Domingo do Publicano e Fariseu

SUBSÍDIOS HOMILÉTICOS
«O Publicano e o Fariseu»
Três semanas antes do início da Grande Quaresma, a Igreja Ortodoxa inaugura o Triódion, um período litúrgico de preparação espiritual para a maior de todas as festas cristãs: a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. O nome Triódion deriva de uma coleção de livros litúrgicos que contêm hinos e orações específicas para esse tempo. Durante essas semanas, as leituras bíblicas, orações e súplicas enfatizam a necessidade da oração sincera, do jejum e da penitência como meios indispensáveis ao amadurecimento espiritual.
O Domingo do Fariseu e do Publicano marca o início deste período e nos convida a refletir sobre a autenticidade de nossa oração diante de Deus. Para isso, Cristo nos apresenta uma parábola com dois personagens conhecidos, porém contrastantes: o fariseu e o publicano. Ambos eram desprezados pelo povo, mas por razões distintas. No entanto, o que realmente os diferencia nesta narrativa é a presença — ou a ausência — da humildade.
Os fariseus eram um grupo religioso que buscava seguir rigorosamente a Lei de Moisés e preservar as tradições teológicas judaicas. Contudo, muitos deles faziam disso apenas um formalismo exterior, ostentando uma devoção aparente, mas vazia de verdadeiro espírito de fé. Jesus, no Evangelho de Mateus, capítulo 23, os descreve como “sepulcros caiados”, belos por fora, mas cheios de corrupção por dentro. Seu zelo era muitas vezes marcado pelo orgulho e pela hipocrisia.
Por outro lado, os publicanos eram cobradores de impostos a serviço dos romanos, frequentemente associados à corrupção e à injustiça. Eram odiados pelo povo, considerados traidores da nação judaica e afastados da vida religiosa. No entanto, é justamente um publicano que se torna o modelo de oração que agrada a Deus.
Jesus nos apresenta o seguinte cenário:
“Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, de pé, orava consigo desta forma: ‘Ó Deus, eu te agradeço porque não sou como os demais homens, ladrões, injustos e adúlteros, nem mesmo como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo o que possuo’” (Lc 18,10-12).
O fariseu ora com arrogância, exaltando a si mesmo e menosprezando o publicano. Sua postura demonstra orgulho e falta de humildade. Ele não dirige sua oração a Deus, mas a si próprio, como se estivesse apresentando uma lista de méritos que o fariam digno da justificação. Sua oração não contém súplica, nem confissão, nem reconhecimento de sua necessidade da graça divina. Apenas um autoelogio vazio.
O publicano, ao contrário, tem uma atitude radicalmente distinta:
“O publicano, mantendo-se à distância, nem sequer ousava levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: ‘Ó Deus, tem piedade de mim, pecador’” (Lc 18,13).
Aqui vemos a essência da oração sincera. O publicano não apresenta justificativas, não se compara aos outros, não exalta seus feitos. Simplesmente reconhece sua condição de pecador e implora pela misericórdia divina. Sua oração é curta, mas cheia de verdade e contrição. E essa humildade abre caminho para a graça de Deus.
No desfecho da parábola, Jesus declara:
“Eu vos digo que este voltou para casa justificado, e não o outro; pois todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” (Lc 18,14).
O fariseu saiu do templo sentindo-se justificado, mas não o foi diante de Deus. Já o publicano saiu realmente justificado porque sua oração foi aceita. Há uma diferença essencial entre sentir-se justo e ser justificado por Deus. Aquele que se reconhece pecador e suplica a misericórdia divina encontra verdadeiro favor diante do Senhor.
Essa parábola nos convida a um profundo exame de consciência. Todos nós, em algum momento, podemos nos identificar tanto com o fariseu quanto com o publicano. Às vezes, caímos na armadilha da hipocrisia, julgando-nos melhores que os outros, confiando excessivamente em nossas boas obras e menosprezando a necessidade da graça. Outras vezes, como o publicano, reconhecemos nossa fraqueza e clamamos a Deus por misericórdia.
Que este tempo do Triódion nos ajude a cultivar a humildade e a verdadeira oração, reconhecendo que nossa salvação não vem de nossos próprios méritos, mas da infinita misericórdia de Deus. Não basta evitar o mal e seguir regras morais; é preciso um coração contrito, que não julgue os outros e confie inteiramente no amor divino.
“Quem quiser ser o primeiro entre vós, seja vosso servo” (Mt 20,26).
Que possamos agir como o publicano da parábola, reconhecendo nossos pecados, buscando a misericórdia divina e rejeitando toda forma de orgulho e falsa santidade. A humildade sincera é o caminho seguro para uma autêntica conversão.
Referências Bibliográficas:
- GOMES, Folch. Antologia dos Santos Padres – São Paulo: Ed. Paulinas, 1979.
- STORNIOLO, Ivo, Como Ler o Evangelho de Lucas. São Paulo: Ed. Paulus (4a. Ed).
Para Refletir:
O que torna uma oração verdadeiramente agradável a Deus? Será o cumprimento rigoroso das regras religiosas ou a sinceridade de um coração humilde? Neste Domingo do Fariseu e do Publicano, Jesus nos convida a olhar para dentro de nós mesmos e a descobrir o caminho da verdadeira espiritualidade.
Quem eram os fariseus e publicanos na época de Jesus: «Os fariseus eram vistos como modelos de piedade, mas muitos deles haviam transformado a religião em uma busca por status e reconhecimento. Já os publicanos, colaboradores do Império Romano, eram considerados traidores e pecadores públicos. Jesus, no entanto, surpreende ao escolher justamente essas figuras para nos ensinar sobre o que realmente importa no relacionamento com Deus.
A humildade é o tema central desta parábola e tem sido objeto de profunda reflexão pelos Santos Padres e pelos Padres Népticos, que destacam a importância da humildade e da sinceridade na oração.
São João Crisóstomo nos lembra que: ‘a humildade é a raiz, a mãe, a nutriz, o fundamento e o vínculo de todos os bens’. Oo fariseu, ao exaltar suas virtudes, revela orgulho e desprezo pelos outros, enquanto o publicano, ao reconhecer seus pecados, demonstra verdadeira justiça aos olhos de Deus.
São João Clímaco, um dos Padres Népticos, adverte contra a soberba espiritual, alertando que a autossatisfação pode levar à queda. Ele destaca que a verdadeira oração nasce de um coração contrito e humilde, semelhante à atitude do publicano na parábola.
Santo Efrém, o Sírio, ressalta que a oração do fariseu era um monólogo de autoglorificação, enquanto a do publicano era um clamor sincero por misericórdia. Ele enfatiza que Deus ouve aqueles que se aproximam com humildade e arrependimento genuíno.
Santo Agostinho observa que, embora a consciência do publicano o afastasse de Deus, sua piedade o aproximava d’Ele. Ele enfatiza que o fariseu, ao invés de orar verdadeiramente, enaltece a si mesmo, enquanto o publicano, reconhecendo sua condição de pecador, busca a misericórdia divina.
«A humildade não significa menosprezar a nós mesmos, mas reconhecer nossa dependência de Deus. O publicano não se considerava digno de levantar os olhos ao céu, mas sua humildade o levou a experimentar a misericórdia divina. Quantas vezes, em nossas vidas, nos deixamos levar pelo orgulho de nossas conquistas ou pela ilusão de que não precisamos de Deus? Neste tempo do Triódion, somos chamados a examinar nossas atitudes. Será que, como o fariseu, nos orgulhamos de nossas boas obras e desprezamos os outros? Ou, como o publicano, reconhecemos nossas fraquezas e buscamos a misericórdia de Deus? Pequenos gestos, como pedir perdão a quem ofendemos ou ajudar alguém sem esperar reconhecimento, são expressões da humildade que agrada a Deus.
Que o exemplo do publicano nos inspire a buscar a Deus com um coração humilde e sincero. Que neste Triódion possamos deixar de lado o orgulho e a hipocrisia, e abrir nossas vidas à transformação que só a Graça de Deus pode realizar. Que possamos, como o publicano, cultivar essa virtude essencial para nossa salvação. Assim, como o publicano, seremos justificados e exaltados por Aquele que olha para o coração e não para as aparências. A verdadeira justiça diante de Deus não se baseia em obras externas ou comparações com os outros, mas em um coração humilde e arrependido.