Hino «Phos hilaron» – «Luz Jubilosa»

Hino «Phos hilaron» - «Luz Jubilosa»

Hino antiqüíssimo cantado até hoje no Ofício Lucernário e nas Grandes Vésperas da Igreja Ortodoxa. Muitos estudiosos atribuem sua origem ao I séc. d.C.. Originalmente era cantado na Igreja da antiga Roma, quando a sua liturgia era ainda em língua grega. A primeira documentação sobre o costume de cantar tal hino, vem citada em Basílio de Cesárea na sua obra "De Spiritu Sancto", 29, 73. Isto por volta do ano 375.

«Phos hilaron»

Luz jubilosa da santa glória
do imortal Pai Celeste, Santo,
Bem-aventurado, Jesus Cristo.

Chegados ao pôr do sol,
contemplando a luz vespertina,
nós louvamos o Pai e o Filho
e o Espírito Santo de Deus.

Tu és digno em todo tempo
de ser louvado por vozes puras,
ó Filho de Deus, Doador da Vida,
todo o Universo Te glorifica!

Reflexão sobre o texto

Entre os testemunhos proporcionados por Basílio, ao lado de homens como Clemente de Roma e Ireneu, Orígenes e Gregório Taumaturgo, que atestam a experiência da vida “no Espírito”, Basílio cita igualmente a antiga oração da noite, hoje novamente usada na liturgia [latina]: o Phos hilaron, “Luz jubilosa” (29.73).

Eis como o bispo introduz a oração do lucernário, da qual ele cita apenas um extrato, e nós a damos integralmente:

Um fato ainda, do qual em outras circunstâncias certamente não valeria a pena falar, mas para mim, acusado de inovar, ele é um testemunho que sou obrigado a acrescentar em razão de sua antiguidade.

Nossos pais julgaram conveniente não receber em silêncio a luz da noite, mas dar graças quando ela aparece. Quem seja o pai dessas palavras de ação de graças do lucernário, somos incapazes de dizer!

Nem por isso o povo deixa de repetir a antiga fórmula, e ninguém pensa que se deva acusar de impiedade os que dizem: Nós louvamos o Pai e o Filho e o Espírito Santo de Deus (29.73).

O texto transmitido

A ação de graças do lucernário ou «Phos hilaron», da qual Basílio cita a doxologia trinitária, foi encontrada num manuscrito dos séculos II ou III e editada, em 1815, por J. F. Routh. Depois foi publicada muitas vezes em várias antologias até as “Priéres des premiers chrétiens”, que, em 1952, a deram a conhecer ao grande público. Ela acaba de entrar para a Liturgia das Horas [da Igreja Latina].

A citação de Basílio tem apenas uma variante em relação ao texto recebido: o verbo ainoumen («nós louvamos») em vez de hymnoumen («nós cantamos»). Basílio a chama literalmente «ação de graças à luz das lâmpadas». A liturgia do lucernário dos gregos corresponde mais ou menos às […] vésperas da Igreja Latina. Ela era celebrada ao anoitecer, que no Oriente se verifica mais cedo, quando os fiéis acendiam círios e tochas. Temos um testemunho disso na Vida de Macrina, 25, escrita por Gregório de Nissa.

Análise do Hino

1. Divisão

O hino se divide em três estrofes de extensão desiguaL A primeira se dirige a Cristo, a segunda à Trindade, a terceira, de novo, ao Filho de Deus. Essa alternância aproxima o «Phos hilaron» do «Gloria in excelsis». Existem, portanto, dois pólos: um crístico, o outro trinitário.

Trata-se, não de uma justaposição, mas de uma progressão, como o comentário mostrará. A primeira estrofe se dirige a Cristo, enviado do Pai, a segunda o contempla como Filho no mistério trinitário, a terceira contempla o Filho de Maria em sua filiação divina.

2. Os temas dominantes

Os dois termos que abrem e fecham o hino exprimem os dois temas dominantes na oração: luz e glória. Logo no começo, o tema da luz se afirma. Ele serve de motivo condutor (v. 1, 4-5). Ele é motivado ao mesmo tempo pela hora do dia e pelas lâmpadas acesas, talvez em reação contra o culto do Sol. Veremos como os cristãos interpretavam o simbolismo da luz.

Ligado à luz encontramos o tema da glória (v. 1,11), que abre e fecha o hino. Este se encerra com o termo glória como um acento enfático. Esse tema bíblico foi amplamente desenvolvido pelo Tratado da Trindade. que permite focalizá-lo melhor.

A glória é propriedade de Deus como o poder e a santidade, mas primeira e essencialmente do Pai (5,8; 13,29). O Filho é «a irradiação» da glória do Pai (6,15). Ele é a sua manifestação mais perfeita (Jo 1,14). Essa glória indivisa é comum às três pessoas divinas (6,15).

Dar glória a Deus – doxologia – significa reconhecer e aclamar o mistério de Deus, que se revelou no decorrer de suas várias manifestações e de sua economia. Isso já era verdade no caso dos judeus, mas o é plenamente no caso dos cristãos, que acolheram o Filho no Espírito.

A Igreja e o cristão dão, pois, glória ao Pai «no Espírito» (26,63) no decorrer do tempo e se preparam para participar plenamente de seu mistério (16,42). A doxologia tem, portanto, um sentido atual e, ao mesmo tempo, escatológico.

3. Comentário

A primeira estrofe enraíza em Deus, seu Pai, o Jesus da história e da revelação, Messias prometido a Israel e às nações. Deus Pai é descrito como «imortal, celeste, santo», Essas afirmações são tradicionais: em são Paulo, nas confissões de fé e em hinos como o Glória, (Seria útil pesquisar exemplos no Novo Testamento).

Na Escritura, o tema luz exprime, muitas vezes, a revelação de Deus. Deus ilumina e salva (Sl 27,1; 36,10; 43,3; Mq 7,8: Is 60: 19-20). Deus volta para o homem a luz de sua face e lhe traz alegria e paz (Sl 4,7). (Veja uma Concordância).

O Messias traz a luz, tema caro a Israel. Ele mesmo é o «astro que se levanta e ilumina» (Lc 1,79), «luz das nações e glória de seu povo» (Lc 2,32). Esse tema é orquestrado tanto por são João como por são Paulo. Neste último ele assume uma iluminação pascal (pesquisar exemplos).

Clemente de Alexandria chama Cristo «Sol da alma» (protréptico VI. 68,4) e «Sol da Ressurreição»; Por isso o cristão, para orar, se volta para o Oriente, de onde vem a luz. Clemente cita um fragmento de hino a Cristo que se aproxima do Phos hilaron e, sem dúvida, continua Efésios 5,14:

… e Cristo Senhor te iluminará, ele, o Sol da Ressurreição, gerado antes da estrela matutina, Ele dá a vida por seus raios. (Protréptico 84, 1- 2)

A vinda de Cristo traz a alegria (Lc 2, 10) e a faz brotar onde ele se manifesta (Jo 8, 56). Ela é um componente de seu Reino e se manifesta também à vista das obras e das maravilhas de Deus (Lc 10, 17 e 20; 13, 17). Ela é um dom do Espírito (Gl 5,22:;Rm 14, 17). Essa alegria provém de que Jesus nos manifesta seu Pai e nos introduz em seu mistério, fazendo-nos filhos.

Na segunda estrofe, o pôr-do-sol e a luz lembram ao cristão que o tempo é dom de Deus, pelo qual é necessário dar graças; eles permitem igualmente subir de Cristo à glória de Deus trino, origem e fim de toda a história e termo do itinerário de seu povo.

Diante do dia que morre, o cristão contempla a luz que não morre, a luz eterna de Deus (1Pd 11, 4: 5, 4), para o qual ele dirige seus olhos e seus passos. Como nota Basílio em seu tratado, aqui as três Pessoas estão perfeitamente coordenadas num mesmo e único mistério, termo de toda a procura dos homens.

A terceira estrofe, como o Glória, volta a Cristo, pedra angular de toda a fé e de toda a oração, nosso grande irmão mais velho, para cantá-lo e contemplá-lo na glória de Deus. A sua filiação, da qual ele nos torna participantes, faz surgir em nós a oração: “Vem para o Pai” (Inácio, Rm 7, 2).

A estrofe retoma a aclamação do Apocalipse (4,11: 5, 9-12): «Tu és digno», espécie de confissão das obras de Cristo, as quais motivam o louvor e a oração. «As vozes santas». Esse objetivo é aplicado muitas vezes a Deus mesmo. São Paulo diz que na oração levantamos para Deus «mãos santas» (1Tm 2, 8). o que exprime, ao mesmo tempo, a intensidade de nossa confiança filial, de nossa segurança, fundada em nossa submissão, e de nossa espera.

Toda a missão de Cristo é resumida numa palavra: «que nos dá a vida» (comparar com o hino citado por Clemente de Alexandria). Tema joanino por excelência (11, 25; 14, 6; 17, 3). Vida que não pode ser tomada, que não conhece ocaso e nos abriga em Deus, o Vivente.

A última estrofe se alarga ao cosmo todo como alguns salmos; ele faz eco à oração dos cristãos. As vozes santas exprimem o cântico de toda a Criação.

 

  • HAMMAN, Adalbert – G. Para ler os Padres da Igreja. São Paulo: Paulus, 1995.
  • Fonte: Monasterio de la Transfiguración de nuestro Señor Jesucristo