A Festa de Pentecostes

Extraído do livro «Dieu est Vivant»
Editions du Cerf, 1979

Era o qüinquagésimo dia (em grego: pentikosti) após a Páscoa judaica, mas também o qüinquagésimo dia após a Ressurreição de Cristo. Era o dia em que os judeus comemoravam com uma grande festa a entrega das tábuas da Lei a Moisés sobre o monte Sinai; assim, Jerusalém estava repleta de estrangeiros, judeus vindos de todas as partes do mundo então conhecido – eram chamados a “Diáspora” – para celebrar a festa. Alguns dias antes, os discípulos “reunidos em número de cerca de cento e vinte pessoas” à volta dos Apóstolos e da Mãe de Jesus haviam procedido, conforme a proposta de Pedro, à substituição de Judas com a escolha de um décimo segundo apóstolo: foram indicados dois discípulos – José, o Justo e Mathias – que haviam acompanhado os apóstolos desde o batismo de João até o dia da Ascensão e que podiam, portanto, ser testemunhas de Sua Ressurreição; após terem orado, a fim de que o Senhor “mostrasse qual dos dois havia de ser escolhido”, tiraram a sorte e esta apontou a Mathias.Esses discípulos aguardavam em Jerusalém, como Jesus lhes havia instruído, a vinda desse “outro Consolador” que o Mestre lhes prometera antes de Sua Ascensão. Espera repleta de uma esperança radiosa. Eles iriam enfim conhecer Aquele de quem Jesus havia dito: «Convém a vós que eu vá; porque se eu não for o Consolador não virá a vós, mas se eu for enviá-lo-ei» (Jo16,7)

Já que Jesus havia partido, já que agora Ele estava sentado à direita do Pai (Mar.16, 19), Ele guardaria a Sua promessa.E portanto, no dia em que Moisés lhes dera a Lei, Jesus vem lhes dar o Espírito, pois “a Lei foi dada por Moisés, a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo”. (Jo1,17) 1

Cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar; e, de repente, veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados. E foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles. E todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem. E em Jerusalém estavam habitando judeus, varões religiosos, de todas as nações que estão debaixo do céu. E, correndo aquela voz, ajuntou-se uma multidão e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua. E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: Pois quê! Não são galileus todos esses homens que estão falando? Como pois os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos nascidos?Cretenses, e árabes, todos os temos ouvido em nossas próprias línguas falar das grandezas de Deus.E todos se maravilhavam e estavam suspensos, dizendo uns para os outros: Que quer isto dizer? E outros, zombando, diziam: Estão cheios de mosto. Pedro, porém, pondo-se em pé com os onze, levantou a voz e disse-lhes: Varões judeus e todos os que habitais em Jerusalém, seja-vos isto notório, e escutai as minhas palavras. Estes homens não estão embriagados, como vós pensais, sendo esta a terceira hora do dia. Mas isto é o que foi dito pelo profeta Joel: E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne; e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos jovens terão visões, e os vossos velhos sonharão sonhos; e farei aparecer prodígios em cima no céu e sinais em baixo na terra: sangue, fogo e vapor de fumaça. O sol se converterá em trevas, e a lua, em sangue, antes de chegar o grande e glorioso Dia do Senhor; e acontecerá que todo aquele que invocar o Nome do Senhor será salvo.

(Atos 2, 1-8; 11-17; 19-21)

E Pedro exaltava o nome de Jesus, o Nazareno: ‘esse homem … que tomando-o, vós o crucificastes e matastes pelas mãos de injustos (os romanos); ao qual Deus ressuscitou, soltas as cadeias da morte […]”

(… textualmente: o Hades) 

(Atos 2, 22 – 24).

Davi vira com antecedência essa vitória e anunciara a Ressurreição do Cristo (Sl.16) e, com efeito, não foi abandonado no Hades e sua carne não viu a corrupção (cf. Atos 2, 25 – 27): 

“Deus ressuscitou a este Jesus, do que todos nós somos testemunhas. De sorte que, exaltado pela destra de Deus, e tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vós agora vedes e ouvis […] Saiba pois, com certeza, toda a casa de Israel, que a esse Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo […]

Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para o perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo; porque a promessa vos diz respeito a vós, aos vossos filhos, e a todos os que estão longe” […]

“De sorte que foram batizados os que de bom grado receberam a sua palavra; e naquele dia agregaram-se quase 3.000 almas”.

(Atos 2, 32 – 33; 36; 38 – 39; 41).

Esse é o relato do Pentecostes que nos é feito por Lucas no segundo capítulo dos Atos dos Apóstolos e que nós relembramos com alegria ao cantar o Tropário de Pentecostes:

Tu és bendito, ó Cristo Nosso Deus, que encheste de sabedoria os pescadores do lago, enviando-lhes o Espírito Santo. Por eles, Tu tomastes o Universo em sua rede. Glória a Ti, ó Filantropo!

Tropário de Pentecostes (8° tom)

Esse relato nos leva, sem duvida, a colocar algumas perguntas que permitirão aprofundar e meditar sobre o texto bíblico:

– Por que se diz que «as línguas de fogo dividiam-se e pousavam sobre cada um deles?»

O dom do Espírito Santo é pessoal, ou seja, é recebido pessoalmente por cada um dos discípulos. E, no entanto, há apenas um Espírito Santo. É o mesmo Fogo divino que desce sobre todos (relembremos o Fogo do céu que, no tempo de Elias, desceu sobre sua oferenda), mas Ele divide-se para mostrar que cada um recebe esse Espírito Único.

– Também em Babel as línguas foram divididas! Exatamente! O que se passa no Pentecostes é exatamente o contrário do que se passou em Babel. Em Babel, por orgulho, foram as línguas dos homens que se dividiram, de modo que eles não se compreendiam mais e foram, por isso, divididos, separados, dispersos. Em Pentecostes é o dom de Deus que se divide para estender-se a cada um e reuni-los a todos: a partir desse momento os homens que receberam o Espírito Santo anunciam todos a mesma palavra, a Palavra de Deus, e fazem-se compreender por todos os homens pois falam todas as línguas. As barreiras lingüísticas são ultrapassadas pela Palavra do Deus Único, tornada compreensível a todos pelo dom das línguas. É o que nos explica o kondakion de Pentecostes:

Quando o Altíssimo desceu para confundir as línguas, dispersou os gentios; quando partilhou as línguas de fogo, Ele nos chamou a unidade. Com uma única voz, louvemos o Espírito Santo.

kondakion de Pentecostes: [1]

– Por que as línguas de fogo não desceram sobre todos os homens, mas apenas sobre os discípulos?

Elas desceram sobre aqueles que Jesus havia preparado para receber o Espírito Santo, sobre aqueles que estavam reunidos, com um único coração, na fé do Senhor Jesus Ressuscitado: é necessário crer no Doador para receber o dom. O Espírito não desceu sobre o mundo todo.

«O Espírito de Verdade que o mundo não pode receber, porque não O vê nem O conhece»

(Jo 14,17).

Ele desceu sobre aqueles que o Senhor Jesus havia reunido porque creram n’Ele. Ele desceu sobre a Igreja. Certamente um dom pessoal, que cada um recebeu em particular, mas porque estavam unidos, em comunhão – e justamente “no dia de Pentecostes estavam todos reunidos no mesmo lugar” (At 2, 1) – e sofreram uma transformação radical: repentinamente tomaram consciência da Palavra de Deus em seu seio e puseram-se a comunicar em todas as línguas as maravilhas de Deus. Donde o discurso de Pedro anunciando com audácia a Ressurreição do Crucificado àqueles mesmos que O crucificaram.

O Pentecostes continua. A descida do Espírito Santo perpetua-se depois, vindo consagrar os testemunhos da Ressurreição do Cristo, até o final dos tempos, como testemunha São Simeão, o Novo Teólogo, no século X:

«Eu ouvi certa vez de um hieromonge, que me confidenciou que jamais iniciara os ofícios litúrgicos sem antes ter visto o Espírito Santo, da mesma forma que O vira quando o metropolita pronunciara sobre ele a oração de consagração e que o santo Evangelho fora colocado sobre sua cabeça. Eu lhe perguntei como O vira, sob que forma? Ele disse: ‘Primitivo e sem forma, todavia como uma luz’. E quando eu próprio vi o que jamais havia visto antes, fui surpreendido e comecei a refletir: ‘o que poderia ser isto’. Então, misteriosamente, mas com uma voz clara, Ele me disse: ‘Eu desço assim sobre todos os profetas e apóstolos, como também sobre todos os atuais eleitos de Deus e dos santos; pois Eu sou o Espírito Santo’» [2].

Bem, essa assembléia dos testemunhos da Ressurreição do Cristo, esses eleitos atuais de Deus que o Espírito Santo consagra à Igreja, e cada um de nós, é chamado a ser um desse eleitos. A Igreja é o Pentecostes que continua. [3]

«Não fostes vós que me escolhestes; eu vos escolhi, e vos destinei a ir e dar fruto, um fruto que permaneça; assim, o que pedirdes ao Pai em meu nome, eu vo-lo concederei».

Jo 16.

NOTAS:

  1. Kondákion: pequeno cântico (kondós em grego = curto) cantado após a sexta ode das Matinas e durante a Pequena Entrada, na Liturgia e que resume o sentido da festa.
  2. Simeão o Novo Teólogo, Sermão 184, Sermões, traduzido do russo, t.II, pp.569-570.4.
  3. Igreja: em grego Ecclesia, a assembléia daqueles que são convocados, chamados.