Um pequeno panorama sobre a Teologia Cristã Ortodoxa
*Fabrício Veliq, teólogo protestante, é Doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE), Doctor of Theology pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven), Bacharel em Filosofia e Licenciado em Matemática (UFMG). É coautor do livro: Teologia no século 21: novos contextos e fronteiras. Editora Saber Criativo. E-mail: fveliq@gmail.com.
Podemos aprender muito com a teologia ortodoxa
A teologia cristã ortodoxa, infelizmente, é ainda pouco conhecida pela grande parcela da população cristã no Brasil, se comparada com a teologia cristã latina. Porém, ela se mostra riquíssima, tanto referente às suas formulações, quanto à sua iconografia, tendo muito a nos ensinar em nossos dias. Diante disso, no texto de hoje, gostaria de apresentar duas dimensões importantes dentro dessa teologia, bem como um conceito muito caro a ela: a dimensão apofática, a dimensão catafática e o conceito de Theosis [1].
No que tange à primeira dimensão, no pensamento oriental prevalece aquela que é chamada dimensão apofática da teologia, ou seja, segundo a definição de Evdokimov, “a teologia é a negação de toda definição humana” (EVDOKIMOV, 1996, p.22). Dessa forma, para Evdokimov, não existe nome capaz de exprimir Deus de forma adequada, podendo somente se falar sobre aquilo que Deus não é e nunca aquilo que Ele é. Nesse sentido, a tônica da teologia oriental é apofática desde que ela não se desligue de sua base que é a teologia catafática.
Meyendorff, em seu livro La teologia Bizantina, nos dá uma boa visão do que seria a teologia catafática, mostrando-nos sua premissa que diz que só podemos conhecer de Deus aquilo que Dele é revelado. Uma vez que Ele sempre se revela como Pai, Filho e Espírito, esse fato não pode ser deduzido de nenhum princípio ou de forma racional (cf. MEYENDORFF, 1984, p.220). Aqui, fica-se claro que a teologia apofática e catafática são complementares.
Enquanto não é possível dizer quem Deus é em sua essência (dimensão apofática), ainda assim é possível falarmos de Deus a partir daquilo que ele revelou a nós (dimensão catafática).
Algo que é importante de se ter em mente é que a teologia cristã ortodoxa sempre deu ênfase à monarquia do Pai. Tudo procede do Pai e está em estreita relação com o ele. Dessa forma, as relações da Trindade se manifestam de acordo com as propriedades pessoais de cada um e são essas propriedades que distinguem o Pai como não gerado e fonte de todas as coisas, o Filho como gerado e o Espírito na qualidade de expirado. O Pai é eternamente Pai, o Filho é coexistente ao Pai e o Espírito procede do Pai. Essas características de não gerado, gerador e expirador permanecem no campo apofático na perspectiva oriental, cabendo ao ser humano simplesmente contemplar o mistério divino.
Por último, apresentamos o lindo conceito da Theosis. Theosis, ou divinização do homem querem dizer a mesma coisa. Ambas tratam da pneumatização do ser humano, do seu ser transformado pelo Espírito Santo. A Theosis representa o fim último do ser humano, que é viver a semelhança que faz com que a imagem siga em direção ao seu arquétipo, ou em outras palavras, participar da vida de Deus.
Diversos foram os padres gregos que discorreram sobre o tema da Theosis, tais como Orígenes, Clemente de Alexandria, Irineu e Atanásio, dentre vários outros que poderíamos citar, padres esses de fundamental importância para o desenvolvimento da teologia oriental. Em todos esses é clara a visão de que o homem deve ser deificado, ou seja, ter restaurada a imagem autêntica de Deus.
Contudo, mostra-se muito importante percebermos que a deificação, no pensamento oriental, não se encerra na restauração da imagem de Cristo, o que tornaria esse processo estático, mas se trata de um movimento contínuo, de um se assemelhar crescente a essa imagem, tendo o Espírito Santo um papel fundamental nesse processo. Esse pensamento segue ao longo dos séculos na teologia oriental, tendo diversos sistematizadores, tais como Máximo Confessor, Gregório Palamàs e, mais recentemente, Paul Evdokimov e John Meyendorff, fazendo-nos perceber ser esse um dos pilares dessa teologia.
Logicamente, não tem como desenvolvermos todos esses temas na profundidade que merecem e muitos outros ficaram de fora, tais como a questão sacramental e a epiclese. Contudo, diante desse pequeno panorama, convidamos o leitor e a leitora a conhecer mais dessa teologia tão rica, que pode cooperar muito para uma experiência mais profunda da própria fé cristã em nossos dias.