Domingo das Miróforas

SUBSÍDIOS HOMILÉTICOS
O Domingo das Miróforas - «Mulheres Portadoras de Aroma»
Não era comum, naquele tempo, um sentenciado ganhar um sepulcro. Geralmente após a morte indigna de um condenado à cruz, o corpo era deixado pendurado à vista de todos, para que os abutres o devorassem, segundo as leis romanas. Mas pelas leis de Israel um sentenciado deveria ganhar, pelo menos, uma sepultura em uma cova comum. Também é imperioso lembrar que o dia seguinte sempre tinha seu início após o pôr do sol daquele mesmo dia, respeitando as tradições judaicas. A Páscoa Judaica aproximava-se, e não era nada agradável ver um judeu suspenso numa cruz em dia de Festa. Essas duas situações fizeram com que Jesus ganhasse um túmulo novo, graças à interferência e ao apelo de José de Arimatéia e Nicodemus (Jo 19,38).
Também era costume, após a morte de um judeu, ungir com óleos aromáticos diversas partes do corpo, numa tentativa de abrandar o cheiro da corrupção corporal trazidos pela morte. A este serviço estavam sempre incumbidas as miróforas (mulheres portadoras de aromas) e que tivessem um parentesco muito próximo para executar tais funções. São a elas que o Calendário Litúrgico Bizantino presta hoje homenagens, atribuindo-lhes orações e cantos próprios, neste 2º Domingo depois da Páscoa, sem que haja algo correspondente na Liturgia Ocidental. Afinal, foi por meio delas que o anúncio da Ressurreição fez-se notícia e por isso ganham uma honrosa referência na Liturgia.
Também, repetidas vezes lembra a Liturgia do desvelo solícito das mulheres que saem de suas casas para terminar os rituais do sepultamento feito às pressas no dia anterior, conforme o Kondakion. Este desvelo faz destas mulheres as primeiras testemunhas da Ressurreição e, por isso mesmo, ganham os epítetos de “Apóstolas dos apóstolos” e “Mensageiras da Boa-nova”. Os quatro Evangelistas narram o episódio, mas, Marcos e Lucas fazem questão de nomeá-las: Maria Madalena, Salomé, Joana, Marta e Maria (irmãs de Lázaro) e Maria, mãe de Tiago (Mc 15,40 e Lc 24,10). Se aqueles aromas eram destinados Àquele que tinha morrido, já não tinham mais utilidade, pois do sepulcro vazio brotava o suave perfume da vida.
O Ano Litúrgico Bizantino
liturgia bizantina põe em destaque, sem que haja algo correspondente no Ocidente, a atuação das mulheres fiéis ao Senhor que, ao amanhecer do dia da Páscoa, foram ao sepulcro levando aromas preciosos para completar o ritual do sepultamento. Foi primeiramente a elas que os anjos anunciaram a ressurreição, incumbindo-as de levar a boa notícia aos apóstolos, tornando-se assim, como diz a liturgia, “as apóstolas dos apóstolos.” Os quatro evangelistas falam delas e nesse domingo se lêem trechos de Marcos e de Lucas. Eis o texto do tropário principal, cuja primeira parte já foi cantada no Sábado santo.
«Às piedosas miróforas junto ao túmulo o anjo disse: Os aromas convêm aos mortos! Cristo, porém, é incorruptível. Cantai antes: O Senhor ressuscitou, dando ao mundo a grande misericórdia!»
Tropário (2º tom).
Os dois motivos da cuidadosa unção sepulcral e do alegre anúncio da Ressurreição reaparecem em muitos textos litúrgicos próprios desse domingo; estes, como sempre, aludem a dados escriturísticos e ao mesmo tempo transformam em oração os sentimentos das protagonistas e dos fiéis que as comemoram.
As miróforas, nesse dia, se associam outros dois personagens que testemunharam corajosamente o Crucificado: Nicodemos, o noturno interlocutor de Jesus, aquele que tinha pedido seu corpo a Pilatos:
«O nobre José (de Arimatéia) que, depois de ter descido da Cruz o corpo imaculado, envolveu-o num branco sudário e, com cuidado, o pôs num sepulcro novo».
Já nas Vésperas do sábado encontramos este texto:
«Ao amanhecer as miróforas, tomando consigo os aromas, foram ao sepulcro do Senhor e notando coisas que não esperavam, pasmas ao ver a pedra removida, diziam uma à outra: Onde estão os lacres do túmulo? Onde estão os guardas que Pilatos enviou por precaução? Mas seus temores cessaram ao ver o anjo resplandecente dirigir-se a elas dizendo: Por que buscais em pranto Aquele que está vivo e vivifica o gênero humano? Cristo, nosso Deus onipotente, ressurgiu dos mortos e dá a todos nós a vida imortal, a iluminação e a grande misericórdia».
Várias vezes a liturgia lembra o desvelo solícito das mulheres saídas de casa às primeiras luzes do dia; sua generosidade em comprar os ungüentos e os melhores perfumes e a sua delicadeza em não ficar satisfeitas com o sepultamento apressado feito na tarde anterior. Um amor destemido era o delas, pelo qual não se renderam à ideia da pedra pesada, impossível de ser removida por elas, nem com as hostilidades de muitos judeus, dos quais haviam já ouvido os gritos blasfemos; amavam Jesus, que tinham servido em suas andanças apostólicas, permaneciam fiéis ao Mestre quando outros o haviam traído e lembravam-lhe a bondade, a misericórdia, a amizade demonstrada em muitas ocasiões.
Quando o anjo lhes anunciou a Ressurreição de Cristo, não hesitaram e, como diz o texto litúrgico, “correram para os apóstolos, mensageiras de alegria.” O testemunho delas, como era de se prever, não foi plenamente aceito pelos onze, mas foi a ocasião de Pedro correr logo ao sepulcro para ver. Os dados dos quatro evangelistas estão fundidos na re-evocação feita pela liturgia, que lembra também as aparições de Cristo às mulheres e o convite a se dirigir para a Galiléia, onde tinham ocorrido os primeiros felizes encontros com Jesus.
«As santas mulheres derramaram óleos perfumados e lágrimas no teu sepulcro, e sua boca encheu-se de júbilo ao proclamar: o Senhor ressuscitou!»
É assim que nas Laudes se resumem os sentimentos e os gestos das miróforas, em honra das quais foi composto um cânon inteiro que será cantado nas Matinas dos seis dias sucessivos e todo domingo até o dia da Ascensão (cantado após o cânon pascal). Mas a memória das miróforas poderia dizer-se que é permanente na liturgia bizantina. Cada domingo se cantam hinos em que se repete o convite que o anjo lhes fez: “Não choreis, mas anunciai aos apóstolos a Ressurreição,” ou então a pergunta: “Por que buscais entre os mortos aquele que vive?” Entre os tropários da Ressurreição, nos oito tons da música bizantina repetidos num ciclo contínuo o ano todo, existem referências explícitas às miróforas. Eis alguns exemplos:
«As santas mulheres, discípulas do Senhor, receberam do anjo o alegre anúncio da ressurreição. Repelindo as argúcias dos outros judeus, disseram, cheias de altivez, aos apóstolos: A morte foi vencida; Cristo ressuscitou, irradiando sobre o mundo a sua grande misericórdia!»
Tropário do domingo (4º tom)
«Por tua cruz destruíste a morte. Ao ladrão abriste o paraíso e transformaste em regozijo as lágrimas das miróforas. Ordenaste aos apóstolos, ó Cristo Deus, que anunciassem a tua ressurreição, derramando sobre o mundo a tua grande misericórdia».
Tropário do domingo (7º tom).
Os nomes das miróforas, que foram ao sepulcro de Jesus levando o myron (aromas perfumados), são lembrados pelos evangelistas de diversas maneiras. O Sinaxário, no texto explicativo das Matinas deste domingo, embora faça alusão a muitas mulheres, apresenta uma lista nominal de sete pessoas entre as quais estão Maria Madalena, Salomé, Joana, Marta e Maria, irmãs de Lázaro.
O Sinaxário e a nossa prece assim concluem:
«Pelas orações das santas miróforas, ó Deus, tem piedade de nós!»
Referências Bibliográficas:
DONADEO, Madre Maria. O Ano Litúrgico Bizantino. São Paulo: Ed. Ave Maria, 1990.