intercâmbio de visitas entre Sua Santidade o Papa João Paulo II e sua Santidade Demétrio. Exatamente durante a visita do Papa João Paulo II, sua primeira visita ecumênica, foi anunciada a formação da comissão mista do diálogo teológico entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa. Naquela participaram nossas Igrejas seguindo o proclamado objetivo da reconstituição da plena comunhão.
Pelo que diz respeito às relações entre as igrejas de Roma e Constantinopla, não podemos esquecer-nos da práxis oficial, através da qual foram entregues ao esquecimento os antigos anátemas, os quais influenciavam as relações de nossas Igrejas através dos séculos de maneira negativa. Não aproveitamos ainda desta Práxis todas as consequências positivas, as quais podem resultar desta para nossa direção rumo à plena unidade, para a qual é chamada a comissão mista, a fim de que ofereçam uma importante contribuição. Incitamos a nossos fiéis a que se comprometam em um papel ativo neste processo através da oração e das ações importantes.
- Durante a reunião plenária da Comissão Mista do diálogo teológico, a qual aconteceu em Belgrado recentemente, e a qual gozou da generosa hospitalidade da Igreja Ortodoxa da Sérvia, expressamos nossa profunda alegria pelo reinício do diálogo teológico. Depois de uma interrupção de alguns anos devida a diversas dificuldades, a Comissão pôde trabalhar novamente em espírito de amizade e de cooperação. Examinando o tema «Sinodalidade e Autoridade na Igreja» em dimensão local, periférica e ecumênica, assumiu uma fase de estudo das consequências eclesiológicas e canônicas da natureza do mistério da Igreja. Esta fase há de permitir que sejam estudadas algumas das questões básicas que ainda são matéria de dúvida. Estamos decididos a apoiar permanente e continuamente, como no passado, o trabalho encomendando a esta Comissão e a acompanhar a seus membros com nossas orações.
- Como pastores, pensamos em primeiro lugar na missão da proclamação do Evangelho no mundo moderno. Esta missão, «Ide, pois, e fazei discípulo a todos os povos» (Mateus 28, 19), é mais que nunca atual e necessária, ainda nas nações tradicionalmente cristãs. Tampouco podemos ignorar a exaltação da secularização, da relatividade e do niilismo, sobretudo no mundo ocidental. Tudo isto exige uma renovada e potente projeção do Evangelho, adequada às tendências culturais modernas. Nossas tradições constituem para nós uma herança, a qual devemos compartilhar, promover e manter atual constantemente. Por isso devemos fortalecer a cooperação e nosso comum testemunho para com todas as nações.
- Consideramos positivamente a direção da formação da União Europeia. Os precursores desta grande iniciativa não hão de omitir levar em conta todos os pontos de vista, os quais se referem à pessoa humana e a seus direitos inalienáveis, especialmente a liberdade religiosa, que é prova e garantia do respeito de qualquer outra liberdade. Em cada iniciativa de união é necessário que se protejam as minorias com suas próprias tradições culturais e suas particularidades religiosas. Na Europa, mantendo-se sempre abertos para com as outras religiões e para com suas contribuições à cultura, devem unir seus esforços para proteger as raízes cristãs, suas tradições e seus valores, a fim de que asseguremos o respeito da história e contribuamos também com a cultura da futura Europa, para a qualidade das relações humanas em todos os níveis. Neste contexto, como podemos não nos referir aos muito antigos testemunhos e à brilhante herança cristã do lugar no qual nos encontramos, começando pelas palavras do livro dos atos dos apóstolos, que recordam a figura de São Paulo, apóstolo das nações? Neste lugar se encontraram a mensagem do Evangelho e a antiga tradição cultural. Este vínculo, o qual tanto contribuiu em nossa comum herança cristã, se conserva atual e há de outorgar no futuro outros frutos para a promoção do Evangelho e para nossa união.
- Nossos olhares se voltam para os lugares do mundo de hoje, nos quais vivem cristãos, e para as dificuldades que eles enfrentam, concretamente a fome, as guerras, o terrorismo, mas também para as diversas formas de exploração dos pobres, dos imigrantes, das mulheres e das crianças. Católicos e ortodoxos são chamados a assumir ações concretas conjuntamente a favor do respeito pelos direitos humanos de todo homem criado à imagem e semelhança de Deus, e de seu desenvolvimento econômico, social e político. Nossas tradições teológicas e morais podem oferecer uma base sólida de comum ensinamento e ação. Desejamos antes que nada proclamar que o crime de inocentes em nome de Deus é uma ofensa contra Aquele e contra a dignidade humana. Devemos comprometer-nos todos em um novo serviço ao homem e para proteger a vida humana, toda vida humana.
Temos profundamente em nosso coração a paz no Oriente Médio, onde nosso Senhor viveu, sofreu, morreu e ressuscitou, e onde vivem há muitos séculos muitos irmãos cristãos. Desejamos fervorosamente a reconstrução da paz nesta terra, a amplificação da admirável coexistência entre suas diversas populações, entre as Igrejas, e entre as diferentes religiões que lá se encontram. Por este motivo, apoiamos o desenvolvimento de relações mais próximas entre os cristãos e de um diálogo inter-religioso autêntico e oficial, sobre a perspectiva de uma luta contra todo tipo de violência e distinções.
- Hoje, ante os grandes perigos para o Meio Ambiente, queremos também expressar nossa preocupação pelas consequências negativas para a humanidade e para toda a criação que podem produzir-se por um determinado desenvolvimento tecnológico e econômico sem limites. Como líderes eclesiásticos, consideramos nossa obrigação apoiar e animar todos os esforços que se realizaram e se realizam para a proteção da criação de Deus e para a entrega às novas gerações de um mundo no qual possam viver.
- Finalmente, nosso pensamento se dirige a todos vós, fiéis de ambas as Igrejas presentes em todo o mundo, bispos, presbíteros, diáconos, monges e monjas, homens leigos e mulheres, comprometidos com qualquer serviço eclesiástico, e a todos os batizados. Saudamos em Cristo a todos os demais cristãos, assegurando-lhes nossa oração e nossa boa disposição para o diálogo e a cooperação. Saudamos a todos vós através das palavras do Apóstolo das nações: «Graça e paz a vós da parte de Deus, nosso Pai, e de nosso Senhor Jesus Cristo» (II Cor 1, 2).
Fanar, 30 de Novembro de 2006
† BARTOLOMEU
† BENEDICTO XVI
FONTE: Zenit.org
«Declaração Conjunta do Papa Bento XVI e de Sua Beatitude Christodoulos»
- Nós, Bento XVI, Papa e Bispo de Roma, e Christodoulos, Arcebispo de Atenas e de toda a Grécia, neste lugar sagrado de Roma, tornado ilustre pela pregação evangélica e pelo martírio dos Apóstolos Pedro e Paulo, desejamos viver cada vez mais intensamente a nossa missão de dar um testemunho apostólico, de transmitir a fé aos que estão próximos e a quantos estão distantes e anunciar-lhes a Boa Nova do nascimento do Salvador, que vamos celebrar, uns e outros, proximamente. É também nossa comum responsabilidade superar, no amor e na verdade, as numerosas dificuldades e as experiências dolorosas do passado, para glória de Deus, Trindade Santa, e da sua santa Igreja.
- O nosso encontro na caridade torna-nos em primeiro lugar conscientes da nossa tarefa comum: percorrer juntos o caminho árduo do diálogo na verdade em vista de restabelecer a plena comunhão de fé no vínculo do amor. Desta forma obedeceremos ao mandamento divino e realizaremos a oração de nosso Senhor Jesus Cristo e, iluminados pelo Espírito Santo que acompanha e nunca abandona a Igreja de Cristo, prosseguiremos o nosso compromisso neste caminho, seguindo o exemplo apostólico e dando provas de amor recíproco e de espírito de reconciliação.
- Reconhecemos os passos importantes realizados no diálogo da caridade e pelas decisões do Concílio Vaticano II em matéria de relações recíprocas. Por outras palavras, esperamos que o diálogo teológico bilateral faça frutificar estes elementos positivos para formular propostas aceitáveis de ambas as partes num espírito de reconciliação, a exemplo do nosso ilustre Padre da Igreja, São Basílio o Grande, que, durante um período de múltiplas divisões do corpo eclesial, dizia estar persuadido de “que com a comunicação recíproca mais duradoura e os diálogos sem espírito de contenda, e se necessário que sejam acrescentados novos esclarecimentos, o Senhor providenciará, ele que faz cooperar todas as coisas para o bem de quantos o amam” (Carta 113).
- Afirmamos unanimemente a necessidade de perseverar no caminho de um diálogo teológico construtivo. Pois, não obstante as dificuldades verificadas, este caminho é uma das vias fundamentais de que dispomos para restabelecer a unidade tão desejada do corpo eclesial à volta do altar do Senhor, assim como para fortalecer a credibilidade da mensagem cristã num período de perturbações nas sociedades, que vivemos, mas também de grandes buscas espirituais, num grande número dos nossos contemporâneos, que estão também apreensivos perante a globalização crescente, que por vezes ameaça o homem, até na sua existência e na sua relação com Deus e com o mundo.
- De modo muito especial, renovamos solenemente o nosso desejo de anunciar ao mundo o Evangelho de Jesus Cristo, e sobretudo às novas gerações, porque “o amor de Cristo nos constrange” (2 Cor 5, 14), de lhes fazer descobrir o Senhor que veio ao nosso mundo para que todos tenham vida, e a tenham em abundância. Isto é particularmente importante nas nossas sociedades nas quais numerosas correntes de pensamento afastam de Deus e não dão sentido à existência. Desejamos anunciar o Evangelho de graça e de amor para que todos os homens estejam, também eles, em comunicação com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo e para que a sua alegria seja perfeita.
- Pensamos que as religiões têm um papel a desempenhar para garantir a irradiação da paz no mundo e que elas não devem ser absolutamente focos de intolerância nem de violência. Como chefes religiosos cristãos, exortamos juntos todos os chefes religiosos a prosseguir e a incrementar o diálogo inter-religioso, e a trabalhar para criar uma sociedade de paz e de fraternidade entre as pessoas e entre os povos. Esta é uma das missões das religiões. É neste sentido que os cristãos trabalham e desejam continuar a sua ação no mundo, com todos os homens e mulheres de boa vontade, num espírito de solidariedade e de fraternidade.
- Queremos prestar homenagem ao impressionante progresso realizado em todos os âmbitos da ciência, sobretudo no que diz respeito ao homem, convidando, todavia, os Responsáveis e os cientistas ao respeito do carácter sagrado da pessoa humana e da sua dignidade, porque a vida é um dom divino. Preocupa-nos ver que as ciências praticam experiências sobre o ser humano, que não respeitam nem a dignidade nem a integridade da pessoa em todas as etapas da sua existência, desde a concepção até ao seu termo natural.
- Pedimos igualmente que sejam dadas provas de sensibilidade para proteger mais eficazmente, nos nossos países, na Europa e a nível internacional, os direitos fundamentais do homem, fundados na dignidade da pessoa criada à imagem de Deus.
- Auspiciamos uma colaboração fecunda para fazer redescobrir aos nossos contemporâneos as raízes cristãs do Continente europeu, que forjaram as diferentes nações e contribuíram para o desenvolvimento dos vínculos cada vez mais harmoniosos entre elas. Isto ajudá-los-á a viver e a promover os valores humanos e espirituais fundamentais, quer para as pessoas quer para o progresso das próprias sociedades.
- Reconhecemos os merecimentos dos progressos da tecnologia e da economia para um grande número de sociedades modernas. No entanto, convidamos também os países ricos a dedicar maior atenção aos países em vias de desenvolvimento e aos países mais pobres, num espírito de partilha solidária e reconhecendo que todos os homens são nossos irmãos e que nos compete ajudar os mais pequenos e os mais pobres, que são os amados do Senhor. Neste sentido, é importante também não explorar de maneira abusiva a criação, que é obra de Deus. Fazemos apelo às pessoas que desempenham responsabilidades na sociedade e a todos os homens de boa vontade para que todos se comprometam numa gestão racional e respeitosa da criação, para que seja corretamente administrada, com preocupação pela solidariedade, sobretudo em relação aos povos que padecem fome, e para deixar às gerações futuras uma terra verdadeiramente habitável para todos.
- Em virtude das nossas comuns convicções, reafirmamos o nosso desejo de colaborar para o progresso da sociedade, numa cooperação construtiva, ao serviço do homem e dos povos, e dando testemunho da fé e da esperança que nos animam.
- Pensando de modo especial nos fiéis ortodoxos e católicos, nós os saudamos e os confiamos a Cristo Salvador, para que sejam testemunhas infatigáveis do amor de Deus, e elevamos uma fervorosa oração para que o Senhor conceda a todos os homens o dom da paz, na caridade e na unidade da família humana.
Vaticano, 14 de Dezembro de 2006.
† Benedictus PP. XVI
† S. B. Christodoulos
FONTE: © Copyright 2006 – Libreria Editrice Vaticana
Declaração Conjunta do Papa Bento XVI e do Arcebispo Ortodoxo Chrysostomos II
CIDADE DO VATICANO, 25 de junho de 2007
«Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, do alto dos Céus, nos abençoou com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo» (Ef1,3)
- Nós, Bento XVI, Papa e Bispo de Roma, e Chrysostomos II, Arcebispo de Nova Justiniana e de todo Chipre, com alegria damos graças por este encontro fraterno, na fé comum em Cristo ressuscitado, cheios de esperança pelo futuro das relações entre as nossas Igrejas. Esta visita permitiu-nos verificar como cresceram tais relações quer a nível local, quer no âmbito do diálogo teológico entre a Igreja católica e a Igreja ortodoxa no seu conjunto. A este diálogo a Delegação da Igreja de Chipre sempre deu uma contribuição positiva, hospedando, entre outros, em 1983 o Comité de Coordenação da Comissão Mista Internacional para o diálogo teológico, de modo que os Membros católicos e ortodoxos, além de desenvolver o empenhativo trabalho preparatório, pudessem visitar e admirar as grandes riquezas artísticas e espirituais da Igreja de Chipre.
- Na feliz circunstância do nosso encontro fraterno junto dos túmulos dos Santos Pedro e Paulo, os corifeus dos Apóstolos como indica a tradição litúrgica, desejamos declarar de comum acordo a nossa sincera e firme disposição, em obediência à vontade de Nosso Senhor Jesus Cristo, a intensificar a busca da plena unidade entre todos os cristãos, ativando todos os esforços que nos são possíveis e que consideramos úteis para a vida das nossas Comunidades. Desejamos que os fiéis católicos e ortodoxos de Chipre vivam fraternalmente e na plena solidariedade fundada na fé comum em Cristo ressuscitado. Além disso, queremos apoiar e promover o diálogo teológico, que através da competente Comissão Internacional se prepara para enfrentar as questões mais difíceis que marcaram as vicissitudes históricas da divisão. É necessário alcançar um substancial acordo pela plena comunhão na fé, na vida sacramental e no exercício do ministério pastoral. A este propósito garantimos a nossa fervorosa oração de Pastores na Igreja e pedimos aos nossos irmãos que se unam a nós numa coral invocação para que todos sejam um, para que o mundo creia” (Jo 17, 21).
- Considerámos no nosso encontro as conjunturas históricas em que vivem as nossas Igrejas. Em particular, examinámos a situação de divisão e de tensão que caracterizam há mais de um trintênio a Ilha de Chipre, com os trágicos problemas quotidianos que minam também a vida das nossas comunidades e de cada família. Considerámos, mais amplamente, a situação do Médio Oriente, onde a guerra e os contrastes entre os povos correm o risco de expandir-se com consequências desastrosas. Invocámos a paz “que vem do alto”. As nossas Igrejas desejam desenvolver um papel de pacificação na justiça e na solidariedade e, para que tudo isto se realize, é nosso desejo promover as relações fraternas entre todos os cristãos e um diálogo leal entre as diversas religiões presentes e ativas na Região. A fé no único Deus ajude todos os homens destas antigas e ilustres terras a reencontrar uma convivência amigável, no respeito recíproco e numa colaboração construtiva.
- Portanto, dirigimos este apelo a quantos, em toda a parte, no mundo, levantam a mão contra os próprios irmãos, exortando-os com firmeza a depor as armas e a trabalhar para que sejam curadas as feridas causadas pela guerra. Além disso, convidamo-los também a comprometer-se para que os direitos humanos sejam defendidos sempre, em todas as Nações: o respeito do homem, imagem de Deus, é de facto, para todos um dever fundamental. Assim também, entre os direitos humanos a serem tutelados, deve ser incluído como primário o da liberdade de religião. Não o respeitar constitui uma gravíssima ofensa à dignidade do homem, que é ferido no íntimo do coração onde habita Deus. Portanto profanar, destruir e saquear os lugares de culto de qualquer religião, representa um ato contra a humanidade e contra a civilização dos povos.
- Também não deixamos de refletir sobre uma nova oportunidade que se abre para um contacto mais intenso e uma colaboração mais concreta entre as nossas Igrejas. De facto, prossegue a construção da União Europeia, e católicos e ortodoxos são chamados a contribuir para criar um clima de amizade e de cooperação. Num tempo de crescente secularização e de relativismo, católicos e ortodoxos na Europa estão chamados a oferecer um renovado testemunho comum sobre os valores éticos sempre prontos para dizer a razão da sua fé em Jesus Cristo Senhor e Salvador. A União Europeia, que não se pode limitar a uma cooperação meramente económica, necessita de sólidas bases comuns, de partilhadas referências éticas e de abertura à dimensão religiosa. É necessário vivificar as raízes cristãs da Europa, que tornaram grande a sua civilização nos séculos, e reconhecer que a tradição cristã ocidental e a oriental têm, neste sentido, uma tarefa comum importante a desenvolver.
- Portanto, no nosso encontro considerámos o longo caminho histórico das nossas Igrejas e a grande tradição que, partindo do anúncio dos primeiros discípulos que, de Jerusalém, chegaram a Chipre, depois da perseguição contra Estêvão e repercorrendo a viagem de Paulo pelo litoral de Chipre até Roma, como nos narram os Atos dos Apóstolos (At 11, 19; 27, 4ss.), chega aos nossos dias. O rico património de fé e a sólida tradição cristã das nossas terras, devem estimular católicos e ortodoxos a um renovado impulso ao anunciar o Evangelho ao nosso tempo, para sermos fiéis à nossa vocação cristã e responder às exigências do mundo de hoje.
- Causa séria preocupação o modo como são enfrentadas as questões relativas à bioética. Com efeito, há o perigo de que certas técnicas aplicadas à genética, intencionalmente concebidas para fazer frente a necessidades legítimas, de facto minem a dignidade do homem, criado à imagem de Deus. A exploração do ser humano, as experimentações abusivas, as experiências de uma genética que não respeita os valores éticos causam ofensa à vida, atentam contra a incolumidade e dignidade de cada pessoa humana e não podem nem devem ser justificadas ou permitidas em momento algum da sua existência.
- Ao mesmo tempo, estas considerações éticas e a partilhada preocupação pela vida humana levam-nos a convidar aquelas nações que, com a graça de Deus obtiveram significativos progressos no campo da economia e da tecnologia, a não esquecer os seus irmãos que habitam em Países atingidos pela pobreza, pela fome e pelas doenças. Por conseguinte, convidamos os responsáveis das Nações a favorecer e promover uma justa distribuição dos recursos da terra, em espírito de solidariedade com os pobres e com todos os indigentes do mundo.
- De igual modo concordes se revelaram as nossas preocupações pelo risco da destruição da criação. O homem recebeu-a para que com ela possa realizar o desígnio de Deus. Mas, ao erigir-se a si mesmo como centro do universo, esquecendo o mandato do Criador e fechando-se numa busca egoísta do seu próprio bem-estar, o ser humano administrou o ambiente no qual vive fazendo opções que põem em perigo a sua própria existência, enquanto ele exige respeito e tutela da parte de todos os que nele habitam.
- Juntos dirigimos a nossa oração ao Senhor da história, para que fortaleça o testemunho das nossas Igrejas a fim de que o anúncio de salvação do Evangelho alcance as novas gerações e seja luz para todos os homens. Para esta finalidade confiamos os nossos desejos e os nossos compromissos à Theotokos, à Mãe de Deus Odigitria, que indica o caminho para Nosso Senhor Jesus Cristo.
Libreria Editrice Vaticana
Discurso do Papa Bento XVI à Sua Beatitude Crisóstomo II, arcebispo de Nova Justiniana e de todo Chipre
CIDADE DO VATICANO, 16 de junho de 2007
Beatitude e querido Irmão!
É com alegria que o recebo hoje, ouvindo ressoar no coração as palavras do apóstolo Paulo: “Que o Deus da constância e da consolação vos conceda que tenhais uns para com os outros os mesmos sentimentos, segundo Jesus Cristo, para que, com um só coração e uma só voz, glorifiqueis a Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 15, 5-6). A sua visita é um dom do Deus da perseverança e da consolação, de que fala São Paulo dirigindo-se aos que ouviam pela primeira vez em Roma a Mensagem da salvação. Do dom da perseverança façamos hoje experiência dado que, apesar da presença de divisões seculares, de estradas divergentes, e apesar da fadiga de curar feridas dolorosas, o Senhor não cessou de guiar os nossos passos pelo caminho da unidade e da reconciliação. E isto é para todos nós motivo de conforto, porque este nosso encontro de hoje se insere num caminho de busca cada vez mais intensa daquela plena comunhão tão desejada por Cristo: ut omnes unum sint” (cf. Jo17,21).
Sabemos bem como a adesão a este desejo ardente do Senhor não pode e não deve ser proclamada apenas por palavras nem de modo formal. Por isso, Vossa Beatitude, repercorrendo os passos do Apóstolo das Nações, não veio de Chipre a Roma simplesmente para um “gesto de cortesia ecuménica”, mas para reafirmar a firme decisão de perseverar na oração a fim de que o Senhor nos indique como alcançar a plena comunhão. Esta sua visita é ao mesmo tempo motivo de alegria intensa, porque já no nosso encontrarmo-nos é-nos concedido saborear a beleza da desejada plena unidade dos cristãos.
Obrigado, Beatitude, por este gesto de estima e de amizade fraterna. Na sua pessoa saúdo o Pastor de uma Igreja antiga e ilustre, esplendorosa tessela daquele resplandecente mosaico, o Oriente, que, segundo a expressão querida ao Servo de Deus João Paulo II, de venerada memória, constitui um dos pulmões com que a Igreja respira. A Sua agradável presença traz-me à mente a fervorosa pregação de São Paulo em Chipre (cf. At 13, 4 e ss.) e a aventurosa viagem que o levou até Roma, onde anunciou o mesmo Evangelho e selou o seu luminoso testemunho de fé com o martírio. Não nos convida porventura a recordação do Apóstolo das Nações a dirigir com humildade e esperança o coração para Cristo, que é o nosso único Mestre? Com a sua ajuda divina não nos devemos cansar de procurar juntos os caminhos da unidade, superando aquelas dificuldades que no decorrer da história determinaram divisões entre os cristãos e desconfiança recíproca. Que o Senhor nos conceda poder aproximar-nos depressa do mesmo altar para partilhar todos juntos da única mesa do Pão e do Vinho eucarísticos. Ao recebê-lo, querido Irmão no Senhor, gostaria de prestar homenagem à antiga e veneranda Igreja de Chipre, rica de santos, entre os quais me apraz recordar particularmente Barnabé, companheiro e colaborador do apóstolo Paulo, e Epifânio, Bispo de Constança, outrora Salamina, hoje Famagosta. Epifânio, que desempenhou o seu ministério episcopal durante 35 anos num período turbulento para a Igreja por causa da revivescência ariana e das emergentes controvérsias dos “pneumatómacos“, escreveu obras com a clara intenção catequética e apologética, como ele próprio explica no Ancoratus. Este interessante tratado contém dois Símbolos de fé, o Símbolo niceno-constantinopolitano e o Símbolo da tradição baptismal de Constância, correspondente à fé nicena, mas diversamente formulado e ampliado, e “mais adequado realça o próprio Epifânio para combater os erros que surgiam, ainda que conforme àquela [fé] determinada pelos mencionados Padres” do Concílio de Niceia (Ancoratus, n. 119). Nele explica nós afirmamos a fé no “Espírito Santo, Espírito de Deus, Espírito perfeito. Espírito consolador, Incriado, que procede do Pai e assume do Filho, objeto da nossa fé” (ibid.).
Como bom pastor, Epifânio indica ao rebanho que lhe foi confiado por Cristo as verdades que se devem crer, o caminho a ser percorrido e os obstáculos que devem ser evitados. Eis um método válido também hoje para o anúncio do Evangelho, especialmente às novas gerações, muito influenciadas por correntes de pensamento contrárias ao espírito evangélico. A Igreja encontra-se a enfrentar neste início do terceiro milénio desafios e problemáticas não muito diferentes daqueles com que teve que se confrontar o pastor Epifânio. Como então, também hoje é necessário vigiar atentamente para advertir o Povo de Deus em relação aos falsos profetas, aos erros e à superficialidade de propostas não conformes com o ensinamento do Mestre divino, nosso único Salvador. Ao mesmo tempo, é urgente encontrar uma linguagem nova para proclamar a fé que nos irmana, uma linguagem partilhada, uma linguagem espiritual capaz de transmitir fielmente as verdades reveladas, ajudando-nos assim a reconstruir, na verdade e na caridade, a comunhão entre todos os membros do único Corpo de Cristo. Esta necessidade, que todos sentimos, estimula-nos a prosseguir sem desânimos o diálogo teológico entre a Igreja católica e a Igreja ortodoxa no seu conjunto; ela orienta-nos para usar instrumentos válidos e estáveis, para que a busca da comunhão não seja descontínua e ocasional na vida e na missão das nossas Igrejas.
Perante a obra imensa que nos espera e que vai além das capacidades humanas, é necessário confiar-se antes de tudo à oração. Isto não impede que seja obrigatório pôr em prática também hoje todos os meios humanos válidos, que possam contribuir para esta finalidade. Nesta óptica considero a sua visita uma iniciativa muito útil para nos fazer progredir rumo à unidade querida por Cristo. Sabemos que esta unidade é dom e fruto do Espírito Santo; mas sabemos também que ela exige, ao mesmo tempo, um esforço constante, animado por uma vontade certa e por uma esperança inabalável no poder do Senhor. Portanto, obrigado, Beatitude, por ter vindo visitar-me juntamente com os irmãos que o acompanham; obrigado por esta presença que expressa concretamente o desejo de procurar juntos a plena comunhão. Por meu lado garanto-lhe partilhar este mesmo desejo, amparado por uma firme esperança. Sim, “o Deus da perseverança e do conforto nos conceda ter uns para com os outros os mesmos sentimentos a exemplo de Cristo”.
Assim nos dirigimos confiantes ao Senhor, para que conduza os nossos passos pelo caminho da paz, da alegria e do amor.
Discurso de Sua Beatitude Crisóstomo II, arcebispo de Nova Justiniana e de todo Chipre ao Papa Bento XVI:
CIDADE DO VATICANO, 16 de junho de 2007
«A todos os amados de Deus que estais em Roma, chamados à santidade: Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e da do Senhor Jesus Cristo» (Rm 1, 7).
Vossa Santidade Papa da Antiga Roma e Bispo da Cátedra histórica do Beato Apóstolo Pedro!
A graça do Espírito Santo e o nosso dever de Arcebispo Primaz da Santíssima Igreja-mártir do Santo Apóstolo Barnabé para a unidade e a paz entre as nossas Igrejas Apostólicas, trouxeram hoje aqui os nossos passos, juntamente com o nosso reverendo séquito, ao lugar do martírio da nossa santa fé comum, para encontrar Vossa Santidade, aquele entre os Bispos que possui a primazia de honra da Cristandade indivisa, para lhe dar o ósculo fraterno da paz e, após séculos de caminho não fraterno, construir de novo pontes de reconciliação, colaboração e amor!
Trata-se da terceira vez que nos encontramos depois das inesquecíveis exéquias do seu amado predecessor o Papa João Paulo II, de feliz memória, e a jubilosa cerimónia da sua entronização sobre este Trono Apostólico, pelo qual aspira toda a Ecumene Cristã com grandes esperanças aguardando que aquele que o preside, o teólogo sábio, o incansável pastor e o dinâmico leader eclesiástico, realize gestos de diálogo, pacificação, aproximação e amor.
Grande é a importância nesta direção do desenvolvimento do diálogo teológico oficial entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa, ao qual a nossa Igreja Apostólica de Chipre participa com responsabilidade e coerência. Talvez os nossos olhos não possam ver a tão desejada unidade da Igreja, mas com a graça do Espírito Santo faremos também nós o nosso dever no tempo e no espaço como pacificadores e verdadeiros irmãos “ut omnes unum sint”.
Além disso, é nossa convicção pessoal que como o afastamento e o cisma entre as nossas Igrejas-irmãs foi realizado durante a passagem de tantos séculos de acumulados desentendimentos, assim também a sua reunificação e o restabelecimento da confiança recíproca e do verdadeiro amor entre elas terá necessidade de tempo, paciência e sacrifícios, mas que com o sentido da nossa grande responsabilidade assumimos o encargo de levar a termo “em verdade e caridade” sob a guia infalível do Espírito vivificante de Deus.
O nosso encontro de hoje realiza-se de modo fausto na vigília do 35º ano de início das relações diplomáticas oficiais entre a Santa Sé e a República de Chipre. De facto, em 1973, depois do encontro do Etnarca Arcebispo Macário III com o Papa Paulo VI em Castelgandolfo, a representação das duas partes foi confiada respectivamente ao então Arcebispo titular de Mauriana, D. Pio Laghi, Delegado Apostólico em Jerusalém e na Palestina, atualmente Cardeal, e ao então Embaixador em Paris, Sr. Polys Modinòs. Seja-me consentido aqui, Santidade, mencionar o primeiro Embaixador de Chipre junto da Santa Sé residente em Roma, Sua Ex.cia o Sr. Georgios Poulides, o nosso querido amigo e agradecer-lhe de coração a devoção, o respeito e o seu amor à Igreja e a sua obra importante e indispensável.
Durante os últimos decénios depois do Concílio Vaticano II alguns dos nossos teólogos cipriotas, clérigos e leigos, obtiveram estudos post lauream em diversas Universidades Pontifícias com bolsas de estudo do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos. Portanto, desejamos expressar-lhe os nossos agradecimentos e a nossa intenção de oferecer também por nosso lado, como mínimo antidoron de gratidão, bolsas de estudo para cursos de Verão em Chipre a teólogos católicos que estão interessados em aprender de perto o grego moderno juntamente com as riquezas litúrgicas da Igreja Ortodoxa, para que também eles um dia contribuam, por sua vez, para a visão da Igreja unida.
Recentemente, Sua Excelência o Presidente da República de Chipre, Senhor Tassos Papadopoulos afirmou muito agilmente: “Chipre sempre foi Europa, ainda antes da instituição da Europa. Com a sua entrada na U.E. Chipre voltou à sua casa”.
Contudo, esta nossa Casa comum, a Europa, o berço da civilização ocidental, a sede gloriosa do espírito cristão, a mãe dos santos e dos missionários, está a atravessar um período de crise e de desorientação, de ateísmo e de dúvidas, de secularização e de decadência. A sociedade e o homem do nosso tempo têm sede e procura. Tem valores e princípios, tradições e costumes que foram criados na luz do Evangelho e sob a guia sábia dos Padres da Igreja e das outras personalidades eclesiásticas, mas não pode reconhecer a presença de Cristo e a força da sua mensagem soteriológica. Rejeita a importância fundamental das raízes cristãs da Europa: é a hora da Igreja e da nova evangelização, a hora da missão ad intra! Mas sem a colaboração das Igrejas da Europa e sem o nosso comum testemunho cristão certamente poucas coisas podem ter êxito positivo e muitos esforços isolados das diversas Igrejas e Confissões Cristãs são, infelizmente, condenados à falência. O nosso tempo globalizado em vez de influenciar positivamente o europeu cristão convicto, parece recusar o ecumenismo histórico da mensagem cristã e marginalizar a sua dinâmica e a sua eficiência. A secularização, o eudemonismo, a deificação da tecnologia e da ciência ateia desorientam o nosso próximo e levam-no inevitavelmente a um desespero existencial. Ouve-se angustiado o seu grito: “Para quem iremos nós, Senhor?” (Jo 6, 68).
Qual é então a nossa responsabilidade como padres espirituais? Qual é a nossa solicitude espiritual face à nossa juventude? Conseguiremos finalmente proteger a sagrada instituição da família? A sacralidade da pessoa humana, indefesa perante a pesquisa médica, o aborto e a eutanásia? A unicidade da criação de Deus que nos circunda e corre o risco de ser destruída irreparavelmente por nossa causa?
O caminho Ortodoxo passa através da espiritualidade, da ascese, do jejum, do estudo dos textos dos Padres da Igreja inspirados por Deus, do sentido do sagrado e sobretudo da Divina Eucaristia: são estas as nossas armas espirituais e desejamos lutar juntos com a Igreja-irmã de Roma para transformar a sociedade europeia que é antropocêntrica numa sociedade Cristocêntrica, com respeito pelos nossos irmãos das outras religiões, os imigrados, os pobres, os refugiados e os débeis da Terra.
A nossa presença hodierna aqui, Santidade, é um apelo a Vossa Santidade, o Papa proveniente de um país amigo, traumatizado pela divisão por decénios, como o nosso, mas graças a Deus reunificado. Por isso, só Vossa Santidade pode compreender os sentimentos da nossa dor! A nossa Pátria e a Vossa Irmã, a Igreja Apostólica de Chipre, sofre, mas também resiste dignamente com a intercessão dos seus santos e particularmente com a proteção do seu fundador, o beato Apóstolo Barnabé. Direitos humanos são espezinhados, monumentos destruídos, obras do nosso património espiritual tornam-se objeto de comércio internacional e a divisão da última capital europeia, Nicósia, parece perpetuar-se eternamente. Quem ouvirá a nossa justa lamentação e elevará a voz de protesto aos poderosos da Terra que exploram o nome de Cristo, mas permanecem surdos à lei do amor?
Santidade!
Pedimos o seu apoio através da invencível arma da oração fraterna, mas também através do seu grito paterno pela defesa dos direitos imprescritíveis da Antiga e Apostólica Igreja-Irmã de Chipre, esta encruzilhada dos povos, das religiões, das línguas e das civilizações do Mediterrâneo e do Médio Oriente.
Deseja-mo-lo ao nosso lado! Através de nós o Santo Apóstolo Barnabé convida o seu irmão maior, o Beato Apóstolo Pedro, a visitar pela primeira vez a sua humilde casa, a ser nela hospedado, a senti-la como a sua própria casa, a abençoá-la! Esperamos por Vossa Santidade, como Bispo da Sede de Roma que preside à caridade, em Chipre do diálogo, da democracia, da dignidade, da fé, do monaquismo, da hospitalidade, dos monumentos e das obras de arte! Digne-se vir e dê-nos a ocasião de intercambiar a sua fraterna hospitalidade destes maravilhosos dias que vivemos na Cidade Eterna!
Santidade!
Com as intercessões dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, Padroeiros da Diocese de Roma, do Santo Apóstolo Barnabé, Fundador da Igreja de Chipre, e dos Santos Gregos Isapóstolos Cirilo e Metódio, co-Padroeiros da Europa, desejamos-lhe do fundo do coração saúde, longa vida e iluminação do Espírito Santo pelo feliz cumprimento da sua alta missão como Pontífice-construtor de pontes entre os povos, religiões e culturas. “Que o Deus da esperança vos encha plenamente de alegria e de paz na vossa crença, para que abundeis na esperança pela virtude do Espírito Santo” (Rm 15, 13).
FONTE: ZENIT.org
Declaração Conjunta do Papa Francisco e do Patriarca Ecumênico Bartolomeu
ENCONTRO PRIVADO COM O PATRIARCA ECUMÊNICO DE CONSTANTINOPLA
Sede da Delegação Apostólica (Jerusalém)
Domingo, 25 de Maio de 2014
- Como os nossos venerados predecessores Papa Paulo VI e Patriarca Ecumênico Atenágoras, que se encontraram aqui em Jerusalém há cinquenta anos, também nós – Papa Francisco e Patriarca Ecumênico Bartolomeu – decidimos encontrar-nos na Terra Santa, «onde o nosso Redentor comum, Cristo nosso Senhor, viveu, ensinou, morreu, ressuscitou e subiu aos céus, donde enviou o Espírito Santo sobre a Igreja nascente» (Comunicado comum de Papa Paulo VI e Patriarca Atenágoras, publicado depois do seu encontro de 6 de Janeiro de 1964). O nosso encontro – um novo encontro dos Bispos das Igrejas de Roma e Constantinopla fundadas respectivamente por dois Irmãos, os Apóstolos Pedro e André – é fonte de profunda alegria espiritual para nós. O mesmo proporciona uma ocasião providencial para refletir sobre a profundidade e a autenticidade dos vínculos existentes entre nós, vínculos esses fruto de um caminho cheio de graça pelo qual o Senhor nos guiou desde aquele abençoado dia de cinquenta anos atrás.
- O nosso encontro fraterno de hoje é um passo novo e necessário no caminho para a unidade, à qual só o Espírito Santo nos pode levar: a unidade da comunhão na legítima diversidade. Com profunda gratidão, relembramos os passos que o Senhor já nos permitiu realizar. O abraço trocado entre o Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras aqui em Jerusalém, depois de muitos séculos de silêncio, abriu a estrada para um gesto epocal: a remoção da memória e do meio da Igreja dos atos de recíproca excomunhão de 1054. Isso foi seguido por uma troca de visitas entre as respectivas Sés de Roma e de Constantinopla, por uma correspondência regular e, mais tarde, pela decisão anunciada pelo Papa João Paulo II e o Patriarca Dimitrios, ambos de abençoada memória, de se iniciar um diálogo teológico na verdade entre católicos e ortodoxos. Ao longo destes anos, Deus, fonte de toda a paz e amor, ensinou-nos a olhar uns para os outros como membros da mesma família cristã, sob o mesmo Senhor e Salvador Jesus Cristo, e a amar-nos de tal modo uns aos outros que podemos confessar a nossa fé no mesmo Evangelho de Cristo, tal como foi recebida pelos Apóstolos e nos foi expressa e transmitida a nós pelos Concílios Ecumênicos e pelos Padres da Igreja. Embora plenamente conscientes de ainda não ter atingido a meta da plena comunhão, hoje reafirmamos o nosso compromisso de continuar a caminhar juntos rumo à unidade pela qual Cristo nosso Senhor rezou ao Pai pedindo que «todos sejam um só» (Jo 17, 21).
- Bem cientes de que a unidade se manifesta no amor de Deus e no amor do próximo, olhamos com ansiedade para o dia em que poderemos finalmente participar juntos no banquete eucarístico. Como cristãos, somos chamados a preparar-nos para receber este dom da comunhão eucarística, segundo o ensinamento de Santo Ireneu de Lião (Contra as Heresias, IV, 18, 5: PG 7, 1028), através da confissão de uma só fé, a oração perseverante, a conversão interior, a renovação da vida e o diálogo fraterno. Ao alcançar esta meta esperada, manifestaremos ao mundo o amor de Deus, pelo qual somos reconhecidos como verdadeiros discípulos de Jesus Cristo (cf. Jo 13, 35).
- Para tal objetivo, o diálogo teológico realizado pela Comissão Mista Internacional oferece uma contribuição fundamental na busca da plena comunhão entre católicos e ortodoxos. Ao longo dos sucessivos tempos vividos sob os Papas João Paulo II e Bento XVI e o Patriarca Dimitrios, foi substancial o progresso dos nossos encontros teológicos. Hoje exprimimos vivo apreço pelos resultados obtidos até agora, bem como pelos esforços atuais. Não se trata de mero exercício teórico, mas de uma exercitação na verdade e no amor, que exige um conhecimento ainda mais profundo das tradições de cada um para as compreender e aprender com elas. Assim, afirmamos mais uma vez que o diálogo teológico não procura o mínimo denominador comum teológico sobre o qual se possa chegar a um compromisso, mas busca aprofundar o próprio conhecimento da verdade total que Cristo deu à sua Igreja, uma verdade cuja compreensão nunca cessará de crescer se seguirmos as inspirações do Espírito Santo. Por isso, afirmamos conjuntamente que a nossa fidelidade ao Senhor exige um encontro fraterno e um verdadeiro diálogo. Tal busca comum não nos leva para longe da verdade; antes, através de um intercâmbio de dons e sob a guia do Espírito Santo, levar-nos-á para a verdade total (cf. Jo 16, 13).
- Todavia, apesar de estarmos ainda a caminho para a plena comunhão, já temos o dever de oferecer um testemunho comum do amor de Deus por todas as pessoas, trabalhando em conjunto ao serviço da humanidade, especialmente na defesa da dignidade da pessoa humana em todas as fases da vida e da santidade da família assente no matrimônio, na promoção da paz e do bem comum e dando resposta ao sofrimento que continua a afligir o nosso mundo. Reconhecemos que a fome, a pobreza, o analfabetismo, a distribuição desigual de recursos devem ser constantemente enfrentados. É nosso dever procurar construir juntos uma sociedade justa e humana, onde ninguém se sinta excluído ou marginalizado.
- É nossa profunda convicção que o futuro da família humana depende também do modo como protegermos – de forma simultaneamente prudente e compassiva, com justiça e equidade – o dom da criação que o nosso Criador nos confiou. Por isso, arrependidos, reconhecemos os injustos maus-tratos ao nosso planeta, o que aos olhos de Deus equivale a um pecado. Reafirmamos a nossa responsabilidade e obrigação de fomentar um sentimento de humildade e moderação, para que todos possam sentir a necessidade de respeitar a criação e protegê-la cuidadosamente. Juntos, prometemos empenhar-nos na sensibilização sobre a salvaguarda da criação; apelamos a todas as pessoas de boa vontade para tomarem em consideração formas de viver menos dispendiosas e mais frugais, manifestando menos ganância e mais generosidade na proteção do mundo de Deus e para benefício do seu povo.
- Há também urgente necessidade de uma cooperação efetiva e empenhada dos cristãos para salvaguardar, por todo o lado, o direito de exprimir publicamente a própria fé e de ser tratados equitativamente quando promovem aquilo que o cristianismo continua a oferecer à sociedade e à cultura contemporânea. A este propósito, convidamos todos os cristãos a promoverem um diálogo autêntico com o judaísmo, o islamismo e outras tradições religiosas. A indiferença e a ignorância mútua só podem levar à desconfiança e mesmo, infelizmente, ao conflito.
- Desta cidade santa de Jerusalém, exprimimos a nossa comum e profunda preocupação pela situação dos cristãos no Médio Oriente e o seu direito de permanecerem plenamente cidadãos dos seus países de origem. Confiadamente voltamo-nos para Deus onipotente e misericordioso, elevando uma oração pela paz na Terra Santa e no Médio Oriente em geral. Rezamos especialmente pelas Igrejas no Egito, Síria e Iraque, que têm sofrido mais pesadamente por causa dos eventos recentes. Encorajamos todas as Partes, independentemente das próprias convicções religiosas, a continuarem a trabalhar pela reconciliação e o justo reconhecimento dos direitos dos povos. Estamos convencidos de que não são as armas, mas o diálogo, o perdão e a reconciliação, os únicos meios possíveis para alcançar a paz.
- Num contexto histórico marcado pela violência, a indiferença e o egoísmo, muitos homens e mulheres de hoje sentem que perderam as suas referências. É precisamente através do nosso testemunho comum à boa notícia do Evangelho que seremos capazes de ajudar as pessoas do nosso tempo a redescobrirem o caminho que conduz à verdade, à justiça e à paz. Unidos nos nossos intentos e recordando o exemplo dado há cinquenta anos aqui em Jerusalém pelo Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras, apelamos a todos os cristãos, juntamente com os crentes das diferentes tradições religiosas e todas as pessoas de boa vontade, que reconheçam a urgência deste tempo que nos obriga a buscar a reconciliação e a unidade da família humana, no pleno respeito das legítimas diferenças, para bem de toda a humanidade atual e das gerações futuras.
- Ao empreendermos esta peregrinação comum até ao lugar onde o nosso único Senhor Jesus Cristo foi crucificado, sepultado e ressuscitou, humildemente confiamos à intercessão da Santíssima e Sempre Virgem Maria os nossos futuros passos no caminho rumo à plenitude da unidade e entregamos ao amor infinito de Deus toda a família humana.
«O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te favoreça! O Senhor volte para ti a sua face e te dê a paz!» (Nm 6, 25-26).
Jerusalém, 25 de Maio de 2014.
A declaração conjunta de Francisco e Kirill
No histórico encontro desta sexta-feira, dia 12 de fevereiro em Cuba o Papa Francisco e o Patriarca de Moscovo Kirill assinaram uma declaração conjunta. Eis o texto integral dessa declaração:
Declaração Conjunta do Papa Francisco e do Patriarca Kirill de Moscovo e de toda a Rússia
“A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus Paie a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (2 Cor 13, 13).
- Por vontade de Deus Pai de quem provém todo o dom, no nome do Senhor nosso Jesus Cristo e com a ajuda do Espírito Santo Consolador, nós, Papa Francisco e Kirill, Patriarca de Moscou e de toda a Rússia, encontramo-nos, hoje, em Havana. Damos graças a Deus, glorificado na Trindade, por este encontro, o primeiro na história.
Com alegria, encontramo-nos como irmãos na fé cristã que se reúnem para “falar de viva voz” (2 Jo 12), coração a coração, e analisar as relações mútuas entre as Igrejas, os problemas essenciais de nossos fiéis e as perspectivas de progresso da civilização humana.
Cuba
- O nosso encontro fraterno teve lugar em Cuba, encruzilhada entre Norte e Sul, entre Leste e Oeste. A partir desta ilha, símbolo das esperanças do “Novo Mundo” e dos acontecimentos dramáticos da história do século XX, dirigimos a nossa palavra a todos os povos da América Latina e dos outros continentes.
Alegramo-nos porque aqui cresce, de forma dinâmica, a fé cristã. O forte potencial religioso da América Latina, a sua tradição cristã secular, presente na experiência pessoal de milhões de pessoas, são a garantia de um grande futuro para esta região.
- Encontrando-nos longe das antigas disputas do “Velho Mundo”, sentimos mais fortemente a necessidade de um trabalho comum entre católicos e ortodoxos, chamados a dar ao mundo, com mansidão e respeito, razão da esperança que está em nós (cf. 1 Ped 3, 15).
Tradição comum
- Damos graças a Deus pelos dons que recebemos da vinda ao mundo do seu único Filho. Partilhamos a Tradição espiritual comum do primeiro milênio do cristianismo. As testemunhas desta Tradição são a Virgem Maria, Santíssima Mãe de Deus, e os Santos que veneramos. Entre eles, contam-se inúmeros mártires que testemunharam a sua fidelidade a Cristo e se tornaram “semente de cristãos”.
- Apesar desta Tradição comum dos primeiros dez séculos, há quase mil anos que católicos e ortodoxos estão privados da comunhão na Eucaristia. Estamos divididos por feridas causadas por conflitos de um passado distante ou recente, por divergências – herdadas dos nossos antepassados – na compreensão e explicitação da nossa fé em Deus, uno em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Deploramos a perda da unidade, consequência da fraqueza humana e do pecado, ocorrida apesar da Oração Sacerdotal de Cristo Salvador: “Para que todos sejam um só, como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti; para que assim eles estejam em Nós” (Jo 17, 21).
Superar divergências
- Conscientes da permanência de numerosos obstáculos, esperamos que o nosso encontro possa contribuir para o restabelecimento desta unidade querida por Deus, pela qual Cristo rezou. Que o nosso encontro inspire os cristãos do mundo inteiro a rezar ao Senhor, com renovado fervor, pela unidade plena de todos os seus discípulos. Em um mundo que espera de nós não apenas palavras, mas gestos concretos, possa este encontro ser um sinal de esperança para todos os homens de boa vontade!
- Determinados a realizar tudo o que seja necessário para superar as divergências históricas que herdamos, queremos unir os nossos esforços para testemunhar o Evangelho de Cristo e o patrimônio comum da Igreja do primeiro milênio, respondendo em conjunto aos desafios do mundo contemporâneo. Ortodoxos e católicos devem aprender a dar um testemunho concorde da verdade, em áreas onde isso seja possível e necessário. A civilização humana entrou em um período de mudança de época. A nossa consciência cristã e a nossa responsabilidade pastoral não nos permitem ficar inertes perante os desafios que requerem uma resposta comum.
Oriente Médio.
- O nosso olhar dirige-se, em primeiro lugar, para as regiões do mundo onde os cristãos são vítimas de perseguição. Em muitos países do Oriente Médio e do Norte da África, os nossos irmãos e irmãs em Cristo veem exterminadas as suas famílias, aldeias e cidades inteiras. As suas igrejas são barbaramente devastadas e saqueadas; os seus objetos sagrados profanados, os seus monumentos destruídos. Na Síria, no Iraque e em outros países do Oriente Médio, constatamos, com amargura, o êxodo maciço dos cristãos da terra onde começou a espalhar-se a nossa fé e onde eles viveram, desde o tempo dos apóstolos, em conjunto com outras comunidades religiosas.
- Pedimos a ação urgente da Comunidade internacional para prevenir uma nova expulsão dos cristãos do Oriente Médio. Ao levantar a voz em defesa dos cristãos perseguidos, queremos expressar a nossa compaixão pelas tribulações sofridas pelos fiéis de outras tradições religiosas, também eles vítimas da guerra civil, do caos e da violência terrorista.
- Na Síria e no Iraque, a violência já causou milhares de vítimas, deixando milhões de pessoas sem casa nem meios de subsistência. Exortamos a Comunidade internacional a unir-se para pôr fim à violência e ao terrorismo e, ao mesmo tempo, a contribuir por meio do diálogo para um rápido restabelecimento da paz civil. É essencial garantir uma ajuda humanitária em larga escala às populações martirizadas e a tantos refugiados nos países vizinhos.
Pedimos a quantos possam influir sobre o destino das pessoas raptadas, entre as quais se encontram os Metropolitas de Aleppo, Paulo e João Ibrahim, sequestrados no mês de Abril de 2013, que façam tudo o que é necessário para a sua rápida libertação.
Acordo de Paz
- Elevamos as nossas súplicas a Cristo, Salvador do mundo, pelo restabelecimento da paz no Oriente Médio, que é “fruto da justiça” (Is 32, 17), a fim de que se reforce a convivência fraterna entre as várias populações, as Igrejas e as religiões lá presentes, pelo regresso dos refugiados às suas casas, a cura dos feridos e o repouso da alma dos inocentes que morreram.
Com um ardente apelo, dirigimo-nos a todas as partes que possam estar envolvidas nos conflitos pedindo-lhes que deem prova de boa vontade e se sentem à mesa das negociações. Ao mesmo tempo, é preciso que a Comunidade internacional faça todos os esforços possíveis para pôr fim ao terrorismo valendo-se de ações comuns, conjuntas e coordenadas. Apelamos a todos os países envolvidos na luta contra o terrorismo, para que atuem de maneira responsável e prudente. Exortamos todos os cristãos e todos os crentes em Deus a suplicarem, fervorosamente, ao Criador providente do mundo que proteja a sua criação da destruição e não permita uma nova guerra mundial. Para que a paz seja duradoura e esperançosa, são necessários esforços específicos tendentes a redescobrir os valores comuns que nos unem, fundados no Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo.
- Curvamo-nos perante o martírio daqueles que, à custa da própria vida, testemunham a verdade do Evangelho, preferindo a morte à apostasia de Cristo. Acreditamos que estes mártires do nosso tempo, pertencentes a várias Igrejas, mas unidos por uma tribulação comum, são um penhor da unidade dos cristãos. É a vós, que sofreis por Cristo, que se dirige a palavra do Apóstolo: “Caríssimos, (…) alegrai-vos, pois assim como participais dos padecimentos de Cristo, assim também rejubilareis de alegria na altura da revelação da sua glória” (1 Ped 4, 12-13).
Diálogo e Europa
- Nesta época preocupante, é indispensável o diálogo inter-religioso. As diferenças na compreensão das verdades religiosas não devem impedir que pessoas de crenças diversas vivam em paz e harmonia. Nas circunstâncias atuais, os líderes religiosos têm a responsabilidade particular de educar os seus fiéis num espírito respeitador das convicções daqueles que pertencem a outras tradições religiosas. São absolutamente inaceitáveis as tentativas de justificar ações criminosas com slogans religiosos. Nenhum crime pode ser cometido em nome de Deus, “porque Deus não é um Deus de desordem, mas de paz” (1 Cor 14, 33).
- Ao afirmar o alto valor da liberdade religiosa, damos graças a Deus pela renovação sem precedentes da fé cristã que acontece na Rússia e em muitos países da Europa Oriental, onde, durante algumas décadas, dominaram os regimes ateus. Hoje as cadeias do ateísmo militante estão quebradas e, em muitos lugares, os cristãos podem livremente confessar a sua fé. Em um quarto de século foram construídas dezenas de milhares de novas igrejas, e abertos centenas de mosteiros e escolas teológicas. As comunidades cristãs desenvolvem uma importante atividade sócio caritativa, prestando variada assistência aos necessitados. Muitas vezes trabalham lado a lado ortodoxos e católicos; atestam a existência dos fundamentos espirituais comuns da convivência humana, ao testemunhar os valores do Evangelho.
- Ao mesmo tempo, estamos preocupados com a situação em muitos países onde os cristãos se debatem cada vez mais frequentemente com uma restrição da liberdade religiosa, do direito de testemunhar as suas convicções e da possibilidade de viver de acordo com elas. Em particular, constatamos que a transformação de alguns países em sociedades secularizadas, alheias a qualquer referência a Deus e à sua verdade, constitui uma grave ameaça à liberdade religiosa. É fonte de inquietação para nós a limitação atual dos direitos dos cristãos, se não mesmo a sua discriminação, quando algumas forças políticas, guiadas pela ideologia de um secularismo frequentemente muito agressivo, procuram relegá-los para a margem da vida pública.
- O processo de integração europeia, iniciado depois de séculos de sangrentos conflitos, foi acolhido por muitos com esperança, como uma garantia de paz e segurança. Todavia, convidamos a manter-se vigilantes contra uma integração que não fosse respeitadora das identidades religiosas. Embora permanecendo abertos à contribuição de outras religiões para a nossa civilização, estamos convencidos de que a Europa deve permanecer fiel às suas raízes cristãs. Pedimos aos cristãos da Europa Oriental e Ocidental que se unam para testemunhar em conjunto Cristo e o Evangelho, de modo que a Europa conserve a própria alma formada por dois mil anos de tradição cristã.
Família
- O nosso olhar volta-se para as pessoas que se encontram em situações de grande dificuldade, em condições de extrema necessidade e pobreza, enquanto crescem as riquezas materiais da humanidade. Não podemos ficar indiferentes à sorte de milhões de migrantes e refugiados que batem à porta dos países ricos. O consumo desenfreado, como se vê em alguns países mais desenvolvidos, está gradualmente esgotando os recursos do nosso planeta. A crescente desigualdade na distribuição dos bens da Terra aumenta o sentimento de injustiça perante o sistema de relações internacionais que se estabeleceu.
- As Igrejas cristãs são chamadas a defender as exigências da justiça, o respeito pelas tradições dos povos e uma autêntica solidariedade com todos os que sofrem. Nós, cristãos, não devemos esquecer que “o que há de louco no mundo é que Deus escolheu para confundir os sábios; e o que há de fraco no mundo é que Deus escolheu para confundir o que é forte. O que o mundo considera vil e desprezível é que Deus escolheu; escolheu os que nada são, para reduzir a nada aqueles que são alguma coisa. Assim, ninguém se pode vangloriar diante de Deus” (1 Cor 1, 27-29).
- A família é o centro natural da vida humana e da sociedade. Estamos preocupados com a crise da família em muitos países. Ortodoxos e católicos partilham a mesma concepção da família e são chamados a testemunhar que ela é um caminho de santidade, que testemunha a fidelidade dos esposos nas suas relações mútuas, a sua abertura à procriação e à educação dos filhos, a solidariedade entre as gerações e o respeito pelos mais vulneráveis.
- A família funda-se no matrimônio, ato de amor livre e fiel entre um homem e uma mulher. É o amor que sela a sua união e os ensina a acolher-se reciprocamente como um dom. O matrimônio é uma escola de amor e fidelidade. Lamentamos que outras formas de convivência já estejam postas ao mesmo nível desta união, ao passo que o conceito, santificado pela tradição bíblica, de paternidade e de maternidade como vocação particular do homem e da mulher no matrimônio, seja banido da consciência pública.
- Pedimos a todos que respeitem o direito inalienável à vida. Milhões de crianças são privadas da própria possibilidade de nascer no mundo. A voz do sangue das crianças não nascidas clama a Deus (cf. Gn 4, 10).
O desenvolvimento da chamada eutanásia faz com que as pessoas idosas e os doentes comecem a sentir-se um peso excessivo para as suas famílias e a sociedade em geral.
Estamos preocupados também com o desenvolvimento das tecnologias reprodutivas biomédicas, porque a manipulação da vida humana é um ataque aos fundamentos da existência do homem, criado à imagem de Deus. Consideramos nosso dever lembrar a imutabilidade dos princípios morais cristãos, baseados no respeito pela dignidade do homem chamado à vida, segundo o desígnio do Criador.
Juventude
- Hoje, desejamos dirigir-nos de modo particular aos jovens cristãos. Vós, jovens, tendes o dever de não esconder o talento na terra (cf. Mt 25, 25), mas de usar todas as capacidades que Deus vos deu para confirmar no mundo as verdades de Cristo, encarnar na vossa vida os mandamentos evangélicos do amor de Deus e do próximo. Não tenhais medo de ir contra a corrente, defendendo a verdade de Deus, à qual estão longe de se conformar sempre as normas secularizadas de hoje.
- Deus ama-vos e espera de cada um de vós que sejais seus discípulos e apóstolos. Sede a luz do mundo, de modo que quantos vivem ao vosso redor, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está no Céu (cf. Mt 5, 14.16). Haveis de educar os vossos filhos na fé cristã, transmitindo-lhes a pérola preciosa da fé (cf. Mt 13, 46), que recebestes dos vossos pais e antepassados. Lembrai-vos que “fostes comprados por um alto preço” (1 Cor 6, 20), a custo da morte na cruz do Homem-Deus Jesus Cristo.
- Ortodoxos e católicos estão unidos não só pela Tradição comum da Igreja do primeiro milênio, mas também pela missão de pregar o Evangelho de Cristo no mundo de hoje. Esta missão exige o respeito mútuo entre os membros das comunidades cristãs e exclui qualquer forma de proselitismo.
Não somos concorrentes, mas irmãos: por esta certeza, devem ser guiadas todas as nossas ações recíprocas e em benefício do mundo exterior. Exortamos os católicos e os ortodoxos de todos os países a aprender a viver juntos na paz e no amor e a ter “os mesmos sentimentos, uns com os outros” (Rm 15, 5). Por isso, é inaceitável o uso de meios desleais para incitar os crentes a passar de uma Igreja para outra, negando a sua liberdade religiosa ou as suas tradições. Somos chamados a pôr em prática o preceito do apóstolo Paulo:
“Tive a maior preocupação em não anunciar o Evangelho onde já era invocado o nome de Cristo, para não edificar sobre fundamento alheio” (Rm 15, 20).
Greco-católicos
- Esperamos que o nosso encontro possa contribuir também para a reconciliação, onde existirem tensões entre greco-católicos e ortodoxos. Hoje, é claro que o método do “uniatismo” do passado, entendido como a união de uma comunidade à outra separando-a da sua Igreja, não é uma forma que permita restabelecer a unidade. Contudo, as comunidades eclesiais surgidas nestas circunstâncias históricas têm o direito de existir e de empreender tudo o que é necessário para satisfazer as exigências espirituais dos seus fiéis, procurando ao mesmo tempo viver em paz com os seus vizinhos. Ortodoxos e greco-católicos precisam de reconciliar-se e encontrar formas mutuamente aceitáveis de convivência.
- Deploramos o conflito na Ucrânia que já causou muitas vítimas, provocou inúmeras tribulações a gente pacífica e lançou a sociedade em uma grave crise econômica e humanitária. Convidamos todas as partes do conflito à prudência, à solidariedade social e à atividade de construir a paz. Convidamos as nossas Igrejas na Ucrânia a trabalhar por se chegar à harmonia social, abster-se de participar no conflito e não apoiar ulteriores desenvolvimentos do mesmo.
- Esperamos que o cisma entre os fiéis ortodoxos na Ucrânia possa ser superado com base nas normas canônicas existentes, que todos os cristãos ortodoxos da Ucrânia vivam em paz e harmonia, e que as comunidades católicas do país contribuam para isso de modo que seja visível cada vez mais a nossa fraternidade cristã.
- No mundo contemporâneo, multiforme e, todavia, unido por um destino comum, católicos e ortodoxos são chamados a colaborar fraternalmente no anúncio da Boa Nova da salvação, a testemunhar juntos a dignidade moral e a liberdade autêntica da pessoa, “para que o mundo creia” (Jo 17, 21). Este mundo, onde vão desaparecendo progressivamente os pilares espirituais da existência humana, espera de nós um vigoroso testemunho cristão em todas as áreas da vida pessoal e social. Nestes tempos difíceis, o futuro da humanidade depende em grande parte da nossa capacidade conjunta de darmos testemunho do Espírito de verdade.
Testemunhas da verdade
- Neste corajoso testemunho da verdade de Deus e da Boa Nova salvífica, possa sustentar-nos o Homem-Deus Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, que nos fortifica espiritualmente com a sua promessa infalível: “Não temais, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino” (Lc 12, 32).
Cristo é fonte de alegria e de esperança. A fé n’Ele transfigura a vida humana, enche-a de significado. Disto mesmo puderam convencer-se, por experiência própria, todos aqueles a quem é possível aplicar as palavras do apóstolo Pedro: “Vós que outrora não éreis um povo, mas sois agora povo de Deus, vós que não tínheis alcançado misericórdia e agora alcançastes misericórdia” (1 Ped 2, 10).
- Cheios de gratidão pelo dom da compreensão recíproca manifestada durante o nosso encontro, levantamos os olhos agradecidos para a Santíssima Mãe de Deus, invocando-A com as palavras desta antiga oração: “Sob o abrigo da vossa misericórdia, nos refugiamos, Santa Mãe de Deus”. Que a bem-aventurada Virgem Maria, com a sua intercessão, encoraje à fraternidade aqueles que A veneram, para que, no tempo estabelecido por Deus, sejam reunidos em paz e harmonia num só povo de Deus para glória da Santíssima e indivisível Trindade!
Havana (Cuba), 12 de fevereiro de 2016.
«Declaração conjunta do Papa Paulo VI e do Patriarca Atenágoras de Constantinopla»
7 de Dezembro de 1965
A declaração conjunta do S. S. Paulo VI e do S. S. o Patriarca Atenágoras I foi lida em francês na sessão pública conciliar de 7 de dezembro e ao mesmo tempo no Fanar do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla.
Cheios de agradecimento a Deus pela graça que, em sua misericórdia lhes outorgou de encontrar-se fraternalmente nos sagrados lugares nos que, pela morte e a ressurreição de Cristo, consumou-se o mistério de nossa salvação e pela efusão do Espírito Santo, nasceu a Igreja, o Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras I, não esqueceram o projeto que cada um por sua parte concebeu naquela ocasião de não omitir em adiante, gesto algum dos que inspira a caridade e que sejam capazes de facilitar o desenvolvimento das relações fraternais entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa de Constantinopla, inauguradas nessa ocasião. Estão persuadidos de que desta forma respondem à chamada da graça divina que move hoje à Igreja Católica Romana e à Igreja Ortodoxa e a todos os cristãos a superar suas diferenças a fim de ser de novo “um” como o Senhor Jesus o pediu para eles a seu Pai. Entre os obstáculos que entorpecem o desenvolvimento destas relações fraternais de confiança e estima figura a lembrança das decisões, atos e incidentes penosos que desembocaram em 1054, na sentença de excomunhão pronunciada contra o Patriarca Miguel Cerulário e outras duas personalidades pelos legados da sede romana, presididos pelo Cardeal Humberto, legados que foram a sua vez objeto de uma sentença análoga por parte do Patriarca e o Sínodo Constantinopolitano.
Não se pode fazer que estes acontecimentos não tenham sido o que foram neste período particularmente agitado da história. Mas hoje, quando se emitiu sobre eles um juízo mais sereno e justo, é importante reconhecer os excessos com que foram escurecidos e que deram lugar ulteriormente a consequências que, na medida em que nos é possível julgar disso, superaram as intenções e previsões de seus autores, cujas censuras se referiam às pessoas em questão e não às Igrejas e não pretendiam quebrar a comunhão eclesiástica entre as sedes de Roma e Constantinopla.
Por isso, o Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras I e seu Sínodo, seguros de expressar o desejo comum de justiça e o sentimento unânime de caridade de seus fiéis e recordando o preceito do Senhor: “Quando apresentes a sua oferenda no altar e ali te lembrares de que teu irmão tem alguma queixa contra ti, deixa tua oferta ante o altar e vê primeiro a te reconciliar com teu irmão” (MT. 5, 23-24), declaram de comum acordo:
- a) Lamentar as palavras ofensivas, as recriminações sem fundamento e os gestos imperdoáveis que de uma e outra parte caracterizaram a acompanharam os tristes acontecimentos daquela época.
- b) Lamentar igualmente e apagar da memória e da Igreja as sentenças de excomunhão que lhes seguiram e cuja lembrança atua até nossos dias como um obstáculo à aproximação na caridade as relegando ao esquecimento.
- c) Deplorar, finalmente, os lamentáveis precedentes e os acontecimentos ulteriores que, sob a influência de diferentes fatores, entre os quais contaram a incompreensão e a desconfiança mútua, levaram finalmente à ruptura efetiva da comunhão eclesiástica.
O Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras I com seu Sínodo são conscientes de que este gesto de justiça e perdão recíproco não pode bastar para pôr fim às diferenças antigas ou mais recentes que subsistem entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa de Constantinopla e que, pela ação do Espírito Santo, serão superadas graças à purificação dos corações, ao fato de deplorar os enganos históricos e uma vontade eficaz de chegar a uma inteligência e uma expressão comum da fé apostólica e de suas exigências.
Entretanto, ao realizar este gesto, esperam seja grato a Deus, prestes a nos perdoar quando nos perdoamos uns aos outros e esperam igualmente que seja apreciado por todo o mundo cristão, mas sobre tudo pelo conjunto da Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa, como a expressão de uma sincera vontade comum de reconciliação e como um convite a prosseguir com espírito de confiança, de estima e de caridade mútuas, o diálogo que nos leve, com a ajuda de Deus, a viver de novo para o maior bem das almas e o advento do Reino de Deus, na plena comunhão de fé, de concórdia fraterna e de vida sacramental que existiu entre elas com o passar do primeiro milênio da vida da Igreja.
Jerusalém - Entrevista de 5 de Janeiro de 1964
O Patriarca começa a entrevista em inglês.
O Papa diz: — entendo o inglês mas não o falo fluente
Patriarca Athenágoras: — Então falemos francês.
Paulo VI: — Assim será mais fácil para mim… quero lhe comunicar toda minha alegria, minha emoção. Verdadeiramente penso que é um momento em que vivemos em presença de Deus.
Patriarca Athenágoras: —Em presença de Deus, repito-o.
Paulo VI: — E não tenho outro pensamento que o de falar com Deus enquanto falo com o senhor. Estou muito bem, sua Santidade.
Patriarca Athenágoras: —… profundamente emocionado. As lágrimas vêm aos olhos.
Paulo VI: — E como é verdadeiramente um momento de Deus, devemos vivê-lo com toda a intensidade, toda a verdade, todo o desejo de seguir adiante
Patriarca Athenágoras: —…. pelos caminhos de Deus.
Paulo VI: — Tem sua Santidade alguma ideia, algum desejo, ao qual eu pudesse corresponder?
Patriarca Athenágoras: —Temos o mesmo desejo….
Paulo VI: — Pois é, nós somos dois caminhos que possivelmente vão encontrar-se.
Patriarca Athenágoras: —Temos o mesmo desejo. Assim que eu li nos jornais que o senhor tinha decidido visitar este país, imediatamente pensei que nos encontrássemos aqui e estava seguro que receberia, de sua Santidade a resposta….
(PauloVI: afirmativa) afirmativa, já que confio em sua Santidade. Eu o vejo, eu o vejo, sem querer adulá-lo, nos Atos dos apóstolos, eu o vejo nas Cartas de São Paulo, de quem o senhor toma o nome, eu o vejo aqui, sim, eu o vejo.
Paulo VI: — Falo-lhe como irmão: saiba que tenho a mesma confiança no senhor. Penso que a Providência escolheu o senhor para continuar esta história.
Patriarca Athenágoras: —Eu penso que a Providência escolheu o senhor para abrir o caminho de seu predecessor.
Paulo VI: — A Providência nos escolheu para que nos entendêssemos.
Patriarca Athenágoras: —Os séculos o esperavam, para este dia, este grande dia… que alegria… nesta pequena peça. Que alegria havia no Sepulcro, que alegria havia no Gólgota, que alegria no caminho que o senhor fez ontem. [a Via sacra]
Paulo VI: — Estou de tal maneira transbordante de impressões que fará falta muito tempo para deixar que se acalmem (sorriso) e interpretar toda esta riqueza de emoções que tenho em meu espírito. Mas quero aproveitar este momento para lhe expressar a lealdade absoluta com a qual sempre tratarei com o senhor.
Patriarca Athenágoras: —Digo o mesmo.
Paulo VI: — Nunca lhe ocultarei a verdade.
Patriarca Athenágoras: — Sempre terei confiança.
Paulo VI: — Não tenho nenhum desejo de decepcioná-lo, de abusar de sua boa vontade. Não desejo outra coisa que seguir o caminho de Deus.
Patriarca Athenágoras: —Tenho uma confiança absoluta em Sua Santidade. Absoluta, absoluta. Sempre terei confiança, sempre estarei de seu lado.
Paulo VI: — Para não faltar a merecê-la, agora saiba Sua Santidade que rezarei todos os dias por Ela e pelas intenções que temos em comum pelo bem da Igreja.
Patriarca Athenágoras: —Dado que temos este grande momento, estaremos juntos. Caminharemos juntos…. Ver sua Santidade, a sua Grande Santidade enviada por Deus, sim, o Papa de grande coração. O senhor sabe como o chamo? megalo-kardos, o Papa de grande coração.
Paulo VI: — Nós somos pequenos instrumentos.
Patriarca Athenágoras: —É necessário ver as coisas assim.
Paulo VI: — quanto menores somos, somos melhores instrumentos, quer dizer que a ação de Deus deve prevalecer (Athenágoras: prevalecer) e ser a proprietária de todas nossas ações. Pela minha parte, vivo na docilidade, no desejo de ser o mais obediente à vontade de Deus, e de ser para o senhor, Santidade, para seus irmãos, para seu meio, o mais pormenorizado possível.
Patriarca Athenágoras: —Acredito, sem pedi-lo, acredito.
Paulo VI: — Eu sie que é difícil, eu sei que há dificuldades, que há uma psicologia, mas sei também….
(Athenágoras: por ambos os lados), que há uma grande retidão e o desejo de amar a Deus, de servir à causa de Jesus Cristo. É sobre isto que eu tenho confiança.
Patriarca Athenágoras: —Nisto tenho confiança, junto, juntos….
Paulo VI: — Não sei se for o momento, mas vejo o que faria falta, quer dizer estudar
(Athenágoras: estudar) juntos ou designar alguém.
Patriarca Athenágoras: — : Sim, de ambos os lados.
Paulo VI: —Eu gostaria de conhecer qual é a ideia de sua Santidade, de sua Igreja sobre a constituição da Igreja. É o primeiro passo.
Patriarca Athenágoras: —Seguiremos suas opiniões.
Paulo VI: — Direi-lhe o que acredito, que é o exato, o que deriva do Evangelho e da vontade de Deus e da autêntica tradição. Direi-lhe. Se houver pontos que não coincidem com sua ideia da constituição da Igreja….
Patriarca Athenágoras: —O mesmo da minha parte.
Paulo VI: — Discutiremos, procuraremos encontrar a verdade.
Patriarca Athenágoras: —O mesmo de nossa parte e estou seguro que sempre estaremos juntos.
Paulo VI: — Eu espero, eu penso, que possivelmente será mais fácil que do que nós pensamos. Há 2 ou 3 pontos de doutrina nos que evoluímos já, que se progrediu em seu estudo e que quereria explicar – a seu critério se lhe parecer – aos seus teólogos o porquê disto, sem pôr nisto nada de artificial nem acidental, mas o que acreditamos, é o pensamento autêntico (Athenágoras: no amor de Jesus Cristo). E outra coisa que parece secundária, mas que tem sua importância: tudo o referente à disciplina, as honras, as prerrogativas, estou bem-disposto a escutar o que Sua Santidade acreditar ser o melhor.
Patriarca Athenágoras: —O mesmo da minha parte
Paulo VI: —Nenhuma questão de prestígio, de primazia que não seja a que foi fixada por Cristo; mas no que diz a honras, privilégios, nada disso. Vejamos o que Cristo nos pede e que cada um tome sua posição, mas não com parâmetros humanos de prioridade, de elogios, de vantagens, mas sim de serviço.
Patriarca Athenágoras: —Como o senhor me é querido no mais profundo de meu coração …!
FONTE: ACI Digital