8º Domingo de São Lucas
«O Bom Samaritano»
No Novo Testamento, samaritano é o nome dado aos habitantes do distrito de Samaria; mas o nome tem profundos matizes religiosos. Para os judeus, os Samaritanos eram um grupo herético e cismático e por isso, eram repudiados e odiados mais do que os pagãos. A origem do cisma entre judeus e samaritanos se aprofunda na primitiva história israelita. Os judeus que se estabeleceram em Jerusalém após o Edito de Ciro (538 a. C) não consideravam a comunidade que habitava no distrito de Samaria, e antigo centro de Israel, como verdadeiros israelitas. Eles eram descendentes de uma população mista de assírios e mesopotâmicos. Essas populações tinham introduzido na terra de Israel o culto a seus próprios deuses.
Essas crenças estrangeiras parecem que não sobreviveram, pois entre as inúmeras agressões por parte dos judeus aos samaritanos, não encontramos acusações que mostrem que os samaritanos adorassem deuses estrangeiros.
Quando a comunidade judaica iniciou a reconstrução do Templo em Jerusalém, os samaritanos quiseram se unir para tal tarefa, mas foram repelidos violentamente. Várias vezes, os samaritanos questionaram a forma que os judeus se utilizavam para reconstruir o Templo. A rixa entre os judeus e samaritanos não se limitava ao campo sociorreligioso, tinha raízes políticas, igualmente. As diferenças políticas, sociais e as disputas de poder minavam as relações de convívio. Como era impossível unir-se para a reconstrução do Templo, os samaritanos construíram para seu povo um novo templo na cidade de Garizim. A partir deste fato então, o cisma entre essas dois povos tornou-se aberto e definitivo, chegando a ponto de os samaritanos atacarem os peregrinos que por sua aldeia passavam a caminho do templo de Jerusalém ou quando de lá retornavam.
A hostilidade entre os judeus e samaritanos emerge diversas vezes na Bíblia. O Eclesiástico (50, 25-26) refere-se a eles como sendo ‘o povo louco’ que vivem em Siquém de «não-nação».
Alguns afirmam que a Jesus, certa vez, foi proferido um grave insulto quando o chamaram de ‘samaritano’ (Jo 8,48).
Lucas, no capítulo nove, narra que uma aldeia samaritana recusou hospitalidade a Jesus e a seus discípulos durante uma viagem da Judéia para Jerusalém. Também os discípulos de Jesus, ficaram escandalizados quando viram seu Mestre conversando com uma mulher samaritana e, mais ainda, quando lhe pediu água para saciar sua sede (Jo 4).
Jesus, por sua vez, quis quebrar esta barreira que separava os filhos de Deus. Na cura dos dez leprosos elogiou a atitude de um samaritano que retornou do Templo para agradecer-lhe milagre (Lc 17). Este é o panorama sociorreligioso, o pano de fundo político sobre o qual o Evangelho deste domingo é construído. Diagnosticamos assim o grau de exigência do amor que Jesus veio revelar. É o amor não puramente humano; é o amor divino, capaz de quebrar preconceitos históricos; o amor que lança seus ramos para além daquilo que imaginamos ser os nossos limites. Para ilustrar esta exigência e grandeza, Jesus responde a pergunta que um conhecedor da Lei o fez: «o que devo fazer para herdar vida eterna?« Jesus lhe cita os mandamentos do amor a Deus (Dt 6,5) e do amor ao próximo (Lv 19,18), coisas que o perito deveria saber! Tentando justificar sua pergunta, ele explica a Jesus que fez tal questionamento, não por desconhecer os mandamentos, mas porque existem dúvidas sobre quem é o «próximo». O Evangelista São Lucas situa esta narrativa em uma viagem que Jesus fez através da Samaria, e põe em relevo a problemática sócio cultural que ali se passava: a questão dos samaritanos.
Então Jesus conta uma história. Alguém desce a serra de Jerusalém em direção a Jericó, pela estrada que sai do Templo e atravessa as escarpas inóspitas do deserto de Judá. É assaltado, e os ladrões o deixam semimorto na beira da estrada. Passa um sacerdote de Jerusalém: desvia-se. Passa um levita do Templo: desvia-se. E passa um samaritano. Este se aproxima, cuida das feridas e leva o homem à hospedaria, dando ao dono uma provisão para que dele cuide nos próximos dias. E Jesus pergunta, mineiramente: «Quem é o próximo do homem que caiu nas mãos dos ladrões?» A resposta se impõe: «Aquele que usou de misericórdia para com o coitado». O senhor doutor poderia ter dito diretamente: o samaritano, mas tal palavra era difícil demais para sair de sua boca… De qualquer modo, teve de admitir, ainda que em termos indiretos, que o próximo era um samaritano.
O «próximo» não depende de origem, raça, instrução ou qualquer outro de nossos critérios de discriminação. Há quem seria «próximo» por natureza, como o sacerdote e o levita, mas não se comportam assim. Há quem é «inimigo» por natureza, como o samaritano, mas se torna próximo do judeu assaltado.
Assim como não existia ruptura mais profunda que a entre os judeus e samaritanos, sendo dissolvida pelo amor, da mesma forma, devemos nos deixar mover pelo amor para romper tudo o que nos possa separar. A amplitude e a profundidade da doutrina do amor de Jesus não podiam exigir ato maior de um judeu: aceitar um samaritano como irmão. Sua doutrina continua a mesma, não se modificou em nada. Mesmo assim há, em tempos atuais, quem queira separações, divisões, rompimentos, distância entre os ‘perfeitos’ e os pecadores, entre os ‘santos’ e os miseráveis entre os ‘puros’ e os maculados.
Não basta que conheçamos o que Deus quer de nós, é preciso concretizar; é preciso agir; é preciso viver. «Filhinhos, nisto sabemos se conhecemos a Deus, se guardamos seus mandamentos. Aquele que guarda os mandamentos de Deus, nele o amor é verdadeiro e perfeito. Quem ama seu irmão permanece na luz. Não amemos com palavras nem com a língua, mas com obras e em verdade» (I Jo). «Quem ama a Deus, não pode deixar de amar cada homem como a si próprio independente da situação, condição e exigência».
(São Máximo o Confessor (+680))
Referências Bibliográficas:
KONINGS, Johan. Descobrir a Bíblia a partir da Liturgia. São Paulo: Ed. Loyola. 1997.
MACKENZE, John Dicionário Bíblico. São Paulo: Ed Paulinas, 1983.