Publicano e Fariseu

«Meu Deus, tem piedade de mim, pecador!» (Mt 18:13)
Mons. Irineo Tamanini​
Arquimandrita

SUBSÍDIOS HOMILÉTICOS​

«O Publicano e o Fariseu»

Três semanas antes dos quarenta dias (Quaresma) que antecedem a Páscoa, a Igreja Ortodoxa inicia o «Triódion» . Este nome é originado de uma coleção de livros litúrgicos que preparam os fiéis por meio de orações solenes para a Festa das festas do cristianismo: a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Neste tempo, as leituras, as orações e as súplicas enfatizam a importância da oração, do jejum e da penitência como importantes ingredientes do amadurecimento espiritual.

Iniciamos o «Triódion» com o «Domingo do Fariseu e do Publicano», onde refletimos sobre a sinceridade de nossa oração dirigida a Deus. Para isso, Jesus elabora uma parábola usando dois personagens que tinham em comum o desafeto do povo: o fariseu e o publicano, mas que se distinguem por ter ou não a humildade, ser ou não, humilde.

Os fariseus formavam um grupo de religiosos e, normalmente, são descritos pelos exegetas como pessoas que procuravam cumprir as normas e seguir a Lei de Moisés. Demonstravam grande zelo pelas suas tradições teológicas, cumpriam meticulosamente as práticas exteriores do culto e das cerimônias, ostentando uma devoção e um fervor religioso nem sempre autênticos. Entre os fariseus, muitos usavam a tradição para aparentar virtudes entre os demais, ocultando, no entanto, costumes dissolutos, mesquinhez, secura de coração e, sobretudo, muito orgulho. A espiritualidade era apenas aparente. Em Mateus, 23, o próprio Jesus chama estes fariseus de «sepulcros caiados», que, por fora se mostravam belos, mas interiormente estavam cheios de podridão!

Os fariseus eram os seguidores de uma das mais influentes ramificaçães do Judaísmo. Os Publicanos, já mencionados no Evangelho de Zaqueu, eram os arrecadadores de impostos públicos, exigidos do povo judeu pelos romanos, que, cobrando sempre acima do que era devido, recolhiam para si dos impostos obtidos. Os judeus, que mal podiam suportar a dominação romana e não se conformavam com o pagamento de impostos, pois julgavam ser contra a lei, fizeram do caso uma questão religiosa. Abominavam, pois, esses agentes do fisco, considerando os publicanos como traidores e evitavam por isso qualquer contato com eles. Em suma, eram, os publicanos, renegados como gente da pior espécie.

Jesus se utiliza deste contexto sócio religioso díspare para semear sua mensagem carregada de misericórdia para com os humildes de coração. Novamente, a parábola é o recurso que usa para levar a Boa-Nova aos que necessitavam.

«Dois homens subiram ao templo, a fim de orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, estando de pé, orava assim consigo mesmo: ‘Meu Deus, eu vos rendo graças porque não sou como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem mesmo como esse publicano. Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo o que possuo’» (Lc 18,10-12).

O fariseu, na parábola, demonstra uma atitude em que o orgulho e a soberba se deixam revelar pela postura que usa estando num lugar sagrado. Ele estava de pé. Não somente estava de pé, mas, como Jesus o descreve: «orava de si para si mesmo». Ele estava mais preocupado em lembrar-se de suas virtudes do que em falar com Deus. Esta atitude era também demonstrada pela própria oração. Não havia demonstração de reverência a Deus. Não havia manifestação de humildade. Não havia reconhecimento de sua posição em relação àquele a quem estava se dirigindo. Não havia petição. A única coisa que é ressaltada é sua postura convencida, orgulhosa de suas virtudes em relação aos outros.

Nesta parábola narrada pelo Divino Mestre, o fariseu, com sua petulância e arrogância, parece não precisar de Deus, pois confia em si mesmo e ainda despreza as pessoas. Era um homem cheio de justiça própria e usa o pronome «eu», pelo menos, quatro vezes em sua oração na qual está ausente a confissão de seus pecados, pois confiava em suas obras e afirmava que jejuava duas vezes por semana; a Lei prescrevia um dia de jejum por ano, mas «ele se julgava tão bom» que jejuava duas vezes por semana, isto é, 48 vezes por ano.

«O publicano, ao contrário, mantendo-se distante, não ousava sequer erguer os olhos ao céu; mas batia no peito dizendo: Meu Deus, tende piedade de mim que sou um pecador.» (Lc 18, 13)

O publicano foi ao templo para orar, mas não se atrevia a levantar os olhos para os céus, apenas ergueu as mãos em oração. Quando nossos olhos se constrangem de olhar a para o Senhor face a face por causa de nossos pecados, resta-nos elevarmos os braços e pedir ajuda para o Deus-Amor.

A humildade não impediu que o publicano reconhecesse seus erros. A ausência do orgulho naquele coração cedeu lugar à Graça. Proferiu uma oração curta, simples, precisa, esmerada na verdade e honestidade e que continha todos os ingredientes necessários para que Deus a ouvisse. Nestes versículos estão presentes o reconhecimento do pecado, a consciência de que se necessita do perdão de Deus e a ação da Graça Divina. Eram estas as considerações que o levaram a baixar sua cabeça, bater em seu peito e humilhar-se sob a poderosa mão de Deus.

No final da parábola, Jesus disse que o publicano desceu justificado para sua casa, mas o fariseu não. Deus ouviu e respondeu ao grito angustiado do pecador em agonia espiritual.

«Eu vos declaro que este retornou, entre os seus, justificado, e não o outro; porque todo aquele que se eleva será humilhado, e todo aquele que se humilha, será exaltado» (Lc 18,14).

O fariseu saiu sentindo-se justificado. Ele tinha acabado de falar com Deus. Ele tinha cumprido sua responsabilidade e, em sua mente, tinha-a cumprido muito bem. O coletor de impostos, por outro lado, saiu justificado por Deus, porque se humilhou. Há uma diferença essencial em se sentir santo e ser santo. Ele saiu justificado porque possuía a chave do oferecimento de uma oração que é aceitável a Deus. Ele demonstrava as qualidades da verdadeira grandeza no Reino do Céu como é descrita em Mateus 20:26-28.

«Quem quiser ser o primeiro entre vos será vosso servo.» Este homem foi para sua casa justificado porque percebia que, quem quer que se humilhe será exaltado (Mt 23:12).

Encontramos publicanos e fariseus em nós mesmos e entre nós. Vez por outra a hipocrisia se instala em nossas vidas, e a humildade também. Que possamos agir como o publicano desta parábola, reconhecendo nossos pecados, buscando a misericórdia de Deus e deixando de lado a pseudo santidade. Não basta que nos abstenhamos do mal e nos mostremos rigorosos no cumprimento de determinadas regras de bom comportamento social; mais que isso, é necessário reconhecer que somos todos irmãos, não nos julgarmos superiores aos nossos semelhantes, por mais culpados e miseráveis que pareçam ser, nem tampouco desprezá-los, porque isso constitui, sempre, falta de caridade. A humildade sincera é o melhor agente de uma autêntica conversão.

Referências Bibliográficas:
  • BÍBLIA – Bíblia de Jerusalém (Nona Edição Revista e Ampliada). São Paulo: Paulus, 2013.
  • GOMES, Folch. Antologia dos Santos Padres – São Paulo: Ed. Paulinas, 1979.
  • STORNIOLO, Ivo, Como Ler o Evangelho de Lucas. São Paulo: Ed. Paulus (4a. Ed).