3º Domingo da Quaresma

SUBSÍDIOS HOMILÉTICOS
No calendário litúrgico bizantino, há duas datas nas quais veneramos a Santa Cruz, tamanha é a relevância e o simbolismo deste instrumento de morte que se transformou em instrumento de vida e salvação para os cristãos: 14 de setembro (festa principal) e no Terceiro Domingo da Quaresma.
A Santa Cruz transformou-se, no decorrer dos acontecimentos da vida da Igreja, no arquétipo da ação salvífica de Deus e no modelo de resposta do homem. Deus salva os homens pela Cruz, através de seu Filho que, obediente à vontade do Pai, a abraçou, restaurando aos homens a dignidade filial perdida.
Os primeiros cristãos, conforme relata São Paulo em suas cartas, começavam a descobrir as riquezas do mistério da morte de Jesus na cruz, quando a vislumbravam à luz da Ressurreição como meio de salvação e não como instrumento de perdição. Já que o Senhor havia morrido numa cruz, em obediência à vontade do Pai, ela foi acolhida como sinal de humildade e sujeição aos desígnios de Deus.
A resposta do homem ante a vontade divina passou a ser dada de maneira consistente: a fé no Ressuscitado movia os corações a uma plena compreensão do plano salvífico.
São Paulo não se limitou apenas a ensinar sobre o poder que tem a Cruz de libertar os homens do pecado, do egoísmo e da morte. Ele foi além dessas verdades, estendendo o seu significado. Deu à Cruz a dimensão de Redenção, vendo nela o meio necessário para que fosse selada a Nova Aliança entre Deus e os homens.
Todo cristão, por participar do amor e da obediência de Cristo na Cruz, morre para o pecado que o impede de amar a Deus e aos homens de forma plena e livre. Santo Inácio de Antioquia (+ 117) e São Policarpo (+ 165) lembravam os sofrimentos de Cristo constantemente em suas pregações, para enfatizar a todos os cristãos que no escândalo da Cruz se ocultava o profundo amor de Deus pelos homens. Na cruz, trilhava-se o caminho para se chegar à Ressurreição. Por isso, os cristãos do Oriente veneram a Cruz como símbolo da vitória sobre a morte.
Todo sofrimento, angústia, desespero e morte tornam-se secundários diante da magnitude da Ressurreição. O cristão ortodoxo contempla a Cruz resplandecente, mergulhado no espírito pascal: o Senhor não terminou sua missão na Cruz, mas fez dela um instrumento de passagem para se chegar à Vida.
A Cruz, para um cristão que esteja imbuído desse espírito, torna-se fonte de bênçãos. A loucura da Cruz de Cristo ganha a dimensão do amor infinito e totalmente oblativo. Hoje em dia, são muitos os que têm dificuldade em compreender a teologia da Cruz. Parecem fugir dela por medo de sofrer. O sofrimento e a dor fazem parte da humanidade. Sofremos ao nascer, sofremos durante a vida, e a morte virá com muito ou pouco sofrimento, mas virá com ele. Não podemos mudar esta realidade que nos é inerente por natureza. Como cristãos, podemos mudar a compreensão que damos ao sofrimento.
A Cruz, antes vista como horror e escândalo, passou a ser compreendida como instrumento de salvação. Para que cheguemos a este amadurecimento espiritual, é necessário o encontro com o Senhor Crucificado, que padeceu os horrores da dor, para que Ele mesmo nos conduza às alegrias da Ressurreição.
Venerar a Cruz é venerar a história humana. Contemplar a Cruz é contemplar os seres humanos nos mais diversos continentes do mundo. Venerar a Cruz gloriosa e vivificante é restabelecer à história humana sua grandeza na História da Salvação. A Cruz sem Deus revela o abandono e a morte. A Cruz com Deus é sinal de esperança e vida nova.
Neste Terceiro Domingo da Quaresma, a Igreja nos convida a refletir sobre a dimensão que damos à Cruz e ao sofrimento em nossas vidas. Nossa postura frente à Cruz e ao sofrimento humano deve assemelhar-se à postura de Maria e à de João, o discípulo do amor. Estavam em pé diante do Crucificado, contemplando Aquele que era a Ressurreição e a Vida. Mesmo sem entender o que estava acontecendo, conservavam tudo isso no coração. Não procuravam uma explicação racional e uma lógica que os fizessem compreender o sofrimento de Jesus. A lógica que os fazia silenciar e aceitar os desígnios de Deus era a obediência e a entrega à vontade do Pai.
Quando racionalmente procuramos explicações para o sofrimento e a Cruz, fatalmente cairemos em subjetivismos perigosos que nos poderão levar a erros e a desvios da fé apostólica. O homem, por si só, não pode explicar os mistérios de Deus. A lógica divina não obedece aos parâmetros racionais humanos. A Cruz, para a Igreja, é sinal e instrumento de Salvação. Por isso, os cristãos de tradição bizantina a veneram gloriosa e vivificante, despida dos sentimentos mórbidos que poderiam ofuscar a sua magnitude. O sofrimento, as dores e a morte que o Senhor sofreu por meio dela, por mais terríveis que pudessem ser, fizeram dela veículo da nossa salvação.
Em entrevista à Revista 30 Dias, assim se expressou Sua Santidade o Patriarca Ecumênico Bartolomeu, referindo-se à relação existente entre a Igreja e a Cruz:
«A Igreja deve apoiar a sua força na sua fraqueza humana, na loucura da Cruz (escândalo para os judeus, loucura para os gregos), e a sua esperança na ressurreição de Cristo. Privada de todo poder mundano, perseguida e entregue cotidianamente à morte, a Igreja faz com que surjam santos, que guardam a Graça de Deus em vasos de argila, que vivem dentro da luz da Transfiguração e são conduzidos por Deus ao martírio e ao sacrifício».
Um cristão, à luz da Ressurreição, carrega sua cruz subindo o Calvário para a Santidade. O madeiro que sustentou o corpo do Senhor Crucificado tornou-se Árvore da Vida, pois nele foi selado o Novo Testamento, a Nova Aliança. Deus pôs no santo Lenho da Cruz a salvação da humanidade, para que a vida ressurgisse de onde viera a morte.
Durante o Rito de veneração à Santa e Vivificante Cruz, entoa-se um canto que nos convida a contemplar o madeiro sagrado que nos deu a vitória sobre o mal:
«Vinde, fiéis! Adoremos o Madeiro que dá a vida, no qual Cristo, o Rei da Glória, estendeu voluntariamente seus braços, restaurando em nós a felicidade primitiva. Vinde, adoremos a Cruz que nos dá a vitória sobre o mal.»
Mais forte é o significado da segunda parte deste mesmo hino, que nos faz compreender a dimensão e a grandeza da Cruz de Cristo:
«Hoje, a Cruz é exaltada e o mundo se liberta do erro. Hoje, renova-se a Ressurreição de Cristo, regozijam-se os confins da terra…»
Na Cruz, renova-se a Ressurreição. Pela Cruz, a Vida nos é possível. Pela Cruz, a Santidade é uma realidade presente. Basta o encontro com o Senhor e nossa entrega total à Vontade de Deus.
O silêncio e a meditação nos auxiliarão, nesta Quaresma, a ver na Cruz e no sofrimento riquezas espirituais nunca antes vislumbradas por nós, mas já vividas pelos santos.
Meditando sobre a Cruz à luz da Ressurreição …,
«Nós veneramos a Tua Cruz, ó Soberano, e glorificamos Tua Santa Ressurreição».
Referências Bibliográficas:
DE FIORES, Stefano. Dicionário de Espiritualidade, São Paulo: Ed. Paulinas, 1989.
Suplemento Litúrgico
Apolitíkion da Santa Cruz (Modo 1º)
Σῶσον, Κύριε, τὸν λαόν σου καὶ εὐλόγησον τὴν κληρονομίαν σου, νίκας τοῖς βασιλεῦσι κατὰ βαρβάρων δωρούμενος, καὶ τὸ σὸν φυλάττων διὰ τοῦ Σταυροῦ σου πολίτευμα.
Salva, Senhor, o teu povo e abençoa a tua herança. Concede à tua Igreja a vitória sobre o mal (sobre os seus adversários) e guarda o teu povo pela tua Cruz.