Deus Pai na Liturgia Bizantina

Santíssima Trindade», na Catedral da Santa Transfiguração Monastério de Valaam - Finlândia
Pe. Jean Corbon
Trad.: Philippe Gebara

O que é próprio da Nova Aliança é a celebração dos Santos Mistérios, segundo a expressão comum às igrejas orientais. A tradição bizantina chama-a também de Divina Liturgia, sublinhando que ela é, em primeiro lugar, sob o olhar da fé, a liturgia celeste, aquela que depois da Ascensão é vivida perante «Aquele que reina sobre o trono», para Lhe «oferecer glória, honra e ação de graças» (Ap 4,9). É lá, perto do Pai, que a liturgia bizantina imediatamente situa a Igreja que «faz eucaristia.» O louvor do universo e de todos os séculos é cantado sem cessar pelas potências celestes e é por isso que o «hino três vezes santo», o trisaghion, revelado a Isaías (Is 6,3) vai significar, em duas repetições, que a celebração da Divina Liturgia nos faz participar sacramentalmente da liturgia celeste.

A visão seguinte do Apocalipse (Ap 5) centra nosso olhar sobre Aquele que está perante o trono: o Cordeiro «imolado», mas «de pé», o Cristo sacrificado e ressuscitado, que resgatou por seu sangue uma multidão de humanos e fez deles uma realeza de sacerdotes para nosso Deus (Ap 5, 9-10). Pela Eucaristia a Igreja participa assim sacramentalmente da Páscoa do Cristo realizada na história de «uma vez por todas». Enfim, as últimas visões do Apocalipse (Ap 21-22) nos revelam o que será a liturgia celeste na consumação dos tempos, em ocasião do retorno do Senhor que a Eucaristia antecipa também sacramentalmente. Essas três dimensões sacramentais da Divina Liturgia nos ajudarão a perceber como o Pai se manifesta e age na celebração. Ele está «assentado sobre o trono», ele «preside» no sentido forte do termo. Como então se revela sua monarquia, na perichoresis trinitária, em toda a celebração eucarística?

A preparação das oferendas

Podemos lamentar que a preparação das oferendas, ou seja, do pão e do cálice, sobre a mesa da próthesis seja habitualmente desconhecida pelos fiéis. Consiste no Cordeiro, a grande parcela do pão, e de pequenas parcelas que significam todos os participantes da Liturgia celeste, assim como aqueles por quem o sacrifício será oferecido. A oração final, dirigida ao Pai, introduz-nos do alto em seu mistério:

«Ó Deus, nosso Deus, que enviaste o Pão Celeste, alimento para todos, o Senhor e Deus nosso Jesus Cristo, Salvador, Redentor e Benfeitor que nos abençoa e nos santifica; digna-te abençoar esta oblação e aceitá-la no teu altar celeste».

Esses três verbos de ação resumem em sua simplicidade o movimento da Divina Liturgia. Tudo vem do Pai que enviou seu Filho Unigênito para que nós vivêssemos, é ele que abençoa nossa oferta, a qual é seu Filho, que assume como nossa, e ele a abençoa enviando seu Espírito Santo para transformar nossos dons em seu Cristo; enfim, é Ele que recebe, com seu Filho e com seu Espírito Santo, a ação de graças em tudo e por tudo.

O Pai que me enviou…

«Bendito seja o Reino do Pai, do Filho e do Espírito Santo, eternamente, agora e sempre e pelos séculos dos séculos!»

Essa benção inicial é própria à Divina Liturgia na tradição bizantina. A Igreja que está reunida na casa de Deus não está nela para um grupo de oração, mas para celebrar e viver o Evento que surgiu no centro da história e que faz retornar tudo da morte à vida:

«E nisto se manifestou o amor de Deus por nós: Deus enviou seu Filho unigênito para que vivêssemos por ele» (1Jo 4:9).

A Boa Nova vinda de Deus é que, no Cristo, o Reino de Deus está presente. A Eucaristia é o sacramento desse Reino ao mesmo tempo pelo anúncio e lembrança do Evento da salvação cumprido no Cristo, a fim de que nós crêssemos e que seu Reino venha.

Dentro dessa perspectiva, deve-se seguir passo a passo a progressão da liturgia da Palavra como movimento do Pai que envia seu Verbo, que se compromete (dá a sua Palavra), chama e interpela à busca de seus filhos desgarrados, para atraí-los para perto de Si. Nesse sentido, a procissão do evangelho é significativa.

Estando o evangelho repousando sobre o altar, símbolo da Cruz, do túmulo e da mesa do festim pascal, ele sai do santuário, atravessa a comunidade reunida em assembléia para agregá-la agora em torno do Verbo encarnado e introduzi-la com ele junto ao Pai, nosso verdadeiro santuário. É assim que nós podemos nos prostrar e adorar a Santíssima Trindade no canto do Trisaghion, na liturgia celeste. A Divina Liturgia começa pela primeira ligação dos filhos com o Pai: a escuta à sua Palavra.

Abençoa esta oferenda …

Jesus não nos fala a não ser sobre o Pai e conduz a um bom fim a obra para a qual foi por Ele enviado. O Reino de Deus «vem com poder» (Mc 9,11) através dos sofrimentos do Filho Unigênito, sua morte sobre a Cruz, sua descida aos infernos, sua Ressurreição e sua Ascensão: «tudo que ele fez por nós», segundo a expressão que abre a anâmnese na anáfora de São João Crisóstomo. É assim que o Cordeiro pascal carregou sobre si toda a morte e todos os pecados do mundo para nos dar a Vida. É ele, nosso único Salvador, imolado e ressuscitado de uma vez por todas, que os membros de seu Corpo glorioso oferecem ao Pai na Eucaristia a fim de participar em seu sacrifício pascal. Depois de O termos escutado e acolhido na fé, nós nos apresentamos com Ele ao Pai, em direção ao alto, em movimento de anáfora, em estado de oferecimento. É desse modo que o Evento do mistério pascal é atualizado na Eucaristia, sacramentalmente, ou seja, de forma real através dos símbolos da fé.

Esse momento central da Divina Liturgia começa por uma procissão que, diferentemente daquela do evangeliário, parte da terra, da mesa da próthesis, para depositar as ofertas sobre o altar. Enquanto na primeira o Verbo saía sozinho do Pai para se fazer carne e permanecer no meio de nós, agora é o Ressuscitado que retorna ao Pai com os filhos que Deus lhe deu. Nesse sentido, essa procissão atualiza sacramentalmente a Ascensão pela qual Cristo inaugurou a liturgia celeste contemplada por São João no Apocalipse, e com isso compreendemos por que o hino desta «Grande Entrada» é aquele dos Querubins (cherouvikon) que antecipa o «Hino Três Vezes Santo» (o Sanctus) onde se realiza a primeira ação de graças da anáfora.

E qual oração a Igreja endereça ao Pai ao lhe apresentar as ofertas que foram preparadas? Na liturgia de São Basílio, é feito um apelo à misericórdia do Pai a fim de que nossos dons de pecados lhe sejam agradáveis. Na oração de São João Crisóstomo, mais breve, há os mesmos acentos, mas se insistindo no «sacrifício de louvor» e sobretudo em «que a graça do Vosso bom Espírito desça sobre nós, sobre estes dons oferecidos e sobre todo o Vosso povo.» Quando Jesus iria multiplicar os pães, ele começou por benzê-los. Na última Ceia, o Senhor tomou o pão e o abençoou em primeiro lugar. Isso ele aprendeu do Pai e ensinou a seus apóstolos. Dentro da confiança filial, é o que faz a Igreja: ela pede primeiramente ao Pai de abençoar suas oferendas, e para abençoar, ele envia seu Espírito bom e vivificante sobre o que seus filhos lhe oferecem.

«Envia Teu Espírito Santo…»

Na anáfora, a Igreja começa por bendizer o Pai remontando a Ele todas as bênçãos das quais fomos cumulados em seu Filho Unigênito e em seu Espírito Santo. O fluxo de suas graças reflui em sua direção na ação de graças em seu Espírito filial e por seu Cristo no qual ele nos adotou. Todas as maravilhas de seu Desígnio de amor viemos de professar no Símbolo da Fé, mas na anáfora nós as repetimos no deslumbramento de adoração porque elas serão atualizadas no «sacrifício de louvor» para que nós possamos aí comungar. É assim que se manifesta com máxima intensidade na Eucaristia o poder do amor de nosso Pai, porque é Pai.

Em primeiro lugar no memorial de Sua obra de salvação, onde o Pai invisível é de tal modo doado em seu Filho bem amado que a anâmnese é anâmnese do Cristo, não do Pai, nem do Espírito. «Lembramo-nos do Mandamento do Salvador e de tudo o que ele fez por nós: sua crucificação e sua descida aos infernos, sua Ressurreição e sua Ascensão à Tua direita, sua segunda e gloriosa Vinda.» De fato, a ação do Pai refere-se a algo muito mais alto, ela é um dom fiel confiado à sua Igreja, do qual esquecemos de Lhe dar graças, embora seja claramente expressado na oração sobre as oferendas: «envia Teu Espírito Santo sobre nós», ou seja, sobre o padre ou bispo que são os ministros da Nova Aliança.

Desde os Apóstolos, pelo sacramento do sacerdócio, esses ministros são os órgãos do Espírito Santo pelos quais o Pai atualiza o sacrifício pascal de seu Filho. O memorial proclamado na anâmnese não é então uma simples memória nem uma repetição. Cristo realizou seu sacrifício «uma vez por todas oferecendo-se a Si mesmo» (He 7,27). Assim, é por que o Espírito Santo enviado pelo Pai age pelos ministros ordenados que o mesmo e único sacrifício de Cristo é manifestado, atualizado e comunicado sacramentalmente na Eucaristia. O momento decisivo desse mistério é na epíclese.

Na epíclese, o Pai é invocado e a Ele se suplica de enviar seu Espírito Santo «sobre esses dons aqui oferecidos». É a Igreja que ora, o que significa, não apenas o sacerdote e assembléia, mas também e em primeiro lugar o Cristo que «por um Espírito eterno ofereceu-se, Si mesmo, a Deus» (Hb 9,14). É esse e mesmo e total oferecimento que ele vive com seu Corpo, a Igreja, no momento da epíclese. A invocação tripla é insistente. A prostração até a terra denota bem de qual oferta ela consiste: aquela do Verbo encarnado em sua kênose de amor sobre a Cruz e túmulo, ao extremo de seu «Sim, Pai», esperando tudo do Pai contra toda esperança. É por isso que o Pai a atende (cf. Sl 21 [22] e Is 53) e o ressuscita pelo poder de seu Espírito de santidade (Rm 1,4). Sem a epíclese, a Ressurreição de Cristo não seria mais significada e o memorial de sua Páscoa, não mais que a imitação da última Ceia. Por outro lado, é pelo envio de seu Espírito que o Pai manifesta que ele responde à nossa espera: ele transforma em Cristo o que lhe é oferecido, segundo a missão própria do Espírito que é de constituir o Cristo total. Atendendo à epíclese da Igreja, o Pai confirma também que ele recebe nossas ofertas, como nós pedimos desde a preparação dos dons. Mas compreendamos o coração de nosso Pai: para ele, receber não é possuir ou guardar, mas nos acolher em sua alegria (cf. Lc 15) e poder se dar ainda mais em seu Filho e em seu Espírito.

Nossa comunhão é com o Pai e seu Filho Jesus Cristo…
Admirável é que os dons oferecidos na epíclese ao fogo do Espírito Santo tornem-se assim dons do Pai a seus filhos. As orações que seguem à epíclese, tanto na liturgia de São Basílio, quanto na de São João Crisóstomo, descrevem, com efeito, os frutos de vida que são prometidos àqueles que comungam do Corpo e Sangue do Cristo ressuscitado:

«Participarmos nós todos do mesmo Pão e do mesmo Cálice faz com que sejamos unidos uns aos outros na Comunhão do mesmo Espírito Santo»

(São Basílio).

Essa expressão retoma aquela de São Paulo aos Coríntios (1Cor 10, 17) e inspira a eclesiologia de Comunhão reposta em valor no Vaticano II.

«De modo que sejam [o Corpo e Sangue de Teu Filho] para os comungantes: purificação da alma, remissão dos pecados, comunhão de Teu Espírito Santo, plenitude do Reino dos céus, [e] título de confiança ante Ti…»

(São João Crisóstomo).

A celebração da Divina Liturgia encontra-se sob um Pentecostes sacramental, mas ela nos ensina que a efusão da Comunhão do Espírito Santo está sempre no começo do «caminho do conhecimento» que pelo Filho nos leva ao Pai.

FONTE: «Le Lien» – Revue du Patriarcat Grec-Melkite Catholique nº1/ 67º, ano 2002