8º Domingo de São Mateus

«Jesus sacia a fome do povo»

«Não é preciso que vão embora. Dai-lhes vós mesmos de comer».
Mons. Irineo Tamanini​
Arquimandrita

SUBSÍDIOS HOMILÉTICOS​

No tempo do deserto, o povo de Deus passou fome. A questão da sobrevivência aparece imediatamente: “Jesus ergueu os olhos e viu uma grande multidão que vinha ao seu encontro. Então disse a Filipe: ‘Onde vamos comprar pão para eles comerem?’”. Notemos que a primeira (e a única) preocupação de Jesus é com a sobrevivência do povo. Nada disso acontecia por ocasião da festa da Páscoa em Jerusalém. Bem ao contrário, como já pudemos constatar.

Jesus provoca seus seguidores, representados por Filipe: como resolver a questão da fome do povo? Filipe pensa como muita gente “de bem”. Para ele, a fome do povo não tem solução: “Nem meio ano de salário bastaria para dar um pedaço a cada um”. Filipe mostra muito bem que o comércio tomou conta dos bens que sustentam a vida. É preciso muito dinheiro para saciar a fome do povo! E isso parece ser um caso sem solução.

Surge, então, André. Já vimos que seu nome significa humano. Ele representa a nova proposta diante da fome do povo: “Aqui há um rapaz que tem cinco pães de cevada e dois peixes. Mas o que é isso para tanta gente?”. Pão de cevada e peixe eram a comida dos pobres. O rapaz recorda os pequenos que estão dispostos a servir e a partilhar os bens da vida, sem submetê-los à ganância do comércio. Uma dose de humanidade (André), o alimento dos pobres (pão de cevada e peixes), alguém disposto a servir e a partilhar (rapaz): será que isso vai resolver a questão da fome do povo? Será que a partilha resolveria para sempre a fome da humanidade inteira?

Jesus ordena aos discípulos que mandem o povo sentar-se. Naquele tempo, somente as pessoas livres é que se sentavam para tomar refeição. O gesto de sentar-se, portanto, funciona como tomada de consciência da própria dignidade e liberdade. Jesus quer que os discípulos e o povo tomem consciência disso. Estar sentado contrasta com a prostração em que se encontravam os doentes em Jerusalém. O evangelho afirma que havia muita grama nesse lugar. Já vimos que o Templo de Jerusalém era chamado simplesmente de “o Lugar”. O novo Templo em que Deus se encontra com a humanidade é lá onde acontecem a partilha dos bens da vida e a fruição da dignidade e da liberdade humanas. Jesus e o povo livre são o novo Templo! E isso vale para todos. De fato, estavam aí cinco mil pessoas. Esse número é simbólico e representa toda a comunidade do Messias.

Jesus pega o pão do povo e faz a oração de agradecimento. É muito estranho que ele não agradeça ao rapaz, e sim a Deus. Esse detalhe é importante, pois recoloca os bens que sustentam a vida dentro do projeto de Deus. De fato, lendo Gênesis 1, descobrimos que todas as criaturas de Deus têm sua porção de alimento que sustenta e garante a vida. Dando graças a Deus, Jesus está tirando os bens da vida das garras da ganância e do acúmulo (comércio) para colocá-los no âmbito da partilha e da gratuidade. Todos têm direito a esses bens, porque é isso que o projeto de Deus prevê. A proposta de Jesus, portanto, traz uma nova visão da economia: os bens que garantem e sustentam a vida não podem ser submetidos à ganância do comércio, pois Deus os destinou a todos. Não é culpa de Deus se o povo passa fome. Isso é resultado de uma economia “sem coração”, que acumula a vida para poucos às custas da miséria de muitos.

Jesus distribui os pães e os peixes às cinco mil pessoas. Ele faz tudo sozinho porque é o Doador da vida para todos. Sua vida é entregue plenamente.

O povo se farta. E ainda sobra muita coisa. Disso aprendemos que, se os bens da vida forem partilhados entre todos, todos ficarão satisfeitos e ainda sobrará muita coisa. De fato, os doze cestos cheios lembram as doze tribos de Israel, ou seja, todo o povo de Deus do Antigo Testamento. A lição é muito clara: quando a vida é partilhada, todos a possuem plenamente, e ela transborda para todos.

Jesus manda recolher os pães que sobraram: “Recolham os pedaços que sobraram, para não se desperdiçar nada”. O fato recorda Êxodo 16,20. No tempo do deserto não era permitido acumular o maná. O que Jesus quer dizer com isso é que sua comunidade não pode acumular, pois isso gera ganância. E o que é acumulado por alguns falta aos outros.

O povo reage ao sinal que Jesus realizou: “Este é mesmo o profeta que devia vir ao mundo”, mas reage de modo passivo, pois quer fazê-lo rei. Quando mandou a multidão se sentar, Jesus queria o povo livre. Este, agora, quer se tornar escravo de um rei. Por isso Jesus foge para a montanha, pois não se deixa manipular. O fato de Jesus se retirar para a montanha recorda Êxodo 34,3-4: Moisés subiu ao monte depois que o povo caiu na idolatria de querer fazer um deus à sua imagem. Jesus se retira sozinho para a montanha porque a grande idolatria nesse momento é querer que Deus resolva todos os nossos problemas sem a nossa contribuição.

Referências Bibliográficas:

BORTOLINI, José. Como ler o Evangelho, São Paulo: Ed Paulus (5ª ed.), 1994.

«Com os pedaços que sobraram, encheram doze cestos»

Num piscar de olhos, o Senhor multiplicou um pedaço de pão. Aquilo que os homens fazem em dez meses de trabalho, fizeram-no os Seus dedos num  instante. [.] Contudo, não foi com o seu poder que comparou este milagre, mas com a fome dos que tinha diante de Si. Se o milagre tivesse sido comparado com o seu poder, seria impossível de avaliar; comparado com a fome daqueles milhares de pessoas, o milagre ultrapassou os doze cestos. O poder dos artesãos é inferior aos desejos dos respectivos clientes; eles não conseguem fazer tudo aquilo que se lhes pede; pelo contrário, as realizações de Deus ultrapassam todo o desejo […]

Saciados no deserto, como outrora o tinham sido os Israelitas pela oração de Moisés, eles exclamaram: “Este é o profeta do qual está dito que viria ao mundo.” Aludiam às palavras de Moisés: “O Senhor suscitará para vós um profeta”, que não será um profeta qualquer, mas “um profeta como eu” (Dt 18,15), que vos saciará de pão no deserto. Tal como eu, caminho u sobre as águas, surgiu numa nuvem luminosa (Mt 17,5), libertou o seu povo. Entregou Maria a João, como Moisés entregara o seu rebanho a Josué. [.] Mas o pão de Moisés não era perfeito; apenas foi dado aos Israelitas. Querendo significar que o seu dom é superior ao de Moisés e o chamamento às nações ainda mais perfeito, Nosso Senhor disse: “Se alguém comer o Meu pão viverá eternamente”, porque “o pão vivo que desceu do céu” é dado a todo o mundo (Jn 6,51).

Santo Efrém, o Sírio (c. 306-373),
Diatesseron, 12, 4-5, 11

Suplemento Litúrgico