A Riqueza da Divina Liturgia


Nossos ancestrais chamaram a reunião dos fiéis de “synaxis” (NT: do grego, syn = junto axis= eixo -> juntos em um eixo), uma convenção: uma comunidade que olha para a eternidade. Servindo juntos em uma comunidade, os fiéis experimentam mais espontaneamente tanto a unidade em Cristo, quanto o poder do Espírito Santo. Eles aprendem como se abrir à Revelação de Deus e nela se abandonar, a experimentá-Lo propriamente e então testemunhar sua experiência religiosa. Nas funções públicas da Igreja, há sempre movimento constante e participação pessoal. Todo ato, gesto e movimento do corpo têm seu significado. As pessoas inclinam seus corpos, suas cabeças, levantam e abaixam seus olhos, mexem suas mãos. Suas vozes sobem e descem em suplicação vinda das profundezas do coração. Cada pessoa realizando um gesto corporal na celebração indica uma realidade espiritual, aclamando-a.
Preparação dos dons
Na Igreja primitiva, apenas aos batizados, aos iniciados e àqueles instruídos na fé era permitido a levar suas oferendas ao altar. Pão e vinho simbolizavam aqueles que eram unidos a Cristo e foram feitos um com Ele através do batismo. Da mesma forma que muitos grãos de farinha e muitas uvas precisam ser esmagadas para termos novas formas de elementos vivificantes que são o pão e o vinho, nós, batizados, também precisamos ser cortados e enxertados em Cristo, voluntariamente se entregando a Ele para ser um com Ele. Com Cristo, que é nosso pão, nós nos tornamos nova vida, vida divina.
Das ofertas materiais do pão e do vinho dos fiéis, os diáconos – e, mais tarde, na história, os padres – selecionavam o que era necessário para o sacrifício e usavam o resto para sua subsistência, ou para aquela dos pobres. A simples cerimônia da oferenda, recebendo, selecionando e distribuindo o pão e vinho, que é a parte humana da aliança, era feita em um lugar especial chamado prothesis ou proskomedia (mesa da oblação). Esta cerimônia se tornou mais elaborada posteriormente e se desenvolveu em uma pequena história, um condensado drama de todo o sacrifício eucarístico.
Entre todos os pães oferecidos , havia um chamado “prósfora’, que representava Cristo e carregava um selo estampado, cuja inscrição era IC XC NIKA (Jesus Cristo, o Vencedor). Quando tal selo é cortado, passa a se chamar cordeiro, o Cordeiro de Deus que representa toda a humanidade. O padre levanta a prósfora e o marca três vezes com a lança que perfurou nosso Senhor no calvário. Cortando fora a parte IC do selo, diz: “E como um Cordeiro sem mancha diante do que o tosquia, não abriu sequer a sua boca. Na sua humildade o seu julgamento foi exaltado. Quem contará a sua geração?”. O sacerdote, enfiando a lança no lado direito do pão, levanta o cordeiro, dizendo: “Porque sua vida é retirada da terra”. E o deposita virado para baixo, perfurando em seguida o pedaço onde está escrito “Jesus”: “Um dos soldados o perfurou com a lança”. O vinho é então derramado no cálice com algumas gotas de água. A memória do Calvário torna-o presente novamente, e o padre anuncia, “…e imediatamente saiu sangue e água . Aquele que viu, deu testemunho e seu testemunho é verdadeiro”.
Outra parte especial é cortada “Em honra e em memória de nossa bendita e gloriosa Senhora, a Mãe de Deus sempre Virgem Maria” e é colocada à direita do Cordeiro, porque, em verdade “a Rainha pôs-se à vossa direita, envolta num manto bordado a ouro”. Outros pedaços são cortados em honra dos anjos, profetas e santos. Cristo é de fato cercado por seus santos. Mais pedaços são cortados para os vivos (igreja militante na terra) e para os mortos (a igreja sofredora no purgatório), a fim de que, pela misericórdia de Deus, sejam reunidos à igreja triunfante no céu em volta do Cordeiro em seu trono.
O padre coloca a estrela na oblação e declara: “A estrela foi e parou sobre o lugar onde estava o Menino”, mostrando a fé na encarnação do Filho de Deus. Aqui está Belém! Mesmo o ato de cobrir as ofertas se torna ocasião de glorificação a Deus: “O Senhor reinou e vestiu-se de majestade, vestiu-se o Senhor de fortaleza e cingiu-se dela. Vossa majestade, ó Cristo, cobriu os céus, e a terra foi repleta de vosso louvor”.
A Divina Liturgia solene
1. A Liturgia dos Catecúmenos (Liturgia da Palavra)
Bendito seja o Reino do Pai e do Filho e do Espírito Santo…
a. Litania de Paz
Toda oração, como todo ato do Cristo, é ordenado em último fim, não só para sua própria plenitude na visão de Deus no céu, mas também para a transformação e consumação de todas as coisas em Cristo. Em Cristo tudo que é é cheio de possibilidades para beleza, verdade, comunidade e justiça. E os cristãos são devotados a tornar todas estas possibilidades realidades neste mundo. Toda a realidade convida-os a responder à bondade com bondade. Tal modo da oração cristã é mais explícito na Litania de Paz, que abre todas as orações públicas bizantinas. Nesta litania, o cristão reúne consigo mesmo todos aqueles que servem ao povo: autoridades tanto religiosas, quanto civis, as cidades, os países e todos aqueles que neles vivem, os viajantes, os doentes e os irmãos esquecidos nas prisões. Os cristãos vivem profundamente em contato com todos os problemas do mundo e sentem a dor da vida humana intensamente. Mas então trazem toda a terra e tudo que ela contém para Deus buscando sua misericórdia, e se dedicam para sua cura e bem-estar.
Quando Cristo subiu na cruz, completou sua missão de espalhar por todo o mundo mais de Si, mais do amor e da salvação, que sempre serão mais que a morte, ódio, egoísmo e pecado. A misericórdia de Deus é uma perpetuação vivificante da divina energia do amor do Redentor, uma doação amorosa que nos santifica e nos diviniza. A misericórdia de Deus não é uma condescendência, um paternalismo, uma “migalha que cai da mesa do Mestre”. A misericórdia de Deus é o Deus mesmo em sua presença transformadora! É Ele o Pão partido por todos, generosamente dado e totalmente rendido. O clamor “Senhor, tende piedade” invoca a presença divina em toda a criação, em toda a humanidade e em todo o mundo, como em um único abraço de Cristo.
b. Procissão do Evangelho e Hino da Encarnação

Historicamente falando, as antífonas foram demonstrações populares e procissões pelas ruas e estradas de uma dada localidade, de igreja para igreja, levando para a igreja principal onde ocorreria a celebração. Essas procissões buscavam reunir em seu caminho «o bom e o pecador, convidando a todos, crente e não-crente, à festa das bodas do Rei» (Mt 22,8). A antífona é um refrão para uma leitura ou declaração retórica constantemente repetida durante o curso da procissão. Sua finalidade é entusiasmar as pessoas com alegria, e ajudá-las a ver a bondade de Deus, que escuta os desejos da humanidade:
Ó Filho unigênito e Verbo de Deus, *que sendo imortal, *e que para nossa salvação, *permanecendo Deus te fizeste homem, *nascendo da santa Theotokos *e sempre virgem Maria, *e foste crucificado, ó Cristo, nosso Deus, *e pela morte venceste a morte. *Tu, que és um *da Santíssima Trindade, *glorificado com o Pai e o Espírito Santo, *salva-nos!
Os ministros formam uma grande procissão com velas iluminadas, coberta com uma nuvem de incenso. O Santo Evangelho incrustado com jóias preciosas, que é o símbolo do próprio Jesus Cristo, é carregado na altura da cabeça do celebrante ou diácono. Essa procissão simboliza a pregação de Jesus na Palestina. Os ceroferários representam João Batista que precedeu Cristo e aplainou seus caminhos. Toda a assembléia se levanta e canta em honra do Senhor que vem. Cada um se inclina profundamente quando passa o Cristo, adorando-o presente em Seu livro da vida. O Evangelho então do meio da assembléia é levado solenemente ao santuário.
O sacerdote, estando na frente do altar, ergue o Evangelho e o mostra ao povo, simbolizando a manifestação do Senhor, quando começou a aparecer entre as multidões. «Assim como os livros do Antigo Testamento são chamados de Profetas, o Evangelho pode ser chamado também de Cristo…» (They have Moses and the Prophets, Lk 16:29). Nicholas Cabasilas, Commentary on the Divine Liturgy, 20 (c.1350 AD)
c. Hinos em Comemoração dos Santos
Depois da entrada do Evangelho e seu entronamento no altar, que é o trono de Deus, o povo continua a celebração com a comemoração dos santos ou de um evento da vida de Cristo. Heróis e benfeitores da humanidade, os santos se entregaram a Deus e a seus irmãos e irmãs. Tornaram-se transparências puras da ação de Deus, e por isso são raios estendidos da encarnação.
d. Hino ao Deus 'três vezes santo' (Trisagion)
Os cristãos se associam aos anjos em seu serviço perante Deus. Esta ligação se faz quando proclamamos com eles a santidade da Trindade divina, como através do canto Trisagion: «Santo Deus»: o Pai, origem, fonte, e lugar de retorno de toda a criação; «Santo Forte»: o Filho, que é Poderoso porque venceu o mal e a morte, obtendo salvação e ressurreição. «É Poderoso porque através dele o Pai foi revelado para nós e o Espírito Santo veio ao mundo» (Vésperas de Pentecostes); «Santo Imortal»: o Espírito Santo, que é vida e vivificante, a quem nada – nenhum mal e nenhum pecado – pode matar ou tirar da alma do cristão.
«Os Pais originalmente receberam dos anjos o ‘Santo, Santo, Santo’ e de Davi, o lembrete de glorificar Deus dizendo ‘Minha alma tem sede de Deus, o único Poderoso, o único Vivente’ (Sl 14,3). Justamente e mais do que de modo apropriado compuseram então o Hino do Trisagion. Para sublinhar a intenção de súplica adicionaram – novamente de Davi – o ‘tem piedade de nós’» (São Simeão de Tessalônica, Treatise on Prayer 24 (c. 1425 AD)).
e. Leituras da Escritura e Homilia
A Igreja escolhe duas leituras para cada domingo: uma das Epístolas e outra dos Evangelhos, que se relacionem com o tempo litúrgico. Por exemplo, durante a Quaresma, uma leitura inclui a parábola de Lázaro e do homem rico, e outra, a parábola do filho pródigo.
Quando o Evangelho é lido, a assembléia fica de pé em honra à Palavra de Deus. «Antes do Evangelho, o diácono vem com o turíbulo e deixa a igreja repleta da doce fragrância para receber o Senhor, lembrando-nos da alma límpida que temos que ter para escutar com atenção as fragrantes palavras do Evangelho» Nikolai Gogol Meditations on the Divine Liturgy (século 19)
«… souberam que ele estava em casa. Reuniu-se uma tal multidão, que não podiam encontrar lugar nem mesmo junto à porta. E ele os instruía». (Mc 2, 1-2)
A história da vida e conquistas de Cristo é chamada de Evangelho, boa nova, porque é precisamente «novas da vida». Nós, cristãos, não lemos, nós proclamamos o Evangelho. Se lido ou cantado, a proclamação do Evangelho tem uma função: transmitir o poder de suas palavras, e se alegrar em estar na presença de Deus.
São João Crisóstomo diz que, «Quando os emperadores iam falar, nós todos clamávamos com uma voz e um só coração ‘Glória a ti, senhor’. Mas quando o Senhor Jesus fala em seu Evangelho, nosso entusiasmo cresce, e em voz alta nós repetimos, ‘Glória a Ti, Senhor, glória a Ti!’», antes e depois da proclamação. As leituras são seguidas da homilia, na qual o padre expõe os significados e os tesouros espirituais para o benefício do povo.
Os catecúmenos (aqueles que não foram ainda batizados) costumavam assistir à Liturgia da Palavra com os fiéis para aprenderem a fé cristã. Depois de terminada, com as orações pelos catecúmenos, eles deviam sair da igreja antes que a liturgia dos fiéis (a Eucaristia) começasse.
2. A Liturgia dos Fiéis (A Eucaristia)
a. A Procissão dos dons
A solene transferência dos dons para o altar é feita. Um sentimento de expectativa percorre toda a assembléia. Engrandecidos pela consciência do que vai acontecer, todos caem em uma humilde, sincera mudança de coração. A purificação dos pecados é realizada. Os fiéis sabem que foram perdoados e santificados. Agora podem encarar seu Redentor e seu Deus, unir-se a Ele, e com Ele sentir sua Unidade. Percebem que nós «misticamente representamos os querubins» e que conseqüentemente devemos pôr de lado «toda a preocupação temporal para que possamos cantar o hino três vezes santo ao Rei do Universo, que vem acompanhado de todas as potestades angélicas».
b. O Ósculo da Paz e a Recitação do Credo
O selo e o sinal do amor de Deus é amar o próximo. Depois de termos obtido o perdão de Deus e feito a paz com Ele, nós agora pedimos perdão uns aos outros. Cada um presente confessa e proclama sua unidade com Cristo, o Amante da humanidade: «Amar-te-ei, Senhor, minha força. O Senhor é minha fortaleza, meu refúgio, e meu libertador!»
Por causa do amor do Senhor que nos realiza com Sua paz e alegria, nós transbordamos de amor. E porque nós sabemos que Cristo nos perdoou, sentimos um urgente desejo de perdoar os outros e ficar em paz com eles. Cada membro da assembléia aperta a mão do outro, abraça-o ou o beija e diz «Cristo está entre nós». O outro responde «Ele está e sempre estará». O beijo de Cristo é um sinal dinâmico no qual os cristãos expressam seu amor pelo próximo antes de partilhar do mesmo pão. É Cristo que nos une a cada um e por cada um, a Deus.
«Se estás, portanto, para fazer a tua oferta diante do altar e te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; só então vem fazer a tua oferta». (Mt5, 23-24)
Uma vez que o amor fraternal do perdão está assegurado, toda a assembléia emerge a recitar o Credo, que articula a fé da Igreja. Recitando o Credo, nós mergulhamos na vida, na vida de Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo. Deus o Criador é um artista, um trabalhador, um inventor, um realizador das coisas e produtor da vida. Desde que Deus é um trabalhador-artista, toda a Sua criação é boa. O Filho é um salvador e amante. «Por nós homens e para nossa salvação», Ele viveu, sofreu, morreu, ressuscitou, ascendeu e vai retornar. O Espírito Santo é vida, doador da vida e eterna alegria. Cristãos que proclamam no Credo sua aceitação da vida em Deus, Pai-Filho-Espírito Santo, entram no domínio da criação, no Reino dos céus, e se tornam prontos para responder à excelência e amor de Deus no cumprimento dos mistérios que em breve se fará no altar. É a glória do cristão declarar que tudo foi planejado e é executado por Deus, não para Seu bem, mas «por nós homens e para nossa salvação». Nós fomos redimidos, não por causa de nosso sucesso ou maturidade de vida, mas por nossos problemas, perigos e também do grande amor de Deus por nós. Nisto, nós encontramos renascimento no amor, ressurreição e vida eterna. Estamos prontos a ir mais fundo nas realidades de Deus e nos tornarmos «eucarísticos».
«Por Ele ofereçamos a Deus sem cessar sacrifícios de louvor…» (Hb 13, 15)
c. Oferecimento (Anaphora)
Depois do sacerdote ter abençoado os fiéis, as ofertas do pão e do vinho são «elevadas ao alto» do lugar terreno para a o divino e santo altar de Deus nos céus, e por isso une a ambos. Nessa ação de levantar, toda a criação encontra seu caminho a Deus que derrama nela o mesmo amor que tem por seu Filho. A salvação é feita presente e real. A Igreja também se torna real – o que é verdadeiramente, a Noiva de Cristo, pura e imaculada.
A anáfora ou o levantamento nos recorda e expressa a realidade do duplo movimento, um de descida e outro de subida. Neste primeiro, Deus desce ao homem e à criação para elevá-los, fazendo-os participantes de Sua vida divina. É chamado de «misericórdia de paz». A misericórdia de Deus é um dom, sua auto-revelação e auto-doação. O segundo movimento é o de subida. O homem é ascendido a Deus para Lhe oferecer ação de graças e adoração. É chamado de «sacrifício de louvor».
Ação de graças e adoração é a resposta do homem ao dom de Deus, sua consciência e reconhecimento da bondade de Deus. O mistério tremendo do Seu poder, condescendência e amor infinito em «descer» e «subir» é encenado no altar em dois sucessivos e dinâmicos movimentos pelos quais a criação e o homem são deificados. Este mistério vai culminar na final e decisiva união do Criador com Sua criatura na Santa Comunhão.
Fiquemos de pé! Fiquemos de pé com temor! Estejamos atentos! Céu e terra escutem! Deus está derramando a Si mesmo sobre nós! Nós adoramos em um grande silêncio. Nós mergulhamos na profundeza da concentração e do arrebatamento de uma visão mística.
Esta «eucaristia» ou ação de graças é a expressão da vida em Deus e do único relacionamento verdadeiro entre homem e Deus. É o que verdadeiramente torna possível tudo que vem depois. A dimensão do verdadeiro significado da vontade de Deus e de sua relação com a criação estão presentes aqui. O Pai planejou desde toda eternidade fazer este mundo, o homem, e colocá-los no espaço e tempo. O Filho se encarnou em sua própria pessoa divina e os salvou por seu oferecimento, sacrifício. O Espírito Santo renova esta salvação e divinização com sua descida na epíclese, da mesma forma que fez em Pentecostes. Todas estas ações divinas na história se tornam atuais e vivas perante nossos olhos. O mundo da fé ganha forma, e o mistério eterno de Deus se torna realidade no tempo.
O Hino Angélico
Mais uma vez os cristãos participam da vida, da função dos anjos e o declaram. Reconhecemos não só que estamos associados aos anjos, porém mais: que tomamos na terra o lugar deles como ministros diante do altar: «Graças te damos também por esta Liturgia que te dignaste aceitar de nossas mãos, apesar de terdes ao teu serviço milhares de Arcanjos e miríades de Anjos, os Querubins e os Serafins…».
Cantando o hino da vitória, clamando, bradando e dizendo: Santo, Santo, Santo, é o Senhor dos Sabaoth; o céu e a terra estão cheios de tua glória. Hosana nas alturas. Bendito seja o que vem em nome do Senhor. Hosana nas alturas!»
De acordo com São Germano, as quatro palavras «cantando, clamando, bradando e dizendo» referem-se ao animal multifacetado que Ezequiel presenciou em sua visão: o cantar se refere à águia, o clamar, ao boi, o bradar, ao leão e o dizer, ao homem. As quatro criaturas são símbolos dos evangelistas.
Surgindo nas asas de nossa dignidade, nós nos juntamos à visão de Isaías para cantar o hino dos céus: «Santo, Santo, Santo!», somando o grito das crianças com a entrada de Jesus em Jeusalém «Bendito seja o que vem em nome do Senhor». O mundo que vem já está presente «cheio de tua glória». Os cristãos alcançam o ápice de sua glória quando vão além do horizonte dos profetas e visionários para contemplar a Trindade com alegria inefável. Nós nos dirigimos primeiro ao Pai.
Consagração
«Tu és Santo e Santíssimo e magnífica é tua glória. Tu que amastes tanto o mundo que deste o teu Filho Unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna». (Liturgia de São João Crisóstomo)
Então nós fazemos memória do Filho: «Ele veio e, tendo cumprido toda a sua missão a nosso respeito, na noite em que foi entregue, ou melhor, em que se entregou a si mesmo para a vida do mundo, tomando o pão entre as suas mãos santas, puras e imaculadas, rendeu graças, o abençoou, santificou, partiu e deu aos seus santos discípulos e apóstolos, dizendo: Tomai, comei, isto é o meu Corpo que é partido por vós, para a remissão dos pecados (Do mesmo modo o cálice, depois de ter ceado dizendo:) Bebei todos dele, isto é o meu Sangue, o da Nova Aliança, que é derramado por vós e por muitos, para a remissão dos pecados».
Os Padres dizem que os cristãos «esperam pelo que já existe» e recordam do que vem já no imediato, porque bebem da fonte da água viva. «Lembrando-nos deste mandamento do Salvador e de tudo o que se realizou por nós: a cruz, o túmulo, a ressurreição ao terceiro dia, a ascensão ao céu, a entronização à direita do Pai, a segunda e gloriosa vinda».
Este é o memorial, que torna presente e manifesta aqui e agora os eventos divinos da vida de Cristo. O memorial cristão não é simples evocação mental de um evento que existiu uma vez no tempo. Mas, evocando os mistérios da vida de Cristo que é ressuscitado, vivo, sempre presente, sempre ativo, fazemo-los presentes com a mesma efetividade e força quando foram realizados por Cristo.
Os ministros em torno do altar e a assembléia estão agora absortos em adoração. O diácono cruza suas mãos, a direita por cima da esquerda para segurar o diskos que fica na esquerda, e a esquerda por baixo da direita para segurar o cálice, à direita. Ele eleva ambos em um gesto feito em direção ao leste, ao oeste, ao norte e ao sul, difundindo Cristo a todos os quatro cantos do universo, ou melhor, reunindo todo o universo nestes quatro movimentos para oferecê-lo em Cristo e com Cristo ao Pai, como o sacerdote diz: «O que é teu, do que é teu, nós te oferecemos em tudo e por tudo». O sacerdote oferece ao Pai «o que é teu» (o Corpo e Sangue de Seu Filho), «do que é teu» (o que é trazido da criação: o pão e o vinho), «em tudo» (em nome de toda a criação), e «por tudo» (para o benefício de toda ela).
Toda a história da salvação, a inteira revelação do amor de Deus, o significado pleno do Cristianismo está manifesto. O pleno valor e todo significado da vida é creditado ao Pai. O Pai reconhece toda a criação em seu Filho e derrama sobre todo universo o mesmo amor que tem por Ele. «Neste oferecimento», diz São Cirilo de Jerusalém, «nós trazemos à presença do Deus Pai os céus, a terra, os oceanos, sol, lua e toda a criação» e caímos em ação de graças e adoração «Nós te louvamos, te bendizemos, te rendemos graças, Senhor, e te suplicamos, ó nosso Deus‘.
O sacerdote se põe de joelhos, pedindo a descida do Espírito Santo: «Te imploramos, rogamos, suplicamos: envia o teu Espírito Santo sobre nós e sobre estes dons aqui presentes». O Espírito Santo vem para nos plenificar e transformar o pão e o vinho por Seu poder em corpo e sangue de Jesus Cristo. Os pecados são perdoados e vida é dada. A Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – nos abraça e nos diviniza. A theosis foi realizada!
Ministros do altar e toda a assembléia se recolhem dizendo «Amém, Amém, Amém!»
Intercessões para a Igreja
A Igreja, a comunhão dos santos, lembra todos seus membros no Corpo de Cristo: os santos que estão nos céus, especialmente a Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, para quem nós cantamos «É verdadeiramente justo glorificar-te, ó Mãe de Deus …», aqueles que partiram deste mundo na esperança da ressurreição, a fim de que descansem em paz, e todos os membros viventes na terra, começando pelos líderes e servos da Palavra de Deus: o nosso Patriarca (Papa de Roma) e nosso bispo (da cidade ou da área).
A Oração do Senhor
A Igreja então canta a oração do Pai-Nosso. A palavra «Pai» nos lábios daqueles que acreditam na mensagem de Cristo fornece poder, dignidade e aumenta seu já sublime papel na criação. Nós somos obrigados a dizer para este «Abba, venha a nós o teu Reino», que significa «domine, seja o único que inspira, direciona e regula nossas vidas». Dizemo-no com um misto de emoções, mas com coragem. «Reino de Deus» significa justiça, paz e amor. Não é simplesmente uma questão de salvação pessoal ou satisfação, mas o estabelecimento de uma nova ordem das coisas. Os que estão no reino dão a quem lhes pede, tratam a todos como crianças de Deus, perdoam sem questionar, resistem ao mal. O Reino é caracterizado, assim, pela cura, pelo perdão, pelo compartilhar, pela reconciliação: todos estes são atos que uma família realiza e nos quais regozija. Deus é Pai, Abba. A pessoa que diz «Pai Nosso» compreende que é unida com todos e que todos são iguais diante dos olhos de Deus, no qual eles todos encontram paz e salvação. Pertencem ao reino: são irmãos e irmãs.
Qualquer um que diga «Pai Nosso» precisa dizê-lo alto, porque é «Nosso». «Nosso» é a palavra da comunidade. Cada membro da comunidade necessita ouvi-lo. Nós o dizemos ainda com nossos braços abertos aos céus, o «Shamaim»: para «todo lugar». É de fato em «todo lugar» que o Abba reside e habita.
d. A Santa Comunhão
O sacerdote, tomando o pão da vida e o mostrando para o povo invoca aqueles que estão sem pecado mortal e estão bem para recebê-lo justamente: «O que é santo aos santos!» O povo é chamado de «santo» por causa daquilo que é santo do que partilham: por causa daquele cujo corpo e sangue recebem.
O sacerdote quebra o Pão Santo, dizendo: «É partido e fracionado o Cordeiro de Deus, que é partido sem ser dividido, que é sempre comido e nunca consumido, mas santifica os que O recebem».
«Então voou a mim um dos serafins, tendo em sua mão um carvão em brasa que ele tomou do altar com línguas. E ele tocou a minha boca, e disse: Ficai atento, isto que tocou seus lábios, removerá suas transgressões e limpará seus pecados». (Is 6, 6-7)
Unindo-se à nossa natureza humana, Cristo fez nossa carne parte de Sua pessoa divina. Quando compartilhamos a eucaristia, nós unimos a Ele e recebemos suas divinas graças.
Ação de graças
«Nós vimos a verdadeira luz; *recebemos o Espírito celeste; *encontramos a verdadeira fé, *adorando a Trindade indivisa, *pois ela nos salvou» Tendo se tornado uma só carne, alma e coração com Cristo, o comungante dispara a cantar um hino de glória e alegria, a alegria e a glória de ser e de existir. Seus pés estão em verdade no chão, mas seu queixo está levantado e sua cabeça se alonga para o mais alto dos céus. Todos seus sentidos estão acordados e vibrantes com a presença de Cristo.
O sacerdote recita as orações de ação de graças e súplicas pela Igreja, pelos governantes, e por todas as pessoas. O povo proclama «Bendito seja o nome do Senhor, agora e sempre …»
e. A Benção Final
O sacerdote dá a benção final para o povo, «A bênção do Senhor desça sobre vós, pela sua divina graça e filantropia, em to-do tempo, eternamente, agora e sempre e pelos séculos dos séculos». «O (Ressuscitado dentre os mortos) Cristo, nosso verdadeiro Deus, pela intercessão de sua purís-sima e imaculada Mãe, pelo poder de sua precio-sa e vivificante Cruz, pela proteção das veneráveis e incorpóreas Potências celestes, pelas súplicas do venerável Profeta e glori-oso e Precursor João Ba-tista, dos santos e glorio-sos Apóstolos, dignos de todo louvor, dos santos, gloriosos e vitoriosos Mártires, de nossos san-tos Padres Teóforos, de nosso pai, entre os santos, São João Crisóstomo, Ar-cebispo de Constantino-pla, de S. N., (titular do templo ou monastério), dos santos e justos avós do Senhor Joaquim e Ana, dos Ss. NN., (santos do dia) cuja festa cele-bramos hoje, e de todos os Santos, tenha piedade de nós, como bom, filan-tropo e misericordioso Deus»
O sacerdote dá ao povo as prósforas ou as partes de uma única prósfora que foram cortadas e guardadas para o grande e venerável costume da «ágape (festa do amor), seguido pelos cristãos nos tempos primitivos. Dessa forma, todos que recebem a prósfora devem tomá-la como pão da festa na qual Cristo, o Criador do mundo, falou por si mesmo ao seu povo, e consumi-lo de forma reverente, considerando que estão cercados por todos os homens como seus queridos e mais amados irmãos. E, como diz a tradição, deve-se ou comer a prósfora antes de todos os outros alimentos, ou levá-la para casa para alguém da família, ou para um doente ou pobre, ou enfim àqueles que não puderam assistir à Divina Liturgia». (Nicolai Gogol, Meditations on the Divine Liturgy)

FONTE: *Retirado em maior parte do “Eyes of the Gospel” do Arcebispo Joseph M. Raya, e do “Ordinários do rito” (em árabe), 1988, do Arcebispo Lotfy Laham (mais tarde, Patriarca Gregório III). Versão original se encontra em Jesus The King