1° Domingo da Quaresma

«Em verdade, em verdade, vos digo: Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem!» (Jo 1:50)
Mons. Irineo Tamanini​
Arquimandrita

SUBSÍDIOS HOMILÉTICOS​

O «DOMINGO DA ORTODOXIA»

Por Metropolita ANTHONY DE SOUROZH
Tradução: S. Knežević

 Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Hoje comemoramos, como todos os anos, no final da primeira semana da Quaresma, a Festa do Triunfo da Ortodoxia. E todos os anos temos de valorizar e compreender não apenas o significado histórico desta comemoração, mas também o que isso representa para nossas vidas. Primeiramente, devemos lembrar que o Triunfo da Ortodoxia não é o triunfo dos Ortodoxos sobre outros povos, outras religiões. É o triunfo da Verdade Divina nos corações daqueles que pertencem à Igreja Ortodoxa e que proclamam a verdade revelada por Deus em sua integridade e autenticidade.

Hoje, temos de agradecer a Deus do fundo de nossos corações por Ele ter se revelado a nós, ter dissipado as trevas das mentes e corações de milhares e milhares de pessoas, ter compartilhado conosco o conhecimento da perfeita Verdade Divina.

A razão desta festa é o reconhecimento da legitimidade da veneração dos ícones. Ao fazer isso, proclamamos que Deus – invisível, inefável, o Deus a quem não podemos compreender – tornou-se verdadeiramente homem; que Deus se encarnou, que Ele vive no meio de nós cheio de humildade, simplicidade e glória. Ao proclamar isso, veneramos os ícones não como ídolos, mas como uma declaração da Verdade da Encarnação.

Ao fazer isso, não podemos nos esquecer de que não são os ícones de madeira e de pintura, mas Deus que revela a si mesmo no mundo. Cada um de nós foi criado à imagem de Deus. Somos todos ícones vivos, e isso coloca sobre nós uma grande responsabilidade, porque um ícone pode ser desfigurado, transformado em uma caricatura ou blasfêmia. Temos que pensar em nós mesmos e nos perguntar: somos dignos, somos capazes de ser chamado de ícones, imagens de Deus? Um escritor ocidental disse que aqueles que encontram um cristão devem enxergá-lo como uma visão, uma revelação de algo que eles nunca perceberam antes; que a diferença entre um não-cristão e um cristão é tão grande, radical e impressionante como a diferença que existe entre uma estátua e uma pessoa viva. A estátua pode ser bela, mas é feita de pedra ou madeira, além disso, não tem vida. Um ser humano pode não parecer, à primeira vista, possuidor de tal beleza. Aqueles que o conhecem, no entanto, devem ser capazes – assim como aqueles que veneram um ícone abençoado e consagrado pela Igreja – de enxergar no homem o brilho da presença do Espírito Santo; enxergar Deus revelado na humilde forma de um ser humano.

Enquanto não formos capazes de ser essa visão para aqueles que nos rodeiam, nós falhamos em nosso dever; não proclamamos o Triunfo da Ortodoxia em nossas vidas; mentimos para o que proclamamos.

O que é verdade em relação a nós também é verdade em relação a nossa Igreja. Cristo nos conclamou a fazer de nossa Igreja uma família; uma comunidade de cristãos consubstanciada num corpo de pessoas unidas umas às outras pelo amor pleno, pelo amor do sacrifício; um amor que é o amor de Deus para nós. A Igreja foi e deve ser um corpo de pessoas cuja característica é o amor encarnado de Deus. Infelizmente, em todas as nossas Igrejas, o que vemos não é o milagre do amor Divino.

Desde o início, infelizmente, a Igreja foi construída de acordo com paradigmas do Estado: hierárquica, rígida e formal. Falhamos em sermos verdadeiros como no início, como as primeiras Comunidades Cristãs eram. Em defesa dos cristãos, Tertuliano disse ao Imperador de Roma: “Vede como se amam!” Nós não somos coletivamente um corpo de pessoas de quem se poderia dizer isso. Temos de aprender a recriar o que Deus quis para nós; recriar o que existiu uma vez; recriar as comunidades, igrejas, paróquias, dioceses, patriarcados, toda a Igreja, de tal forma que a realidade da vida deva ser a mesma realidade do amor. Infelizmente, nós ainda não aprendemos isso.

Assim, quando comemoramos a festa do Triunfo da Ortodoxia, devemos lembrar que Deus venceu; que proclamamos a verdade, a verdade de Deus, Encarnado e Revelou. E, neste mundo, há uma grande responsabilidade para todos nós, tanto coletivamente e quanto individualmente: não devemos negar, por meio de nossas condutas, o que proclamamos. Um teólogo ocidental disse que podemos proclamar toda a verdade da Ortodoxia e, ao mesmo tempo, desfigurá-la pela maneira que vivemos. Nossa maneira de viver pode mostrar que tudo não passa de meras palavras. Devemos nos arrepender disso. Temos que mudar, temos que nos tornar essa pessoa que encontramos e que nela enxergamos a verdade de Deus, a luz de Deus, o amor de Deus em nós, individual e coletivamente. Enquanto não fazemos isso, não participamos do Triunfo da Ortodoxia. Deus triunfou, porém Ele nos encarregou de fazer o Seu triunfo o Triunfo da Vida para o mundo inteiro.

Portanto, aprendamos a viver, individual e coletivamente, de acordo com o Evangelho, que é a Verdade e a Vida, e a construir sociedades de cristãos que são a revelação dessa Verdade, para que possamos dizer: “Vamos renovar nossas instituições, nossos relacionamentos; renovar tudo o que passou ou que permanece velho e tornarmos uma nova sociedade em que a Lei e Vida de Deus possam prosperar e triunfar.” Amém.

Texto original em inglês disponível em: www.mitras.ru

O I Domingo da Grande Quaresma

«Domingo da Ortodoxia»

A palavra “Ortodoxia” foi tomada originalmente, com relação a esse domingo, em um sentido bastante restrito. Ela designava, quando essa festa foi instituída, em 842, a derrota do iconoclasmo e a proclamação da legitimidade do culto dos ícones. Mais tarde, o significado da palavra estendeu-se. Passou-se a entender por “Ortodoxia” o conjunto dos dogmas professados pelas igrejas em comunhão com Constantinopla. Um documento oficial, o SYNODIKON, que anatematizava nomeadamente todos os hierarcas, era lido, nesse domingo, nas igrejas. Parece que, no início da quaresma, a cristandade bizantina havia considerado como um dever e uma necessidade o confessar a sua crença.

Em nossos dias manifestamos, talvez, uma preocupação maior, o que antes não era o caso, de expressarmo-nos com mais cuidado acerca daqueles que erram e de separarmos, em seu pensamento, aquilo que é a parte da verdade e o que é erro. Porém, era bom e necessário que a Igreja “Ortodoxa” afirmasse sem ambigüidade sua própria atitude. As preocupações “ecumênicas” que ela partilha hoje em dia com as outras igrejas não poderiam significar um abandono ou uma diminuição de suas crenças fundamentais. Além é necessário eliminar do campo da Ortodoxia as ervas parasitas e não profanar o adjetivo “Ortodoxo” aplicando-o àquilo que poderia ser superstição.

Os textos lidos ou cantados às Vésperas e às Matinas desse domingo insistem sobre a realidade da Encarnação. Com efeito, a vinda de Cristo na carne constitui o fundamento do culto das imagens. O Cristo encarnado é a imagem essencial, o protótipo de todas as imagens. Algumas frases do Triódion exprimem bem o sentido profundo do culto concedido aos ícones.

”Em verdade, a Igreja de Cristo foi revestida do mais belo ornamento com os Santos Ícones de Cristo, nosso Salvador, da Theotokos e de todos os santos glorificados… Ao guardar o ícone de Cristo que nós louvamos e veneramos, não nos arriscamos a perdermo-nos. Pois nossa inclinação diante do Filho encarnado, e não a adoração de Seu ícone, é uma glória para nós”.

Os santos glorificados foram imagens vivas, ainda que imperfeitas, de Deus. Foram reproduções enfraquecidas da verdadeira imagem divina, que é o Cristo. Durante a Liturgia desse domingo, na leitura da Epístola aos Hebreus (Hb. 11, 24-26; 32-40), nós escutamos o inspirado escritor descrever os sofrimentos de Moisés e de David, dos Patriarcas e dos Mártires de Israel, daqueles dos quais o mundo não era digno, que foram flagelados, serrados, decapitados e cuja fé, entretanto, venceu o mundo. Estes foram as imagens inscritas, não sobre a madeira, mas sob a própria carne. Eram já uma prefiguração, já anunciavam o ícone definitivo, a Pessoa do Salvador.

Evangelho do dia não tem relação direta com as imagens ou com a Ortodoxia. Na leitura evangélica (Jo. 1, 43-52), vemos o apóstolo Filipe trazer à Jesus, Natanael que também irá tornar-se um discípulo, Jesus diz a Natanael: “Antes que Filipe te chamasse, te vi eu estando tu debaixo da figueira”, Natanael, assombrado por esta revelação, declara: “Rabi, tu és o Filho de Deus!”. Jesus responde que Natanael veria ainda mais que essa visão: “daqui em diante vereis o céu aberto, e os anjos de Deus descerem e subirem sobre o Filho do homem”.

Essas palavras oferecem um enorme campo à nossa meditação. Nós não sabemos o que fazia ou pensava Natanael sob a figueira. Hora de tentação, ou de perplexidade, ou da graça? Ou simplesmente de repouso? Porém parece que o Senhor não mencionaria esse episódio se não houvesse sido um momento decisivo, um ponto crucial na vida de Natanael. Na vida de cada um de nós houve um momento ou momentos em que estivemos “sob a figueira”, momentos críticos, onde Jesus, Ele próprio invisível, nos viu e interveio. Intervenção que foi aceita ou rejeitada? Recordemos esses momentos… Adoremos essas intervenções divinas. Mas não nos detenhamos nelas. Não nos fixemos sobre uma visão passada. “Tu verás ainda melhor”. Estejamos pronto para a graça nova, para a nova visão. Pois a vida do discípulo, se ela é autêntica, vai de revelação em revelação. Nós podemos ver “os céus abertos e os anjos de deus subirem” em direção ao Salvador ou descerem sobre nós. Indicação preciosa desta familiaridade com os anjos que deveria nos ser habitual. O mundo angélico não nos é mais distante nem menos desejável que o mundo dos homens.

FONTE: Ortodoxia Brasil
(Blog da Eparquia do Brasil sob a Igreja da Polônia)