Domingo de Pentecostes
SUBSÍDIOS HOMILÉTICOS
«O PENTECOSTES»
Era o qüinquagésimo (em grego: pentikosti) dia após a Páscoa judaica, mas também o qüinquagésimo dia após a Ressurreição de Cristo. Era o dia em que os judeus comemoravam com uma grande festa a entrega das tábuas da Lei a Moisés sobre o monte Sinai; assim, Jerusalém estava repleta de estrangeiros, judeus vindos de todas as partes do mundo então conhecido – eram chamados a «Diáspora» – para celebrar a festa. Alguns dias antes, os discípulos «reunidos em número de cerca de cento e vinte pessoas» à volta dos Apóstolos e da Mãe de Jesus haviam procedido, conforme a proposta de Pedro, à substituição de Judas com a escolha de um décimo segundo apóstolo: foram indicados dois discípulos – José, o Justo e Mathias – que haviam acompanhado os apóstolos desde o batismo de João até o dia da Ascensão e que podiam, portanto, ser testemunhas de Sua Ressurreição; após terem orado, a fim de que o Senhor «mostrasse qual dos dois havia de ser escolhido», tiraram a sorte e esta apontou a Mathias. Esses discípulos aguardavam em Jerusalém, como Jesus lhes havia instruído, a vinda desse «outro Consolador» que o Mestre lhes prometera antes de Sua Ascensão. Espera repleta de uma esperança radiosa. Eles iriam enfim conhecer Aquele de quem Jesus havia dito: «Convém a vós que eu vá; porque se eu não for o Consolador não virá a vós, mas se eu for envia-lo-ei» (Jo 16, 7).
Já que Jesus havia partido, já que agora Ele estava sentado à direita do Pai (Mc 16, 19), Ele guardaria a Sua promessa. E, portanto, no dia em que Moisés lhes dera a Lei, Jesus vem lhes dar o Espírito, pois «a Lei foi dada por Moisés, a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo». (Jo 1,17)
«Cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar; e, de repente, veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados. E foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles. E todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem. E em Jerusalém estavam habitando judeus, varões religiosos, de todas as nações que estão debaixo do céu. E, correndo aquela voz, ajuntou-se uma multidão e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua. E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: Pois quê! Não são galileus todos esses homens que estão falando? Como pois os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos nascidos? Cretenses, e árabes, todos os temos ouvido em nossas próprias línguas falar das grandezas de Deus. E todos se maravilhavam e estavam suspensos, dizendo uns para os outros: Que quer isto dizer? E outros, zombando, diziam: Estão cheios de mosto. Pedro, porém, pondo-se em pé com os onze, levantou a voz e disse-lhes: ‘Varões judeus e todos os que habitais em Jerusalém, seja-vos isto notório, e escutai as minhas palavras. Estes homens não estão embriagados, como vós pensais, sendo esta a terceira hora do dia. Mas isto é o que foi dito pelo profeta Joel: ‘E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne; e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos jovens terão visões, e os vossos velhos sonharão sonhos; e farei aparecer prodígios em cima no céu e sinais em baixo na terra: sangue, fogo e vapor de fumaça. O sol se converterá em trevas, e a lua, em sangue, antes de chegar o grande e glorioso Dia do Senhor; e acontecerá que todo aquele que invocar o Nome do Senhor será salvo’». (At 2, 1-8; 11-17; 19-21)
E Pedro exaltava o nome de Jesus, o Nazareno:
«Esse homem … que tomando-o, vós o crucificastes e matastes pelas mãos de injustos (os romanos); ao qual Deus ressuscitou, soltas as cadeias da morte (textualmente: o Hades)…» (At 2, 22-24).
Davi vira com antecedência essa vitória e anunciara a Ressurreição do Cristo (Sl 16) e, com efeito, não foi abandonado no Hades e sua carne não viu a corrupção (cf. At 2, 25-27): «Deus ressuscitou a este Jesus, do que todos nós somos testemunhas. De sorte que, exaltado pela destra de Deus, e tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vós agora vedes e ouvis … Saiba pois, com certeza, toda a casa de Israel, que a esse Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo … Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para o perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo; porque a promessa vos diz respeito a vós, aos vossos filhos, e a todos os que estão longe»… «De sorte que foram batizados os que de bom grado receberam a sua palavra; e naquele dia agregaram-se quase 3 mil almas» (At 2, 32-33; 36; 38-39; 41).
Este é o relato do Pentecostes que nos é feito por Lucas no segundo capítulo dos Atos dos Apóstolos e que nós relembramos com alegria ao cantar o Tropário de Pentecostes:
«Tu és bendito, ó Cristo Nosso Deus, que enchestes os pescadores do lago de sabedoria enviando-lhes o Espírito Santo. Por eles, Tu tomastes o Universo em sua rede. Glória a Ti, ó Finatropo!» (Tropário de Pentecostes (Modo Plagal 4º)
Esse relato nos leva, sem duvida, a colocar algumas perguntas que permitirão aprofundar e meditar sobre o texto bíblico: – Por que se diz que «as línguas de fogo dividiam-se e pousavam sobre cada um deles?»
O dom do Espírito Santo é pessoal, ou seja, é recebido pessoalmente por cada um dos discípulos. E, no entanto, há apenas um Espírito Santo. É o mesmo Fogo divino que desce sobre todos (relembremos o Fogo do céu que, no tempo de Elias, desceu sobre sua oferenda), mas Ele divide-se para mostrar que cada um recebe esse Espírito Único.
Também em Babel as línguas foram divididas! Exatamente! O que se passa no Pentecostes é exatamente o contrário do que se passou em Babel. Em Babel, por orgulho, foram as línguas dos homens que se dividiram, de modo que eles não se compreendiam mais e foram, por isso, divididos, separados, dispersos. Em Pentecostes é o dom de Deus que se divide para estender-se a cada um e reuni-los a todos: a partir desse momento os homens que receberam o Espírito Santo anunciam todos a mesma palavra, a Palavra de Deus, e fazem-se compreender por todos os homens pois falam todas as línguas. As barreiras linguísticas são ultrapassadas pela Palavra do Deus Único, tornada compreensível a todos pelo dom das línguas. É o que nos explica o kondakion [1] de Pentecostes:
«Quando o Altíssimo desceu para confundir as línguas, dispersou os gentios; quando partilhou as línguas de fogo, ele nos chamou a unidade. Com uma única voz, louvemos o Espírito Santo». (kondakion de Pentecostes)
Por que as línguas de fogo não desceram sobre todos os homens, mas apenas sobre os discípulos? Elas desceram sobre aqueles que Jesus havia preparado para receber o Espírito Santo, sobre aqueles que estavam reunidos, com um único coração, na fé do Senhor Jesus Ressuscitado: é necessário crer no Doador para receber o dom. O Espírito não desceu sobre o mundo todo. «O Espírito de Verdade que o mundo não pode receber, porque não O vê nem O conhece» (Jo14, 17) Ele desceu sobre aqueles que o Senhor Jesus havia reunido porque creram n’Ele. Ele desceu sobre a Igreja. Certamente um dom pessoal, que cada um recebeu em particular, mas porque estavam unidos, em comunhão – e justamente «no dia de Pentecostes estavam todos reunidos no mesmo lugar» (At 2, 1) – e sofreram uma transformação radical: repentinamente tomaram consciência da Palavra de Deus em seu seio e puseram-se a comunicar em todas as línguas as maravilhas de Deus. Donde o discurso de Pedro anunciando com audácia a Ressurreição do Crucificado àqueles mesmos que O crucificaram.
O Pentecostes continua. A descida do Espírito Santo perpetua-se depois, vindo consagrar os testemunhos da Ressurreição do Cristo, até o final dos tempos, como testemunha São Simeão, o Novo Teólogo, no século X:
«Eu ouvi certa vez de um hieromonge, que me confidenciou que jamais iniciara os ofícios litúrgicos sem antes ter visto o Espírito Santo, da mesma forma que O vira quando o metropolita pronunciara sobre ele a oração de consagração e que o santo Evangelho fora colocado sobre sua cabeça. Eu lhe perguntei como O vira, sob que forma? Ele disse: ‘Primitivo e sem forma, todavia como uma luz’. E quando eu próprio vi o que jamais havia visto antes, fui surpreendido e comecei a refletir: ‘o que poderia ser isto’. Então, misteriosamente, mas com uma voz clara, Ele me disse: ‘Eu desço assim sobre todos os profetas e apóstolos, como também sobre todos os atuais eleitos de Deus e dos santos; pois Eu sou o Espírito Santo’» .
Bem, essa assembleia dos testemunhos da Ressurreição do Cristo, esses eleitos atuais de Deus que o Espírito Santo consagra à Igreja, e cada um de nós, é chamado a ser um desse eleitos. A Igreja é o Pentecostes que continua. Igreja: em grego Ecclesia, a assembleia daqueles que são convocados, chamados.
«Não fostes vós que me escolhestes; eu vos escolhi, e vos destinei a ir e dar fruto, um fruto que permaneça; assim, o que pedirdes ao Pai em meu nome, eu vo-lo concederei». Jo 16.
Referências Bibliográficas:
- Dieu est Vivant. Paris: Ed. du Cerf, 1979.