Surpreendido Por Cristo – uma Resenha.


O livro é uma autobiografia do Pe. James Bernstein editada pela Editora São Savas que apresenta em sua capa o desenho de um iconostásio com elementos sagrados próprios do interior de uma Igreja Ortodoxa.
Logo no primeiro capítulo percebe-se que é uma narrativa leve na primeira pessoa contendo mesmo passagens bem humoradas da vida familiar do Pe. James, como quando ele relata o talento da mãe adquirida em longas travessias marítimas de remover lêndeas dos filhos. Humor que contrasta com o título do capítulo Criado à Sombra do Holocausto, já que trata-se do dia-a-dia de uma família judia que guardava memória recente dos fatos tenebrosos da 2ª Guerra Mundial.
Na sequência ele começa a tratar de sua conversão ao cristianismo e, em seu contexto, do primeiro contato quase criminoso que teve com o Novo Testamento, na versão das Testemunhas de Jeová, e posteriormente a solução racional que encontrou para investigar o problema “O que fazer com Cristo?”. Convêm notar que à época da pesquisa Arnold (Pe. James), era um adolescente que dividia seu tempo entre escola e o xadrez, atividade que desempenhou seriamente levando-o a vencer competições. Hilária também é a passagem em que ele relata a primeira vez que esteve numa igreja cristã, pela narrativa, difícil é não ser transportado para aquele cenário de êxtase, manifestação típica de fé pentecostal. Pe. James também brinda o leitor com os detalhes da investigação metódica que quando jovem empreendeu “Descobrindo as Profecias de Cristo”, onde ele repassa os profetas e suas profecias do Antigo Testamento que antecipavam a vinda do Messias, incluindo o Salmo 21 que descreve a morte cruenta pela qual Cristo passaria.
O capítulo V é o mais curto da primeira parte, mas traz um panorama de importantes eventos ocorridos dentro e fora dos Estados Unidos na década de 1960 e que viriam a ser, na minha opinião, o motor da chamada Nova Ordem Mundial, como a contracultura, o movimento pelos direitos civis, a Guerra do Vietnã e mesmo a Feira Mundial de 1969 em Nova York, que teve como tema “Paz Através do Entendimento”. O autor também descreve brevemente sua admiração por Martin Luther King o qual pôde assistir em palestra proferida na sua faculdade e um apagão ocorrido na sua região e outros estados americanos, que veio a lhe trazer reflexões profundas sobre sua condição de novo cristão que fez o caminho da escuridão para a claridade em Jesus.
Preocupados que estavam com o “desvio” do filho, os pais o enviam para Israel na esperança de que imerso num ambiente judaico, inclusive em contato com parentes ortodoxos ele pudesse abandonar sua crença em Jesus. No entanto, em nenhum momento de sua estadia na Terra Santa que durou um ano Arnold demonstra dúvida quanto a sua conversão, mesmo quando acusado de traidor do judaísmo por primos e tios ultra-ortodoxos. Manteve a fé nos momentos difíceis que passou junto a outros judeus protegendo-se dos bombardeios durante a
Guerra dos Seis Dias, onde chegou a ser proposta pelos demais a medida extrema de suicídio coletivo afim de evitar uma provável captura pelos jordanianos.
De volta aos Estados Unidos e após se formar no Queens College uniu-se ao movimento cristão evangélico Judeus por Jesus, que o levou a mudar para a costa oeste americana. Junto ao grupo participou de piquetes cristãos com a distribuição panfletos e cartazes que apresentavam a fé para judeus e gentios, também formou um grupo de teatro com temáticas religiosas que encenavam em espaços abertos para grandes públicos com o objetivo de conter as práticas pagãs orientais que se disseminavam na época.
Muito tempo depois de convertido Arnold ainda persistia na mesma postura de investigador da verdade e se depara com o que chamou de maré de sectarismo que permeia o cristianismo protestante e termina por separar os cristãos. Como exemplo ele recorda a questão da salvação do crente depender de se falar ou não a “língua de Deus”. A partir dessa primeira questão passou a examinar variadas e conflitantes doutrinas, com o fim de estabelecer para si o que fosse verdadeiro, ainda que isso viesse frequentemente a contrariar seus amigos cristãos. Em vista do caos teológico que se abateu sobre seu grupo traçou um paralelo com as divisões nas denominações protestantes após a reforma, nota que foi necessário formular uma diretriz pessoal para interpretar as Escrituras que foi “Quando o sentido raso das Escrituras bater com o bom senso, não busque outra interpretação”. Assim tornou-se ele próprio sectário, vindo mesmo a repudiar as igrejas atuais como anti-bíblicas, e por si próprio resolveu focar seus estudos nas histórias da Igreja primitiva e do Novo Testamento. Surpreendeu-se ao descobrir que a Igreja primitiva perseguida pelo Império Romano, sobreviveu e prosperou nos primeiros três séculos de cristianismo sem que estivessem completos o Antigo e o Novo Testamentos, além do que compreendeu que embora as Escrituras Sagradas sejam inspiradas por Deus, foram escritas e compiladas pelo homem, logo, refletem não apenas o pensamento divino mas também contribuições humanas. Pe. James destaca que Deus transmitiu sua palavra não apenas para, mas através de seu Corpo, a Igreja; e que o Corpo sem a Palavra não tem mensagem, mas a Palavra sem o Corpo não tem fundamento. Esse parece ter sido o ponto de inflexão na jornada espiritual do Pe. James, percebeu que ao invés de tentar julgar a Igreja de acordo com preconceitos modernos sobre o quê diz a Bíblia, que ao contrário ele deveria se humilhar e se unir com a Igreja que produziu o devido entendimento das Escrituras Sagradas. Sua tarefa passou a ser: identificar “A Igreja” à partir do Culto que era a ação central para os cristãos primitivos, partiu para determinar como eles cultuavam e identificar qual Igreja na atualidade o fazia de maneira semelhante.
Como judeu mantinha reservas contra a Igreja Católica por conta do histórico que lhe remetia às cruzadas, ainda assim manteve sua pesquisa nos escritos dos primeiros padres de onde conseguiu listar as características no modo como aqueles cristãos cultuavam e a entender que a centralidade do culto primitivo já estava na Eucaristia. Assim, pelo final da década de 1970 empreendeu seus primeiros contatos com a Igreja Ortodoxa, assinalada por ele como a Igreja que manteve a tradição litúrgica dos cristãos primitivos; estudando a doutrina, a moralidade e a obediência cristã Ortodoxa, concluiu que nenhuma denominação não-ortodoxa reteve a plenitude da fé Ortodoxa expressada no original e inalterado Credo Niceno (séc. IV), do qual subtraíram ou alteraram partes. Dessa forma notou que os cristãos dos quatro séculos iniciais eram universalmente litúrgicos e que a Igreja Ortodoxa possuí raízes claramente identificáveis que historicamente lhe conectam com o antigo corpo de fiéis judaico cristãos. Aqui Pe. James deixa claro a importância que tem para ele a continuidade física e histórica enraizada na Terra Santa que ele encontrou na Igreja Ortodoxa, além da redescoberta do sagrado “mistério”, no modo como São Paulo chama nossa vida em Cristo, e de como os antigos cristãos se referiam a comunhão como sendo “O Grande Mistério”.
Quando foi recebido definitivamente pela Igreja Ortodoxa através da Santa Crisma na véspera do Natal de 1983, Pe. James descreveu que foi como “voltar para casa”, um sentimento de conforto por ter encontrado o que buscou por tanto tempo: adoração do Deus Único e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, baseado na Bíblia, fiel ao Credo Niceno e ao mesmo tempo reconhecendo a Divindade do Filho e do Espírito Santo. Certo também que a Igreja Ortodoxa está em continuidade com a antiga Igreja Cristã judaica e que por sua vez é o cumprimento do judaísmo ortodoxo.
Seus esforços então voltaram-se para investigar o que havia sido feito da antiga Igreja Cristã judaica, chamada de “seita dos nazarenos”, pois tendo Cristo vivido em Nazaré os profetas assinalaram que “Ele será chamado de Nazareno” e mesmo São Paulo foi acusado de o principal defensor dos Nazarenos. Estudou os antigos escritos de Epifânio (315-403 d.c.), os conflitos com os gentios conversos ao cristianismo, as heresias que foram apartadas da Igreja, para concluir que seus herdeiros espirituais e em parte físicos são os semíticos cristãos ortodoxos antioquinos do Vale dos Nazarenos, que estão sob a jurisdição do Patriarca de Antioquia.
Posteriormente, e seguindo sua vocação, Pe. James entra para o seminário em 1985 em Nova York e torna-se sacerdote em 1987. A partir desse ponto seu relato passa a focar em questões teológicas, núcleo de divergência com as Igrejas não-ortodoxas, como por exemplo a desobediência de Adão e Eva em comer do fruto proibido e a consequente Queda, aponta que a concepção normalmente aceita é que como consequência a pena era uma ação punitiva de Deus, que não teve escolha a não ser impô-la à eles. Em contraste com essa visão jurídica os ortodoxos mantém que quando Deus disse à Adão que ele morreria se comesse do fruto proibido isso era a simples afirmação de um fato. O Senhor disse essencialmente, se você se afastar de mim, a única fonte de vida, então a morte será o resultado; essa afirmação era um aviso e não uma ameaça do tipo justiça retributiva.
Bem como, é analisado pelo Pe. James a questão do Pecado Original em que segundo ele uma diferença de tradução deu origem a interpretações diferentes, o termo foi usado pela primeira vez por Santo Agostinho a partir do entendimento de Romanos 5:12, no qual São Paulo se refere à Adão. Acontece que Santo Agostinho não sabia grego e muitos dos padres gregos não sabiam latim, dessa forma os Pais mais antigos mantiveram que não há algo como uma natureza pecaminosa, no sentido de uma natureza que herda a culpa do ato pecaminoso de outro. Na compreensão ortodoxa apenas as pessoas pecam, a natureza humana não, logo, a desobediência de Adão e Eva foi um pecado pessoal deles.
Por fim, nota-se que a busca pela verdade, expressão máxima da realidade, empreendida pelo Pe. James e tão bem exposta no livro, não se deu em um recolhimento silencioso afastado do mundo, toda sua trajetória de estudos aconteceu em paralelo à movimentos cristãos, mudanças de trabalhos e cidades, o encontro com sua futura esposa, o posterior casamento e nascimento dos seus quatro filhos – sua trajetória foi na agitação da vida prática, sem temer a solidão que poderia advir de tamanha coragem intelectual.
04/09/2021

