A Impossível Comunhão Eucarística
Uma Amarga Medicina Ecumênica
Para um cristão ortodoxo, empenhado não só no movimento, mas também no espírito ecumênico, não há problema mais doloroso do que nossa não hospitalidade eucarística. Após tantos gestos simbólicos de abertura, de amizade, de reconhecimento da plena validade da vida religiosa do outro, chegamos exatamente ao coração de nossa fé, ao mistério eucarístico, e de novo descobrimos que este coração está dividido. Como se estivessem divididos espírito e verdade: o primeiro, que ama “o irmão separado” e vai onde o manda o coração; a segunda, porém, imóvel, petrificada, constituída pelas pedras preciosas de nossas tradições. Não finjamos que as nossas verdades sejam feitas de matéria tão leve que permita-lhes infiltrar-se nas dobras de nosso espírito.
A fé, mesmo descoberta do zero, em idade adulta, é sempre herdada e investe cada um de nós com a sua responsabilidade para com aqueles que a plasmaram e viveram entre nós.
Muitas vezes a Ortodoxia se denomina “a fé de nossos pais” e cada filho, se em algum dia resolve fazer tudo a seu modo, no dia seguinte perde sua identidade. Não é mais um filho, mas um estranho cujas ovelhas não lhe conhecem a voz (Jo 10,5). Por isso, para um ortodoxo que tem a paixão pela unidade, o ecumenismo – o que os outros cristãos nem sempre compreendem – é como um navegar com uma vela com dois mastros. Num está o peso da sua fidelidade, da paternidade espiritual, dogmática, canônica, institucional.
Sobre o outro mastro nada há além do sonho, a saudade, o desejo de estar plenamente unido em Cristo com todos os outros que participam deste mistério, comungam desta luz, reconhecem o seu Deus naquela face humana e no reflexo de sua imagem na face do próximo. Afinal, o que fez o ecumenismo um século após seu nascimento? Uma coisa essencial, indispensável, mas simples: conseguiu convencer a maior parte dos cristãos de que os hereges e cismáticos do passado não só são seres humanos dignos de respeito, mas também “irmãos em Cristo”, apesar de separados. Esta descoberta, que hoje parece tão óbvia, foi o principal objetivo de nosso caminho, mas também o ponto de partida. Tomamos consciência de que o termo “irmãos separados” nada mais é do que a estação de desembarque, o verdadeiro caminho donde partir.
Se a separação humana, mística, em parte também espiritual, estava vencida, se a divisão doutrinal foi um pouco superada, a última e mais difícil vitória permanece o “afastamento” eucarístico.
Mas como? Não há vitória mais fácil do que suprimir as diferenças teológicas, que à época pareciam tão essenciais, as “tradições dos antigos”, para desvalorizá-las radicalmente. Neste caso, o movimento tem de dar uma parada, chegamos à estação final, todos permanecem em seus asilos eclesiais com regular e amigável troca de visitas eucarísticas em mesas diferentes, mas cobertas para todos. Por acaso cremos que seja este o tipo de unidade que Cristo espera de nós? Que sejamos reconhecidos como seus discípulos com esse ideal de amor que faz desabrochar a indiferença?
“Que bela alma cristã possuis”, num dia disse um monge do Athos ao padre (futuro cardeal) Yves Congar. “Se tivesses sido batizado, até poderias salvá-la”. Nessa intransigência, porém, que não está isenta de amor e de dor pela perda eventual de um próximo, ao menos existe clareza e honestidade.
A honestidade do movimento ecumênico foi substituída pela alegria da fraternidade universal. Sim, a alegria é uma forte mensageira da esperança, mas não a única. Quanto mais o ecumenismo caminhar, mais serão insuficientes as coisas já adquiridas: o reconhecimento recíproco do batismo, a possibilidade da oração comum, a concordância em algumas fórmulas teológicas. O sonho da unidade inevitavelmente se confronta com o mistério eucarístico, esculpido nas palavras e conceitos aos quais aderimos com força, com os quais não podemos fazer compromissos, mas que para os outros se tornam como pedras de nossos corações…
Talvez, na unidade que se constrói ocultamente, deva também chegar o momento do sofrimento. A alegria deve andar junto com a dor à qual denominarei o remédio ecumênico, com a amargura da hospitalidade impossível, porque antes que os filhos possam se unir também os pais devam ser reconciliados. Antes de chegar à mesa comum devemos também descobrir o Cristo comum, plenamente reconhecido na fé de um outro, mas também vivido com a mesma plenitude espiritual na Eucaristia. Ainda estamos divididos. Queremos nos unir. “Sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15,5).
FONTE: Revista “JESUS” – Nº 12 / Dezembro/2003.
Tradução de Pe. José A. Besen – ITESC – Florianópolis, Janeiro/2004.