A Promessa do Pai: A experiência do Espírito Santo na Igreja Ortodoxa

A experiência do Espírito Santo na vida das pessoas e por consequência na vida da Igreja, constitui-se como elemento central da fé cristã. Somente a partir do Espírito Santo é que vamos discernindo o rosto do verdadeiro Deus que se revela na história humana.
O livro de Henryk Paprocki sobre a experiência do Espírito Santo na Igreja ortodoxa dá-nos um “novo” olhar sobre a terceira pessoa da Santíssima Trindade e nos encaminha para o mistério trinitário que se abre a nós como “kairós”, tempo de graça e vida plena.
O livro é dividido em três partes, sendo que a primeira trata dos “fundamentos bíblicos da pneumatologia”; a segunda parte da “aquisição do Espírito Santo”; e por fim fala da “experiência do Espírito Santo” na liturgia ortodoxa.
O autor começa falando dos concílios onde foram abordados temas sobre o Espírito Santo e nos quais se refletiu muito até chegar-se à definição da divindade do Espírito Santo. A partir disso, ressalta a importância da corrente hesicasta como sendo aquela que muito contribuiu para o desenvolvimento da pneumatologia ortodoxa (p.11).
Nessa mesma corrente, exalta os grandes mestres e Santos da Igreja Ortodoxa que desenvolveram o tema (pp.11-12-13). Argumenta que a liturgia e a iconografia são as duas fontes da tradição de que os teólogos se servem para falar do Espírito Santo.
Nesta primeira parte, da fundamentação bíblica a partir da experiência de Lucas, o autor afirma que o Espírito que desceu no Pentecostes inaugurou o “Tempo do Paráclito”, ou seja, o tempo em que definitivamente o Pai dá o Espírito Santo a todos os seres humanos e faz desse mesmo Espírito Santo Senhor da história e na história (pp.21-22). Por isso, a meta da peregrinação terrestre da Igreja não é tal ou tal fato histórico, mas a descida do Espírito Santo, que não está somente no fim, mas no começo da história (p.24).
Sendo assim, por intermédio dos apóstolos, é todo o cosmo que recebe o Espírito Santo. Porque a Igreja é a iluminação do mundo, e o Espírito Santo lhe é dado como penhor (2Cor 1,22), como missão e como talento a fazer frutificar (p.26). Interiormente, pela presença do Espírito Santo, o Reino de Deus já está presente, mas exteriormente, no mundo em que nos movemos, está presente um outro “espírito”, o de Satã, do qual devemos esperar as mesmas tribulações que sofreu Cristo.
Na perspectiva joanina, o Espírito Santo é aquele que, descendo do céu, traz o Cristo encarnado uma segunda vez (Jo 14,16-19) e temos a revelação do mistério da permanência de Cristo no mundo pelo ou no Espírito Santo (p.33). Na primeira aparição de Cristo no Cenáculo aos apóstolos, o dom do Espírito Santo que ele concedeu é, em João, antecipação do Pentecostes. Pentecostes, nessa visão, é reconhecido como o tempo da ressurreição e como a Parusia inaugurada (p.39). Da mesma forma, a Ascensão não significa ausência, mas a nova presença de Cristo entre seus discípulos (p.41).
O autor fala do Espírito Santo, enquanto pessoa, como sendo aquele que se revela visivelmente na transfiguração, juntamente com o Pai e o Filho. A fonte do Espírito Santo e do Filho é o Pai, e Cristo é aquele que “envia” o Espírito Santo (p.44). A hipóstase do Espírito Santo se oculta em sua ação potencialmente em cada pessoa, que, deificada, se torna como que o “espelho do Espírito”. Nesse contexto, Maria Mãe de Deus é o ser humano por excelência, a imagem hipostática do Espírito Santo.
Na segunda parte, o autor nos fala que a ideia do reino de Deus e a do Espírito Santo têm semelhança formal (p.55). Espírito Santo e Reino de Deus são sinônimos, isto é, o Espírito Santo é o Reino de Deus. Por isso, pedir a vinda do Reino é o mesmo que pedir o Espírito Santo, e aqui se verifica a quênose do Espírito Santo (p.56). No entanto, segundo São Serafim de Sarov, a finalidade da vida cristã é a aquisição do Espírito Santo.
A ideia da Páscoa é colocada como sendo a que foi conservada pela ortodoxia graças à teologia do Espírito Santo, pois a ressurreição de todos realiza-se pelo Espírito Santo (p.62). Ele é o autor de nossa ressurreição como o é da ressurreição de Cristo (1Pd 3,18). A ressurreição é a parusia já realizada (Mt 16,28; Mc 9,1; Lc 9,27), pois o Espírito Santo não só ressuscita e torna próximo o mundo por vir, mas também julga e “convence de seu pecado” o mundo presente.
Na doutrina palamita, a Santíssima Trindade se manifesta nas energias de Deus (p.70). Elas provêm eternamente da natureza de Deus, exprimindo a existência de Deus para nós, sendo o próprio Deus revelando-se a nós. A fonte e o doador das energias trinitárias deificantes que atualizam a salvação é o Espírito Santo, que participa das energias de Deus, no-las comunica e nos torna aptos a recebê-las. Portanto, toda a energia provém do Pai e se comunica pelo Filho no Espírito Santo. É por isso que, adquirir o Espírito Santo e estar transfigurado é a mesma coisa, ou seja, a graça do Espírito Santo é a luz que ilumina o ser humano (p.80).
Na terceira parte, o autor nos fala sobre a experiência do Espírito Santo na Igreja, nos sacramentos e como artífice da unidade. O autor afirma que mesmo o Espírito Santo não sendo suficientemente conhecido em sua ação, precisamos compreender que Ele, e o Pai e o Filho, formam o fundamento da Igreja. Na Igreja, o Espírito Santo está presente da mesma maneira que em Cristo. Por isso, ele é o principio ativo de toda obra de Deus e sua quênose começa na Igreja a partir do Pentecostes e estende-se por todo o mundo em seus dons e carismas.
O padre ortodoxo Sérgio Boulgakov, nos fala de Maria como sendo a imagem hipostática do Espírito Santo, pois Ela é a escolhida por Deus, como a “intermediaria” da encarnação e a figura da Igreja (p.96). Portanto, afastar-se dela equivale a privar-se dos dons do Espírito Santo.
Os sacramentos são entendidos como antecipação da parusia na vida da Igreja (p.99). Principalmente pela Eucaristia, recebemos o Cristo como “presença real” e, cada vez que a recebemos, recebemos o Espírito Santo. Separar-se da Eucaristia é separar-se da Igreja, porque a assembleia eucarística é a expressão da Igreja em sua plenitude.
A unidade eucarística em Cristo e no Espírito Santo não realiza uma transformação mágica no ser humano, mas o torna digno, pelo poder do Espírito Santo, de participar do mistério do Cristo ressuscitado, e cria a comunidade (koinonia) de participação no corpo ressuscitado de Jesus. Por isso, a liturgia e a iconografia ortodoxa exaltam o Filho e o Espírito Santo como sendo doadores de toda a vida da Igreja através dos sacramentos que a constituem.
Presente na assembleia, descendo sobre os elementos materiais para transformá-los, o Espírito Santo é a figura central da liturgia (p.117).
Pela sua glória atualiza-se a presença de Cristo Senhor ressuscitado sob as espécies do pão e do vinho, e nós recebemos o dom da comunhão.
Como artífice da unidade, o Espírito Santo é entendido como aquele que vivifica todos os membros que estão no Corpo (Igreja).
Pois, na compreensão de Santo Agostinho, pela ação do Espírito Santo a Igreja é Corpo de Cristo ressuscitado, comunidade de vida e plenitude da ressurreição (p.120). Toda a unidade da comunidade eclesial é sinal exterior da graça e, ao mesmo tempo, sinal (sacramentum) e mistério (mysterium) da presença de Cristo.
A Igreja é a vida cheia de graça no Espírito Santo; ela pertence ao mundo de Deus, mas existe na história, ou seja, o eterno aparece no temporal. Como Igreja universal de Cristo, a Igreja é sempre una, pois não existem vários corpos de Cristo, mas um só corpo. Da mesma forma, a Eucaristia não é propriedade de nenhuma Igreja, porque Cristo não é propriedade da Igreja.
Enquanto organização, o autor alerta que a colegialidade é o fundamento da unidade da Igreja e significa liberdade. Por isso, ela é unidade no amor e na liberdade, é um contínuo processo de união espiritual. A Igreja é sempre plena, infinitamente rica e sempre igual a si mesma, porque encerra a plenitude de tudo e é dirigida pelo Espírito Santo (p.134). No entanto, o Espírito Santo sempre agiu e age sem a Igreja, porque é maior do que a Igreja, Ele é o artífice da unidade dos homens, porque sua ação ultrapassa os limites da Igreja institucional. Nesse sentido, a comunhão dos santos é a participação dos pecadores nas coisas santas. A argumentação final do autor é que a Igreja não está sempre se reformando, mas evoluindo na direção de Cristo, que vem no Espírito Santo.
Creio que a reflexão de Paprocki nos ensina a grande riqueza da experiência pneumatológica das Igrejas Orientais. Mais que isso, nos leva a uma compreensão do Espírito Santo como sendo aquele que é uma presença constante e que exige um “voltar-se” autêntico do ser humano para Deus.
Com uma compreensão muito próxima da pneumatologia católica, o autor reforça com sua obra o “senhorio” do Espírito Santo e chama toda a Igreja a reconhecer no Espírito Santo a presença salvadora e deificadora do Pai e do Filho.
Artigo publicado em:
Encontros Teológicos nº 48, Ano 22 / número 3 / 2007
HENRYK, PAPROCKI, A Promessa do Pai: A experiência do Espírito Santo na Igreja Ortodoxa. São Paulo, Paulinas, 1993.

