A unidade da Igreja segue sendo o nosso sonho

Arcebispo Job de Telmessos: "A Unidade da Igreja segue sendo o nosso sonho"

Por Ivars Kupcis*, 31 de outubro de 2016.

Desde a fundação do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), existe uma delegação permanente do Patriarcado Ecumênico nos escritórios do CMI em Genebra. Desde novembro de 2015, a tarefa de representar a mais alta autoridade da Igreja Ortodoxa em Genebra está nas mãos do arcebispo Jó de Telmessos, que está convencido de que as igrejas precisam, não apenas falar, mas também ouvir umas às outras. Ele respondeu a perguntas sobre o papel do Patriarcado Ecumênico, a unidade da igreja e o movimento ecumênico, na entrevista que segue:

(...) Falar é uma necessidade, ouvir é uma arte. Nossas igrejas precisam falar umas com as outras – é uma necessidade que sempre tivemos e temos, particularmente agora, em um mundo com todas as crises que conhecemos hoje. Precisamos falar um com o outro, mas também precisamos cultivar a arte de ouvir o outro em nossas respectivas igrejas ...
Arcebispo Job
de Telmessos

Faz quase um ano de sua nomeação como representante permanente do Patriarcado Ecumênico do CMI. Por favor, descreva o seu caminho para esta tarefa de tão alta responsabilidade em Genebra.

ARCEBISPO JÓ: Nasci no Canadá e fiz o curso de graduação lá; depois, vim para Paris para onde me formei no Instituto Teológico Ortodoxo de São Sérgio e na Universidade Católica de Paris, onde fiz doutorado em 2003. Desde então, tenho atuado como professor no Instituto São Sérgio e na Universidade Católica de Paris, onde permaneço. Em 2010, fui nomeado professor no Instituto de Estudos de Pós-Graduação em Teologia Ortodoxa em Chambesy, onde ainda ensino teologia litúrgica e dogmática. Entre as assembleias do CMI em Porto Alegre e Busan, fui membro do Comitê Central do CMI. Em 2013, fui eleito arcebispo do Patriarcado Ecumênico, responsável pelas paróquias russas na Europa Ocidental por dois anos. Desde novembro passado (de 2016), sou representante permanente do Patriarcado Ecumênico do CMI. Além disso, mais recentemente, tornei-me co-presidente da Comissão Internacional de Diálogo Teológico entre as igrejas Ortodoxa e Católico-romana, e sou também co-presidente do grupo Santo Irineu de teólogos ortodoxos e católicos romanos que se reúnem todos os anos para ajudar no diálogo entre as duas igrejas.

Você poderia falar mais sobre o Patriarcado Ecumênico, sua história e seu papel atual na Ortodoxia Oriental?

ARCEBISPO JÓ: O Patriarcado Ecumênico é muito antigo – existe como tal desde o século IV, desde a fundação de Constantinopla, que se tornou a nova capital do império romano, no lugar de Bizâncio, que existia desde os tempos apostólicos. É por isso que consideramos a Igreja de Constantinopla como a sede de Santo André. Tornou-se um dos cinco antigos patriarcados do cristianismo, historicamente o segundo depois de Roma. Desde a ruptura da comunhão entre a Igreja de Roma e as igrejas orientais, o Patriarcado de Constantinopla tem o papel de primazia dentro da Igreja Ortodoxa, o que implica manter a unidade entre todas as igrejas ortodoxas e também de coordenar eventos interortodoxos. Mais recentemente, desde o início do século XX, o Patriarcado Ecumênico mostrou liderança no engajamento da Igreja Ortodoxa no movimento ecumênico – as primeiras encíclicas a esse respeito foram publicadas em 1902, 1904 e 1920. O Patriarcado Ecumênico desde então tem sido um líder na organização das famosas conferências pan-ortodoxas, que ocorreram na ilha de Rodes em 1961, 1963, 1964, e em Genebra, em Chambesy, em 1968, que preparou o Santo e Grande Concílio da Igreja Ortodoxa que, finalmente, ocorreu em junho deste ano (2016). O ministério do Patriarcado Ecumênico é o ministério da comunhão, trabalhando pela unidade entre as igrejas ortodoxas autocéfalas locais e tentando liderar a Igreja Ortodoxa no movimento ecumênico em direção à unidade dos cristãos. É por isso que o movimento ecumênico não é opcional para o Patriarcado Ecumênico – sempre foi parte essencial de nossa missão, e é por isso que o Patriarcado Ecumênico fez parte do CMI e estabeleceu o escritório permanente aqui quase desde a fundação do o CMI. Interessante o fato de que, na encíclica de 1920 que mencionei, a Igreja pedia o estabelecimento de algum tipo de liga de igrejas segundo o modelo da Liga das Nações que acabara de ser criado. Podemos considerar isso uma voz profética de 1920 para o estabelecimento do Conselho Mundial de Igrejas.

Existe uma região geográfica específica onde estão localizadas as dioceses do Patriarcado Ecumênico?

ARCEBISPO JÓ: Historicamente, o Patriarcado Ecumênico estava presente em toda a Europa Oriental. Com o tempo, o oncedeu autocefalia à Igreja Ortodoxa Russa, bem como às Igrejas Ortodoxas Sérvia, Búlgara e Romena. Essas igrejas deixaram de fazer parte do Patriarcado Ecumênico. Hoje, se olharmos no mapa, é basicamente o território histórico da Turquia atual, as dioceses da Grécia – norte da Grécia, as ilhas de Dodecaneso no Mar Egeu do Norte e Creta, Monte Athos, bem como as dioceses da diáspora – na Europa Ocidental, Austrália, América do Norte e América do Sul. O Patriarcado Ecumênico também possui algumas dioceses na Ásia – na Coréia, Cingapura e Hong Kong. No total, hoje existem 90 dioceses no Patriarcado Ecumênico em todo o mundo.

Quanto ao papel do Patriarcado Ecumênico – como descreveria o termo primus-inter-pares, ou “primeiro entre iguais” para a comunidade cristã em geral?

ARCEBISPO JÓ: Isso significa que a primazia da Sé de Constantinopla na Igreja Ortodoxa é entendida de maneira diferente do que, por exemplo, na Igreja Católica Romana, que é muito centralizada com o papa ou o Primaz de Roma com jurisdição direta em todos os níveis locais – nomeia os bispos, recebe suas demissões etc. A administração da Igreja Ortodoxa não é centralizada – cada região tem autonomia administrativa com igrejas autocéfalas ou patriarcais. O Patriarcado Ecumênico não tem o direito de intervir nos assuntos das igrejas autocéfalas regionais – porque nosso Patriarca está «entre os outros». Mas, ao mesmo tempo, ele é o «primeiro entre os outros». Ser o primeiro entre os iguais significa que ele é quem lidera a organização de conferências pan-ortodoxas, convoca reuniões de primazes de igrejas autocéfalas, para organizar o Santo e o Grande Concílio. Ele também lidera a organização de todos os diálogos bilaterais que temos entre a Igreja Ortodoxa e outras igrejas cristãs, bem como iniciativas para o diálogo inter-religioso. É isso que queremos dizer com primeiro entre iguais – ele é o primeiro, pois o primeiro tem uma liderança, mas essa liderança não pode interferir na vida interior das igrejas regionais autocéfalas.

E. concorda que considerar as outras igrejas e comunidades cristãs podem ser muito bom para o movimento ecumênico?

ARCEBISPO JÓ: Esse modelo, é claro, não é novo – é o mesmo que foi praticado no primeiro milênio, quando a Igreja de Roma ainda estava em plena comunhão. É por isso que o último documento emitido pela Comissão Internacional de Diálogo Teológico entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa, ou documento de Chieti, estuda a prática do primado na sinodalidade no primeiro milênio, considerando que a prática da igreja era comum entre o Oriente e Ocidente, e poderia ser um bom exemplo de como a unidade da igreja pode ser alcançada e realizada hoje.

Certamente que, quando nos referimos ao status de primeiro entre iguais dentro da igreja ortodoxa, não podemos esquecer que cada igreja ortodoxa local confessa a mesma fé, a mesma prática litúrgica e a mesma lei canônica – há acordo completo sobre tudo isso. Quando se trata das relações com o resto do mundo cristão, às vezes temos práticas diferentes. Às vezes até discordâncias sobre questões éticas. É por isso que os diálogos teológicos bilaterais são tão importantes para discutir essas divergências. No entanto, concordamos que esse modelo pode ser modelo para a unidade da igreja no futuro.

Qual é a sua tarefa específica no CMI?

ARCEBISPO JÓ: Posso comparar minha tarefa a de um embaixador, que é representar seu país no local para o qual foi designado e, ao mesmo tempo, informar seu país o que está ocorre alí. Minha tarefa é a de ser um elo ou ponte entre o Patriarcado Ecumênico e o CMI. Eu represento o Patriarcado e tento informar nossos parceiros ecumênicos – as igrejas membros do CMI – sobre o que está acontecendo no Patriarcado Ecumênico em particular e na Igreja Ortodoxa em todo o mundo. Ao mesmo tempo, estando presente aqui e envolvido em diferentes diálogos ecumênicos, minha tarefa é também informar o Patriarcado Ecumênico sobre o que está acontecendo no CMI em particular e no movimento ecumênico em geral. Com essa perspectiva, criamos recentemente um site para nossa delegação permanente no CMI, para informar as igrejas cristãs sobre os principais eventos dentro da Igreja Ortodoxa, pertinentes às relações ecumênicas e diálogos bilaterais ecumênicos. Também informamos o público ortodoxo sobre o que está acontecendo no movimento ecumênico.

Qual o seu plano de ação para a unidade da igreja e o papel da comunicação nele?

ARCEBISPO JÓ: Um dos meus professores disse certa vez, falando sobre ecumenismo: “Temos que começar fazendo nossa lição de casa”. Faltam informações sobre o movimento ecumênico e, infelizmente, o ecumenismo é frequentemente visto como um mundo para especialistas ou para aqueles que foram especialmente iniciados – pelo menos posso dizer isso sobre a Igreja Ortodoxa, mas provavelmente é esse o caso em outras denominações também. Por esse motivo, muitas pessoas olham para o movimento ecumênico com desconfiança, pois não têm informações suficientes sobre o que está acontecendo e qual é a nossa tarefa. Essa é também uma das razões pelas quais algumas abordagens fundamentalistas ou fanáticas estão circulando dentro da igreja ortodoxa, olhando para o ecumenismo com grande suspeita. Nossa tarefa é, pois, informar os fiéis – com essa perspectiva, renovamos nosso site, fornecendo notícias sobre relações ecumênicas e também documentos relacionados que antes eram inacessíveis. Todos os principais documentos relacionados a diferentes acordos ecumênicos estão disponíveis online agora. Como complemento ao site, também criamos um boletim eletrônico (Newsletter). No passado, tínhamos em formato impresso e em grego. Agora escolhemos um formato eletrônico, que permite que as pessoas acompanhem nossas notícias regularmente, e o inglês como idioma para atingir um público maior. O inglês tornou-se não apenas a língua internacional mais usada, mas também a língua principal nas relações ecumênicas. No futuro, também estamos planejando organizar seminários, conferências, apresentações de livros e outros eventos culturais aqui no Centro Ecumênico, para tornar a Igreja Ortodoxa e sua tradição mais conhecidas.

Na sua perspectiva, qual é o objetivo do movimento ecumênico?

ARCEBISPO JÓ: O movimento ecumênico tem uma pré-história muito longa – mas como o conhecemos no século 20, o objetivo do movimento é a unidade da igreja. Conversando com vários teólogos do século 20, eles sempre enfatizam que todos acreditam na unidade da igreja. Este é o objetivo do movimento ecumênico e o nosso sonho – porque cremos em uma igreja, recebemos o mandamento de nosso Senhor de sermos um e, portanto, temos que cultivar esse objetivo e sonhar para que «Todos sejam um», como vemos nesta grande tapeçaria aqui no Visser’t Hooft, no Hall do CMI. A unidade da Igreja ainda é nossa esperança e um sonho. Embora possa parecer menos possível hoje do que no século XX, o diálogo ecumênico é muito importante para que se entenda melhor e se possa trabalhar juntos em uma sociedade cada vez mais secularizada. Goethe disse que – falar é uma necessidade, ouvir é uma arte. Nossas igrejas precisam falar umas com as outras – é uma necessidade que sempre tivemos e temos, particularmente agora, em um mundo com todas as crises que conhecemos hoje. Precisamos falar um com o outro, mas também precisamos cultivar a arte de ouvir o outro em nossas respectivas igrejas, a fim de nos entendermos. Esta arte deve ser apoiada pelo movimento ecumênico

FONTE: Site da Delegação Permanente do Patriarcado Ecumênico
no CMI – Conselho Mundial de Igrejas.
*Ivars Kupcis atua no setor de comunicação no CMI