A Natividade do Senhor
SUBSÍDIOS HOMILÉTICOS
«O povo que caminha nas trevas
viu uma grande luz».
festa da Natividade do Senhor, celebrada nas Igrejas do Oriente e do Ocidente, marca o nascimento de Jesus, o Verbo de Deus feito homem, em Belém. Tal festa é antecedida por um tempo de preparação e jejum que se encerra na noite de 24 de dezembro. O jejum é substituído pelo banquete da festividade e da alegria pela Encarnação do Verbo. O Menino recém nascido, impossibilitado ainda de falar, é a encarnação da Palavra Divina.
O que os Patriarcas, Profetas, Justos e Reis desejaram ver e não viram, contemplamos hoje: a realização do plano salvífico que, ao fazer-se homem, glorifica nossa natureza humana, fazendo-nos partícipes da natureza divina. A encarnação do Filho de Deus reconcilia os opostos e aproxima os polos diversos da criação: reúne o Céu e a Terra, o tempo e a eternidade, anjos e pastores, astros e animais, a virgindade e a maternidade, pois Maria é verdadeiramente Virgem fecunda e Mãe intacta […].
«O povo que caminha nas trevas viu uma grande luz. Sobre os que habitam o país da sombra da morte, uma luz resplandece». (Is 9,1)
Na noite se manifesta a luz divina; mas para que Deus receba a vida humana é necessário que a humanidade aceite dar à luz na carne e no mundo obscuro. Por isso o menino pequeno não ocupa o centro do ícone. O Sim das bodas de Deus com a humanidade, a porta aberta à encarnação de Deus, é Maria, filha de Israel, mãe humana de Deus, coberta com a sombra do Espírito Santo, envolta num véu de cor púrpura do Espírito Santo, o Espírito dos sete dons, das sete chamas do fogo incriado.
A Virgem Mãe repousa no centro do ícone sobre a encosta de uma montanha. Representação da montanha messiânica, a que Deus dignou-se escolher como morada sua:
«Montanha Divina, Montanha de Basham, Montanha escarpada, Montanha de Basham […], a montanha eleita de Deus como morada sua. O Senhor habitará nela para sempre» (Sl 68,16-17) Eu consagrarei a meu Rei sobre Sião, meu santo Monte. (SL 2,6)
Mas esta Montanha se entrecruza com outras duas, formando uma estrutura que domina toda a cena. É uma expressão simbólica do Mistério da Santíssima Trindade, fundamento de nossa fé. A Virgem Mãe está recostada sobre uma magnífica tela vermelha amarrada nos extremos. Esta tela tem às vezes a forma do número oito horizontal que traçam os matemáticos como sinal de infinito. Assim representa o mundo transfigurado do Oitavo dia, o Dia Pascal.
Como um trono de púrpura , levas o Criador, Como um leito vivente recebes o Rei, ó plena de Graça.
(Salmo Eclesiástico de Vésperas do dia 20/12).
Maria está sempre recostada como jovem Mãe, as vezes sentada como Rainha. Na decadência do Ocidente Cristão, pinta-se Maria ajoelhada e adorando seu filho. Mas não estamos diante de um mistério de adoração, se não ante o nascimento de Deus pela divina maternidade da Virgem Maria. A perda desta contemplação deu uma nota sentimental aos presépios, distanciando-a da presença do mistério divino-humano […].
A Virgem está adornada com três estrelas: «Maria, joia da virgindade, deve permanecer Virgem antes do parto, virgem durante o parto, virgem depois do nascimento, única sempre virgem de espírito, de alma e de corpo». (São João Damasceno). O seio virginal cresce com sua porta intacta. A potência resplandece, pois Deus habita em seu templo.
(Hino de Natal)
Maria evoca a sarça ardente que não se consome nas chamas, o templo onde Deus habita, a câmara nupcial, e representa a Igreja. Maria guarda todas as coisas e as medita em seu coração. (Lc 2,19 e Lc 2, 51)
O menino esta recostado em um presépio que tem forma de sepulcro. O Cordeiro de Belém é já o Cordeiro eucarístico. Os lençóis, sinal de reconhecimento que o Anjo deu aos pastores, prefiguram os lençóis mortuários que o envolveram em seu sepulcro e que as mulheres portadoras de aromas encontraram no túmulo vazio na manhã da Páscoa.
Está envolto em panos, e já os laços do inferno se desatam.
(Prefácio de Natal)
O menino está deitado mais acima que sua mãe; segundo uma tradução do texto grego de Lucas, que não está presente em algumas outras traduções:
Ela o envolveu em panos e o recostou acima, em um presépio. (Lc 2,7)
Gesto de oferenda, gesto sacrifical que recorda o do diácono quando eleva os santos dons do pão e do vinho diante o altar celeste. «Oferecer» significa etimologicamente «levar a cima», e o presépio é o altar onde o Senhor se oferece a si mesmo, e se dá em alimento, como Pão da Vida na cidade de Belém, que em hebraico de diz «Beith-lejem», Casa do Pão. A gruta simboliza a profundidade do silêncio e do abismo no qual Deus se encontra. Representa os infernos que se abrem como as faces de um monstro disposto a engolir o menino, tal como a baleia de Jonas. Mas o Menino é já um Vencedor: sobre Ele desce um faixo de Luz, pois o Céu, em inimaginável descida, inclina-se até o mais profundo.
Venham, gozemos do Paraíso nesta gruta. Ali está o poço que nenhuma mão humana cavou, o poço do qual Davi desejou beber. Ali a Virgem ao dar a luz a seu menino, saciou a sede de Adão e de Davi.
(Responsório da Noite de Natal)
Resplandece teu presépio, da escuridão da noite, nasce uma luz, que nenhuma sombra apaga: é a vela da fé.
(hino de Natal)
Atrás do menino, dois animais o cercam. Não estão indicados no Evangelho, mas são uma recordação da palavra de Isaías […]:
O boi conhece seu amo, o asno o presépio de seu Senhor, mas meu povo não me conhece. (Is 1,3)
A cada lado do centro do ícone, aparecem as outras testemunhas, os pastores, e os magos. Os primeiros chamados a contemplar o Cristo são os pastores, homens humildes, simples, naturais, que representam a grande espera do povo que caminhava nas trevas.
A quem esperais, pastores que velais na noite? Esperamos o Bom Pastor.
(Salmo eclesiástico)
A eles se dirige, em primeiro lugar, a «Benevolência» divina.
Os magos representados como três cavalheiros que sobem ao monte, apontam a estrela anunciadora da Vida Nova. Reis e astrólogos, sábios pagãos chegados do Oriente, representam todas as nações chamadas a sentar-se, com Israel, à mesa do banquete do Senhor. Portadores de dons, prefiguram as mulheres que iam ao sepulcro com aromas. Tem sobre sua cabeça uma espécie chapéu e por cima uma pequena esfera da sabedoria.
Teu nascimento oh Cristo nosso Deus, fez brilhar no mundo a luz da sabedoria; e , graças a uma estrela, aqueles que adoravam os astros, aprenderam a adorar-te, Sol de justiça, e a conhecer em Ti, o Oriente que vem do Alto. Glória a Ti, Senhor!
(Tropário de Natal)
A parte superior do ícone representa as realidades celestiais: no centro, um semicírculo , como um sol azul, se abre de diversas maneiras segundo os ícones. As vezes está ali a estrela de oito raios:
Eu, Jesus, sou a luz resplandecente da manhã. (Ap. 22,16)
Uma estrela avança em Jacó, um astro se levanta em Israel. (Nm 24,17)
Mais próximo do relato evangélico, outra tradição vê no Anjo inclinado, o Anjo da encarnação, o Anjo guardião dos homens, com sua ternura, sua proteção e sua vigilância. Os outros três Anjos em atitude de adoração, estavam junto à gruta, assombrados por ver o Deus oculto na carne e prolongando na terra a eterna Liturgia Celestial. Todos clamam: «Glória a Deus nas alturas, e na terra paz aos homens de boa vontade!» Lc 2,7)
Na parte inferior do ícone há duas mulheres que banham o Menino. Segundo narra o protoevangelho de São Tiago, uma delas é chamada Eva como nossa primeira mãe.
Eva, por seu pecado, introduziu no mundo a maldição. Mas tu, ó Virgem Mãe de Deus, pela excelência de tua fecundidade, fizeste florescer no mundo a bênção.
Estrofe do salmo lucernário, 20 de dezembro)
O banho do Menino antecipa o Banho batismal da Teofania e sublinha a humanidade de Cristo. Prefigura a morte, a descida aos infernos e a Ressurreição, pois como diz São Paulo:
«Fomos sepultados com Ele pelo batismo, na morte, para que, como o Cristo ressuscitou de dentre os mortos pela glória de seu Pai, vivamos também nós uma vida nova». (Rm 6, 4)
Na parte inferior esquerda, estão dois homens: um deles é José, que aparece sentado meditando, com a cabeça apoiada nas mãos. Personifica o homem atônito ante o Mistério
Com o coração tumultuado e cheio de dúvidas, o prudente José se debatia. Sabe que és virgem intacta, e suspeita secretos esponsais. Conhecendo-te, Mãe, pela ação do Espírito Santo exclama: aleluia!
(3ª Antífona da 1ª Estação do Hino Akathistos)
Diante dele está, de pé, um velho pastor com um bastão que, segundo a tradição se chama Tirso, e seu bastão é o de Dionísio, utilizado pelos pagãos nas festas báquicas. Representado de perfil é a figura do tentador.
A terra está, quase sempre, cheia de arbustos e plantas e povoada de ovelhas e cordeiros do rebanho. Assim , toda a Criação, angélica, mineral, vegetal, astral, animal e humana, «se maravilha com o nascimento de Deus, e canta ao Senhor, Menino pequeno e Deus antes dos séculos».
«Senhor, a Terra se alegra e se estremece ante tua bênção, pois o Verbo se faz carne» […] Que saltem as montanhas, que os mares se estremeçam, que as árvores e os bosques exultem, pois Deus se faz homem.
Da raiz de Jessé, cresce para a imortalidade a árvore da Vida, da escuridão da terra surge o Sol da Justiça que atravessa o céu espiritual oculto em Maria como uma gruta. (Oração Coleta 19 de dezembro)
O Ofício da Noite da Natividade termina com esta admirável recapitulação do mistério:
«Hoje nasce da Virgem O que sustenta com sua mão o Universo. Ele que é invisível por essência, está envolto em panos como um mortal. Ele que firmou os céus no princípio do mundo, está deitado num presépio. Ele que fez chover o maná no deserto sobre seu povo, se alimenta com o leite de sua Mãe. O Esposo da Igreja é visitado pelos magos, o Filho da Virgem aceita os dons. Adoramos teu nascimento, ó Cristo, concede-nos ver também a tua santa Teofania.
FONTE: «Las doce Fiestas». Revista Fuentes. Buenos Aires (Argentina)