As Liturgias Orientais

Encontra-se a origem das liturgias orientais “na antiga ordem patriarcal”, fenômeno de condensação administrativa eclesial baseada nas Igrejas locais dos primeiros séculos, centralizadas, primeiro, ao redor de um grande número de metrópoles e, depois, de um número mais restrito de centros patriarcais. O chefe desses centros chama-se, dentro do Império Romano, “patriarca”: em Alexandria, Antioquia, Constantinopla, Jerusalém. Fora dele, “katolikós”: na Selêucia-Ctesifonte para os sírios orientais, Armênia, Georgia. O sistema patriarcal é centralizador e determina unificação legislativa e disciplinar. Dentro das províncias eclesiásticas têm origem as “províncias litúrgicas”. Todavia, o sistema patriarcal dos séculos IV e V permitiu vida litúrgica influente, como em Éfeso e na Capadócia, somente depois absorvidas pela predominante liturgia de Constantinopla. A Igreja de Jerusalém, que se tornou patriarcado somente depois do concílio de Calcedônia de 451, influenciou a liturgia de várias outras Igrejas a partir do século IV.

Os testemunhos patrísticos mais antigos para a região de Antioquia e Jerusalém encontram-se nas catequeses batismais, nas obras de São João Crisóstomo, nas catequeses batismais e nos mistérios da salvação de São Cirilo de Jerusalém e outros. As línguas litúrgicas predominantes são o grego e o aramaico. Dos raros documentos que temos sobre a liturgia egípcia arcaica deduz-se que os Padres alexandrinos não davam demasiada atenção aos ritos litúrgicos, ocupando-se, ao contrário, de modo especial com a doutrina; no Egito, gozava de grande popularidade a “Traditio apostolica” de Hipólito. Do século V em diante, temos a fase da definitiva estruturação das Igrejas orientais, que se diversificam sob o estímulo de fatores doutrinais, culturais e sociais: os sírios orientais rejeitam o concílio de Éfeso e isolam-se por oito séculos na Mesopotâmia e na Pérsia, para além das fronteiras do Império Romano, e com intensa atividade missionária difundem-se em muitos países da Ásia. Os sírios ocidentais, os coptas e os armênios rejeitam o concílio de Calcedônia, apenas suportam o predomínio político e intelectual do helenismo bizantino e criam uma tradição própria com o uso progressivo das línguas nacionais. Têm extraordinário desenvolvimento monástico. Ressalta-se fortemente o papel do Espírito Santo, tanto que Severo de Antioquia considera os sacramentos, a imposição das mãos e a consagração monástica como comunicações do Espírito. Caracterizam-se por importantes diferenças, tanto no ano litúrgico com três épocas litúrgicas, como na semana, nos jejuns, nos livros litúrgicos e numa longa e sóbria celebração eucarística. Além disso, as Horas monásticas praticam-se nos mosteiros e possuem uma rica salmodia.

A obra enciclopédica “Lâmpada da escuridão” do início do século XIV contém descrições precisas e detalhadas das correntes litúrgicas e dos usos locais.

Os coptas são atualmente a mais numerosa comunidade cristã dentro de um país islâmico: pelo menos 6 milhões. O ambiente monástico é o eixo vital de sua coesão. A liturgia etíope, nascida de uma extirpe mista alexandrino-sírio-jerosolimitana, é finamente popular e africana, com o uso ritmado dos tambores, do sistro e da dança sacra. O imperador Hailé-Selassié iniciou sua reforma, retomada hoje, mas em condições sóciopolíticas muito difíceis.

O cristianismo chegou ao povo armênio já no século I, graças aos esforços missionários de Gregório, o iluminador, e tornou-se religião de estado antes mesmo que no Império Romano. Esse povo, dividido entre o Império Romano e o persa, encontra na força litúrgica sua identidade, resistindo às mais diversas invasões de outros povos. Sofreu influências latinas durante o período das Cruzadas, quando esteve em contato com os francos, o que persiste na tradução armênia da “Summa Theologiae” de São Tomás. As repetidas tentativas de união com Bizâncio e Roma durante a Idade Média deixaram no mundo litúrgico armênio a marca de uma ecumenicidade antiga e sólida, hoje bastante restrita ao âmbito nacional. A liturgia é coral e a participação popular chega a se transformar em magnificência de aparato e fineza de execução. A música está entre as mais fascinantes do Oriente, cheia de doces melodias nas quais transparece a melancolia de um povo que sofreu de modo incrível. As comunidades da diáspora abandonaram o címbalo, substituindo-o pelo harmônio ou órgão. Seus cantos repetem a interpretação mística da liturgia como participação do louvor angélico e sublinham, como também todas as Igrejas orientais, o sentido do mistério na liturgia.

Capítulo especial merece a liturgia bizantina própria das Igrejas ortodoxas nascidas dos 7 concílios ecumênicos, reunidas numa família de Igrejas autônomas difundidas em todos os continentes. O termo “bizantino” exprime a força de Bizâncio e de Constantinopla no contexto imperial de que foi capital. Antigamente esse termo aplicava-se a todo o conjunto de tradições litúrgicas da área bizantina: Ásia Menor, Ponto, Trácia, Capadócia, Síria e Palestina com o Sinai. Do século IV ao século V foram patriarcas e arcebispos de Constantinopla seja personalidades sírias, como Eudóxio, São João Crisóstomo, Nestório, seja alexandrinas, como Anatólio. Teólogos e hinógrafos famosos, como Romano, o Melodista, Santo André de Creta, São João Damasceno e São Cosme, são sírios lidos e apreciados em Bizâncio; em prosa e em poesia, eles expressaram uma teologia da salvação inspirada em Jerusalém e nos lugares santos. Os monges, como São Simeão, o Estilita, e os Santos Sérgio e Baco, na Síria, foram um fator importante de difusão litúrgica, pelo caráter cosmopolita do monaquismo oriental antigo, “lauras da Palestina”, “mosteiros da Síria”, que favorecem as trocas e as peregrinações à Terra Santa ou aos santuários do Oriente.

A história da liturgia bizantina apresentou momentos de reformas fundamentais, conseqüentes às vicissitudes histórico-políticas dos territórios em que havia interesse por essa reformas, as quais foram sintetizadas no TYPIKON, o livro que resumiu as tradições e as regras de todas as celebrações. Depois das trágicas experiências de invasões e destruições entre o século VIII e o século IX, sob a influência dos mosteiros do Monte Athos, recuperaram-se e reescreveram-se os numerosos manuscritos litúrgicos, definitivamente codificados no Typicon de São Saba, que foi oficialmente consagrado como livro normativo para todos os ortodoxos e impresso em Veneza em 1546.

Traços característicos da liturgia bizantina transparecem de suas origens orientais e se exprimem como “festa no átrio do Senhor, e a igreja, como edifício, assemelha-se a um novo paraíso”. O aspecto formal exprime com “o sentido da hierarquia, da ordem, da cerimônia” a marca de origem imperial. Os conteúdos bíblico-litúrgicos expressam-se com a linguagem própria da teologia patrística grega. A liturgia é um caminho de iniciação cognoscitiva “do Deus transcendente da Escritura: Luz, Sabedoria, Logos, Pneuma”. Ao mesmo tempo, os hinários juntamente com o conjunto das orações litúrgicas “são textos de aprendizagem dos dogmas da Igreja, da doutrina dos concílios” por meio de uma abundância de formulações teológicas dos sínodos e do pensamento dos Padres da Igreja. O simbolismo tem objetivo teocêntrico e cristocêntrico. A liturgia tem a tarefa de transmitir “a suprema transcendência de Deus que”, para além de todas as teofanias litúrgicas, “é e permanece sendo mistério impenetrável, tremendo e fascinante, e Cristo, como Kyrios, permite a transformação de todas as realidades. Ele não é jamais coberto ‘pelo homem da dores’, porque n’Ele vivem a força, o poder e a glória”.

O tema da “doxa”, ou seja, da glória final de Deus, cuja obra-prima insuperável é a anáfora de São Basílio, transmite “o caráter escatológico” da liturgia bizantina, particularmente na celebração eucarística: aqui tudo tem função de sinal profético da união apocalíptica entre o céu e a terra. Os cantos repetem que a liturgia é serviço pneumático-extático, aparição icônica do Reino.

Também a prática sacramental é sinal da epifania que vence o determinismo do mundo natural, mais que instrumento comunicador de graça. Sob essa luz, compreende-se também o alto valor teológico dos “ícones” pintados segundo critérios rigorosamente eclesiásticos, capazes de suscitar uma espiritualidade autenticamente contemplativa. O ícone é um documento teândrico que anula a proibição vetero-testamentária de fazer imagens de Deus: ele supõe a encarnação; por isso, o fato cristológico é essencial para que Deus possa ser representado por meio da humanidade de Cristo. Ao ícone presta-se culto de veneração, ou seja, “proskynesis”, que de modo algum é adoração, como afirmou São João Damasceno no II concílio de Nicéia, “787”, evitando a tentação monofisista. A figura de Cristo e as da Mãe de Deus e dos santos são representadas não de um modo naturalista, mas nas semelhanças de uma eternidade criada, imersa na luz do Tabor simbolizada pelo fundo dourado ou branco. O limite espacial que Deus assumiu em Cristo é, à luz da ressurreição, uma janela aberta para a eternidade. Também as cores, juntamente com a forma estilizada das figuras, acompanham a liturgia, significando a transfiguração da criação subtraída à corrupção. Além disso, essa liturgia, já ecumênica em suas origens, o é também em sua dimensão de Igreja local, em cuja assembléia representa-se toda a Igreja de Deus.