O Sacramento da Penitência e Confissão

Mistério
A palavra mistério, no sentido sacramental, indica a entidade ou realidade que está oculta aos não crentes, e que é concebida e assimilada na comunhão da Igreja. São Nicolau Cabasilas descreve os Sacramentos como canais celestiais através dos quais o Senhor introduz os fiéis em seu Reino, uma porta que se nos abre para a Presença do Senhor.
O Mistério, no final das contas, é a providência salvífica de Deus, é Cristo (Col 2:3), «o mistério envolvido em silêncio desde os séculos eternos» (Rom 16:25. Veja também Ef 1: 9-10; Ef 3: 5, 6, 9), é o mistério do amor infinito de Deus. Toda obra realizada no Espírito Santo pela edificação da comunidade é um mistério, na concepção ortodoxa.
Penitência
O vocábulo grego «μετάνεια» (metania), que significa «penitência», é composta por duas palavras: «μετα», que significa «mudança», e «νοός» que indica «o olho espiritual da alma». Temos então que, a penitência é a mudança de mentalidade, atitude e curso da vida. É uma mudança existencial que se dá não pelas forças humanas, mas pelo poder divino. Esta verdadeira penitência é um retorno do ser humano ao seu estado natural (primigênio). Quando o homem volta à sua natureza própria dá-se então a reconciliação e torna possível a comunhão com Deus.
Os Padres asseguram que ela haverá de ser constante, até a morte. Diz Santo Isaac, o Sírio: «Penitência é necessária para quem quer que busque a salvação, seja pecador ou justo; porque a perfeição não conhece limites. Até a perfeição dos espiritualmente avançados pode minguar. É por isso que a penitência não cessa até a morte». A literatura monástica nos fala sobre São Sisoé: quando ele estava prestes a partir deste século, seu rosto irradiava como o sol. Aos Padres que o cercavam, ele disse: «Eis que vejo os anjos que se aproximam para me levar, e peço que me deixem um pouco mais para me arrepender». Os anciãos lhe diziam: «Tu não precisas de arrependimento, ó nosso pai». E ele respondeu: «Sinceramente, duvido que a tenha iniciado». Então todos entenderam que estatura sublime de santidade ele tinha alcançado.
E para compreender a constância da penitência, devemos nos livrar da concepção superficial que a identifica com mera culpabilidade por uma certa atitude danosa, ou com a dor ou medo de feridas que podemos ter causado a nós mesmos ou aos outros. Embora esses sentimentos sejam elementos necessários, eles não são em si a penitência total, nem mesmo sua dimensão mais essencial. A Penitência não é necessariamente uma crise emocional, mas é o reposicionamento de nossa vida em um novo eixo: a Santíssima Trindade. Santo Teofane, o Recluso diz: «Enquanto um certo ambiente estiver imerso na escuridão, não se pode ver sua desordem e sujeira; mas, tão logo é iluminado com uma luz intensa, poderemos ver até mesmo o menor grão de poeira. É como se passa com nossas vidas, pois a ordem das coisas não consiste em arrepender-se para depois acolher a Cristo, antes, a luz de Cristo que penetra em nossas vidas é que nos faz perceber verdadeiramente nosso pecado pessoal». Testemunha desta ordem espiritual é a visão do profeta Isaías: primeiro ele observa o Senhor sentado no Trono e ouve a voz dos Serafins clamar: «Santo, Santo, Santo!», e logo lamenta, dizendo: «Ai de mim, que estou perdido, pois sou um homem com lábios impuros!» (Is 6:1-5). O início da penitência é observar a beleza e a glória de Deus, não minha feiura e miséria. São Paulo nos diz: «a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação» (2 Cor 7:10). Portanto, não se trata de uma tristeza melancólica que olha para nossos defeitos, mas para o alto, para o amor de Deus; não tanto para trás com remorso e culpa, mas para a frente com confiança e gratidão; não se fixando no que não fomos capazes de realizar, mas sim no que podemos realizar pela Graça de Cristo.
A vida cristã não consiste em acatar certos mandamentos, porque a lei antiga foi transformada em lei espiritual escrita em nossos corações. Obedecemos a Deus não por medo ou esperando recompensas, mas porque O amamos. Arrependemo-nos, não porque transgredimos uma certa lei, mas porque estamos constantemente buscando a Deus. Pecamos, não por desobedecer a algum mandamento, mas por empobrecer-nos no amor vivendo longe da Sua Graça. O padre confessor ajuda o crente, não apenas a descobrir as coisas negativas que fez, mas também as positivas que deixou de realizar. Este primeiro passo, que é o mais difícil, consiste em que o homem reconheça interiormente seu pecado. Santo Isaac, o Sírio, diz: «O que reconhece seu pecado é mais importante que o que ressuscita um morto».
Confissão
Confissão é a expressão da penitência previamente na alma. O homem se arrepende no mais profundo de seu ser, e isso o estimula para a confissão total. São João nos diz: «Se dissermos: ‘Não temos pecado’, nos enganamos e a verdade não está em nós. Se confessamos nossos pecados, fiel e justo é Ele para perdoar-nos os pecados e purificar-nos de toda a injustiça» (1Jo 1:8-9).
No início da Igreja, a confissão era praticada diante de toda a assembleia; mas, posteriormente, e por razões pastorais, a partir de uma ordem do Patriarca Nectário de Constantinopla, a prática comunitária da confissão foi atenuada naquela cidade e paulatinamente nos demais Patriarcados; e concluiu-se definitivamente que a confissão dos pecados deveria ser feita perante o sacerdote de forma individual, pois, além de escutar a confissão, ele orienta e instrui o penitente, de tal forma a tornar a confissão uma experiência de renovação ou extensão do santo Batismo. «Atrevo-me a dizer que o manancial de lágrimas que surge após o batismo é ainda mais importante do que o batismo: nós, que recebemos o batismo quando ainda crianças, voltamos a manchá-lo; no entanto, através das lágrimas, devolvemos à sua pureza original», diz São João Clímaco.
São Siluan de Monte Athos diz: «Como sabes que Deus te perdoou os pecados? Se odeias o pecado, se sentes compaixão pelo pecador, se te alegras com aquele que se arrepende de suas faltas, se perdoas teus devedores, tudo isso indica que Deus te perdoou. Se amas, é porque o amor de Deus habita em ti. O penitente sofre com todos e, particularmente, com aqueles que não conhecem a Deus».
E, não seria suficiente confessar a Deus?
Diz São Tiago, irmão do Senhor: «Confessai-vos, pois, mutuamente vossos pecados uns aos outros e rezai uns pelos outros para que sejais curados» (Tg 5:16). São Doroteo de Gaza (século VII) enfatiza que aquele que não tem um guia em sua vida espiritual se assemelha a uma folha no outono que, privada da seiva da árvore, seca e cai do galho e, consequentemente, é pisoteada e menosprezada. «Os que encobrem suas faltas, isso não lhes fará bem; os que as confessam e as abandonam alcançarão misericórdia», diz o livro de Provérbios (Prov 28:13).
O cristão se arrepende diante de Deus e de seus irmãos, e seu arrependimento o faz buscar a reconciliação. O sacerdote, como representante da comunidade dos fiéis, é testemunha, guia e ministro do Mistério: «Aqueles a quem perdoardes os pecados lhes são perdoados; e àqueles a quem os retiverdes lhes são retidos (Jo 20:23). Isto não deve ser compreendido sob uma perspectiva legal ou protocolar, mas como um dom espiritual concedido aos discípulos para guiar as almas à penitência. O sacerdote não é dono do perdão, mas servo do Mistério. É Deus quem perdoa as transgressões dos homens, e o sacerdote pede por isso em nome de Cristo Jesus: «Meu filho espiritual, que te confessas ante minha indignidade: eu, indigno e pecador que sou, não posso perdoar qualquer pecado sobre esta terra, mas é Deus aquele que perdoa. Porém, confiante naquela divina instrução recebida pelos Discípulos após a Ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo, que disse: ‘Aos que perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; aos que os retiverdes, ser-lhes-ão retidos’, eu digo que tudo o que confessaste à minha humilde pessoa e tudo o que não confessaste por ignorância ou esquecimento, seja o que for, que Deus te perdoe no presente tempo e no futuro» (Eucologio, Sacramento da Penitência).
A confissão não deve ser considerada e observada na perspectiva da punição, do castigo e da justificação, mas como alívio e cura. O homem só não é capaz de alcançar a salvação (justificação) por esforço próprio – chame-se de «confissão» ou de qualquer outro nome – de modo que a penitência não será jamais um meio de expiação, mas de medicina, e confissão uma operação cirúrgica que busca levar os enfermos à cura plena. Trata-se, pois, de atitudes positivas e não negativas: não de fazer desabar o muro que separa o pecador de Deus, mas de construir uma ponte que possibilite a comunicação com Ele.
Por que chamamos o sacerdote de «pai» (padre) se sabemos que só Deus é Pai (Mt 23:9)?
Em sua carta, São Paulo diz aos coríntios: «Não escrevo estas coisas para que vocês fiquem envergonhados; pelo contrário, para admoestá-los como a meus filhos amados. Porque, ainda que vocês tivessem milhares de instrutores em Cristo, não teriam muitos pais, pois eu gerei vocês em Cristo Jesus, pelo evangelho». (1Cor 4:14,15).
São João Crisóstomo, comentando essas palavras do apóstolo São Paulo, enfatiza que a diferença entre o pedagogo e o pai está em que este se encarrega de seu filho, cuida constantemente dele e dá a sua vida por ele. E, em outra ocasião, ele mesmo diz: «É verdade que Deus é o único Pai, o único Santo, como fonte de paternidade e santidade. O pai espiritual – ou o santo – obtém dessa fonte a sua paternidade, tendo recebido o dom do Espírito Santo». A Tradição Eclesiástica consiste em transmitir a fé através da paternidade, de modo que o Sacramento da Confissão é o mistério da renovação do nascimento espiritual.

A Prática Ortodoxa da Confissão
Como ocorre em todos os Sacramentos, assim também no da Confissão, o padre jamais emprega a fórmula: «Eu te absolvo de teus pecados», mas humildemente pede que o Senhor aceite a confissão dos fiéis: «Ó Senhor, nosso Deus, que concedeste a Pedro e à adúltera o perdão dos pecados por meio das lágrimas, e justificaste o publicano quando ele reconheceu suas culpas, aceita a confissão de teu servo (tua serva N. …)… pois só a ti pertence o poder de perdoar os pecados…» (Eucologio, Sacramento da Confissão).
A confissão é dirigida a Deus: «Cristo está invisivelmente presente para ouvir tua confissão». E Deus é quem perdoa e dá em abundância a sua misericórdia.
O sacerdote confessor é homem de oração que tem paz interior e procura conduzir os fiéis nos caminhos do Senhor. Por isso, a Confissão é concebida como um contato pessoal, uma relação viva entre pai e filho, na qual não há necessidade de confessionários ou separadores; basta ter nesta reunião o ícone de nosso Senhor Jesus Cristo que confirma sua Presença. É bom, pois, sentir vergonha do estado pecaminoso e do nosso mau comportamento, mas é ainda mais importante ter a humildade de confessá-los, e o desejo e esperança de corrigir o caminho: «Dai frutos dignos de conversão» (Lc 3:8).
A oração de absolvição é concedida aos penitentes como um selo da alegria da Graça de Deus que o acompanhará em sua luta espiritual e, portanto, não é uma arma mágica de justificação. Assim, o costume de pedir absolvição antes da Comunhão sem se confessar adequadamente é estranho à tradição da Igreja. O padre recita em uma oração do Ofício: «[…] não te preocupes com os pecados confessados, mas vá em paz». A absolvição é o selo de confissão sacramental e não um protocolo preparatório antes da comunhão. Não se pode jamais se aproximar da Santa Comunhão com a sensação de estar «justificado»; e todas as orações e súplicas, pessoais e comunitárias, pedem o «perdão e a remissão de nossos pecados e culpas», como dizemos em uma das Litanias. Então, a comunhão frequente não implica frequente «absolvição», mas penitência constante e «espírito contrito»; no entanto, em certos momentos de peso no coração e sensação de gravidade na consciência, o homem precisa recorrer à medicina da confissão; é então quando o sacerdote confessor recita sobre a cabeça do penitente a absolvição, confirmando a reconciliação com a Igreja e a reintegração no Corpo do Senhor. Unicamente em ocasiões de enfermidades graves ou mentais é concedida absolvição sem confissão prévia.
Conclusão
A Igreja nos encoraja e estimula a praticar a Confissão assiduamente para assim descobrir a profunda alegria da penitência; em vez disso, a negligência em frequentar o Sacramento nos faz perder a harmonia de nossa marcha espiritual. Pela Confissão, as janelas da alma se abrem para receber com humildade e gratidão a luz de Cristo que penetra e ilumina qualquer escuridão.
Artigo escrito pelo Arquimandrita Ignacio Samaán, retirado do livro «Átrios do Senhor», editado pela Arquidiocese Antioquina do México, Venezuela, América Central e o Caribe