S. João Batista (Decapitação)
SUBSÍDIOS HOMILÉTICOS
«Decapitação do Venerável Profeta e Glorioso Precursor João Batista»
A festa do martírio de São João Batista remonta ao século V, na França, e ao século VI, em Roma. Está ligada à dedicação da igreja construída em Sebaste, na Samaria, no suposto túmulo do Precursor de Jesus. O próprio Jesus apresenta-nos João Batista:
«Ao partirem eles, começou Jesus a falar a respeito de João às multidões: «Que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Mas que fostes ver? Um homem vestido de roupas finas? Mas os que vestem roupas finas vivem nos palácios dos reis. Então, que fostes ver? Um profeta? Eu vos afirmo que sim, e mais do que um profeta. É dele que está escrito: ‘eis que envio o meu mensageiro à tua frente; ele preparará o teu caminho diante de ti. Em verdade vos digo que, entre os nascidos de mulher, não surgiu nenhum maior do que João, o Batista e, no entanto, o menor no Reino dos céus é maior do que ele …’ (Mt 11, 2-11).
O martírio de João Batista liga-se à denúncia profética das injustiças cometidas pelos poderosos, inclusive o luxo da corte, cujo desfecho fatal é a morte do inocente e a opressão dos marginalizados.
Com grande maestria literária, os Evangelistas Marcos e Mateus narram o martírio de São João Batista. Começam descrevendo a situação na corte: a relação ilegítima de Herodes com sua cunhada, as admoestações e as acusações do Batista e o rancor passional de Herodíades.
Celebrava-se o aniversário do Rei em clima de grande festa, onde os convidados se refestelavam com bons vinhos e comidas requintadas. Os convivas vieram de muitos reinos e a ocasião era propícia para demonstrar dons e ostentação da família real para possíveis pretendentes, para selar acordos e mostrar o quanto o Imperador era bondoso. Nestas ocasiões era tradição conceder perdão a algum criminoso ou perdoar as dívidas.
A princesa exibe sua dança num solo onde não houve lugar para erros, conseguindo arrancar aplausos e elogios do público masculino. A ovação foi unânime e, o rei movido pela empáfia e para não fazer feio diante daquela plateia, prometeu dar-lhe tudo quanto aquela jovem moça lhe pedisse, ainda que fosse a metade de seu reino, caso dançasse mais uma vez em sua homenagem. Depois de dançar a moça consulta sua mãe, para pedir a coisa certa.
Herodíades aproveita a ocasião propícia para calar a voz que acusava sua união incestuosa, pedindo a cabeça do Profeta, numa bandeja. A vingança e o ódio despertam na mente ardilosa de Herodíades um “gran finale” para aquele aniversário que entraria para a história. A inesperada petição da princesa coloca o rei numa situação em que a única saída era atender-lhe prontamente, pois tinha jurado e as testemunhas estavam ali diante dele. O rei cede à sensualidade e aos compromissos da corte e manda executar aquele cuja voz era ouvida nos desertos. A festa tem um final macabro denunciando a imoralidade e corrupção que reinavam naquele palácio. João Batista não teve nenhum defensor, todos se calaram esperando o espetáculo, tornando-se cúmplices de um assassinato.
Foi Mártir porque Profeta; foi Profeta porque Precursor. Sua missão era preparar os caminhos para o SENHOR e viveu esta missão de forma plena. Mesmo diante da morte não vacilou, tinha confiança em Deus, pois foi-lhe sempre fiel. Enfrentou as autoridades constituídas mostrando sua personalidade forte, acusando os erros e pregando a conversão.
O Salmo 118 retrata a coragem do Batista:
«Falei de tuas leis na presença dos Reis, sem os temer; pois amo praticar a verdade de tuas leis».
Em outra passagem do Antigo Testamento, encontramos semelhante coragem e confiança em Jeremias, o Profeta, quando o próprio Senhor lhe diz:
«Não te atemorizes diante dos adversários porque eu farei que tu não temas a sua presença (…).
Pelejarão contra ti, mas não prevalecerão porque estou contigo sempre» (Jr 1: 17-19).
Parece que o Precursor não só herdou o dom da profecia como também a coragem e a confiança de seus antecessores.
Sua morte não silenciou as vozes daqueles que denunciam a imoralidade. Sua voz não foi calada! Talvez porque a voz mais perturbadora não seja a que é decifrada pelos nossos ouvidos, mas aquela que grita no mais profundo de nossa consciência.
«A morte de João Batista»
E Deus consentiu-o, não lançou o Seu raio do alto dos céus para devorar o rosto insolente; não ordenou à terra que se abrisse e engolisse os convidados daquele hediondo banquete: Deus dava assim uma mais bela coroa ao justo e deixava uma magnífica consolação àqueles que, no futuro, seriam vítimas de injustiças semelhantes.
Escutemos, então, todos nós, os que, apesar da nossa vida honesta, temos de suportar os maldosos… O maior dos filhos nascidos de mulher (Lc 7: 28), foi levado à morte a pedido de uma filha impudica, de uma mãe perdida; e isso por ter defendido as leis divinas. Que estas considerações nos façam aguentar corajosamente os nossos próprios sofrimentos …
Mas repara no tom moderado do Evangelho que, na medida do possível, procura circunstâncias atenuantes para este crime. Em relação a Herodes, faz notar que ele agiu «por causa do seu juramento e dos convidados» e que «ficou penalizado»; em relação à rapariga, ele refere que ela foi «induzida por sua mãe»… Nós, também, não odiemos os maus, não critiquemos os erros do próximo, escondamo-los o mais discretamente possível; acolhamos a caridade na nossa alma. Pois sobre esta mulher impudica e sanguinária, o Evangelista falou com toda a moderação possível …
Tu, pelo contrário, não hesitas em tratar o teu próximo com maldade… Muito diferente é a maneira de agir dos santos: eles lastimam os pecadores, em vez de os maldizer. Façamos como eles: lamentemos Herodíade e aqueles que a imitam. É que se veem hoje muitas refeições do gênero da de Herodes; Nelas, não se leva o Precursor à morte, mas despedaçam-se os membros de Cristo.
«És tu aquele que deve vir?»
O Senhor, sabendo que sem o Evangelho ninguém pode ter uma fé plena – porque se a Bíblia começa pelo Antigo Testamento, é no Novo que ela atinge a perfeição – não esclarece as questões que lhe põem acerca dele próprio por palavras, mas pelos seus atos. “Ide, disse ele, contai a João o que virão e ouviram: os cegos veem, os coxos andam, os surdos ouvem, os leprosos são purificados, os mortos ressuscitam, a Boa Nova é anunciada aos pobres”. Este testemunho é completo porque foi dele que profetizaram: «O Senhor liberta os prisioneiros; o Senhor dá vista aos cegos; o Senhor ergue os caídos… O Senhor reinará eternamente» (Sl 145: 7s). Estas são as marcas de um poder não humano, mas divino…
Contudo estes não são ainda senão os menores exemplos do testemunho trazido por Cristo. O que funda a plenitude da fé, é a cruz do Senhor, a sua morte, o seu sepulcro. É por isso que, depois da resposta que citamos, ele diz ainda: «Feliz daquele que não cair por minha causa». Com efeito, a cruz podia provocar a queda dos próprios escolhidos, mas não há testemunho maior de uma pessoa divina, nada que mais pareça ultrapassar as forças humanas, que esta oferta de um só pelo mundo inteiro. Somente por isso o Senhor se revela plenamente. Aliás, é assim que João o designa: «Eis o Cordeiro de Deus, eis aquele que tira o pecado do mundo» (Jo 1: 29).