12º Domingo de São Lucas

Mons. Irineo Tamanini​
Arquimandrita

SUBSÍDIOS HOMILÉTICOS​

«Os Dez Leprosos»

«O homem atingido pela lepra andará com as vestes rasgadas, os cabelos em desordem e a barba coberta, gritando: ‘Impuro! Impuro!’ Durante todo o tempo em que estiver leproso será impuro; e, sendo impuro, deve ficar isolado e morar fora do acampamento» […]  
(Lev 13, 45-46)

Esta era a situação a que os enfermos de lepra deviam se submeter, segundo os códigos religiosos do Templo. Os doentes não tinham outra identidade além da lepra; a doença vergonhosa que os cobria os desestruturava socialmente, levando-os à marginalização. Eram condenados a viver à distância, fora dos povoados, em bairros afastados do resto da população, sem poder manter contato com ela ou assistir às cerimônias religiosas.

Além dessa doença terrível, os samaritanos carregavam o jugo do desprezo pelo simples fato de habitarem a região da Samaria, localizada no centro da Palestina. Entre samaritanos e judeus havia uma forte rivalidade que remontava ao ano 721 a.C. Naquele ano, o imperador Sargão II tomou militarmente a cidade de Samaria e deportou para a Assíria a mão de obra qualificada, povoando a região conquistada com colonos assírios, como relata o Segundo Livro dos Reis (cap. 17). Com o passar do tempo, esses colonos se misturaram com a população local, originando uma raça mista que, naturalmente, mesclou também as crenças.

Por essa razão, a Samaria era considerada pelos judeus uma região diferente, com uma população de sangue misturado (e, por isso, impuro) e crenças sincréticas. Chamar um judeu de “samaritano” era um grave insulto.

Nada, no entanto, incomodava mais os judeus do que a relação de Jesus com os samaritanos. Esse povo era odiado pelos judeus. As relações entre eles eram tão hostis que o evangelista São João, o Teólogo, sentiu a necessidade de explicar: “…os judeus não se davam com os samaritanos” (Jo 4,9). Essa hostilidade não se baseava em diferenças sociais, como acontecia nas relações com os romanos. Não eram diferenças morais, como no caso dos publicanos e prostitutas, nem tampouco geográficas, como as que nutriam em relação aos gentios. O que tornava essa relação tão amarga eram as diferenças religiosas. Parece que nada divide tanto as pessoas quanto suas convicções religiosas.

Este era o cenário encontrado por Jesus ao passar pela Samaria e pela Galileia. Quando estava para entrar em um povoado, dez leprosos vieram ao seu encontro. Pararam à distância e gritaram: “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!” Ao vê-los, Jesus disse: “Ide apresentar-vos aos sacerdotes.” Enquanto caminhavam, aconteceu que ficaram curados.

Uma das funções do sacerdote do Templo era diagnosticar enfermidades que, por serem contagiosas, exigiam que o enfermo se afastasse temporariamente da vida pública para evitar contaminar outros. Uma vez curado, o enfermo devia apresentar-se ao sacerdote para obter uma espécie de certificado de cura, que lhe permitiria reintegrar-se à sociedade por meio de um ritual que incluía o sacrifício de um animal.

Mas o relato do Evangelho não termina com a cura. “Um deles, ao perceber que estava curado, voltou glorificando a Deus em alta voz; atirou-se aos pés de Jesus, com o rosto por terra, e Lhe agradeceu. E este era um samaritano. Então Jesus lhe perguntou: ‘Não foram dez os curados? E os outros nove, onde estão? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?’ E disse-lhe: ‘Levanta-te e vai! Tua fé te salvou!’” (Lc 17,11-17).

A consciência de ter sido curado fez do samaritano um homem agradecido. Enquanto os outros nove cumpriram o preceito religioso de mostrar ao sacerdote sua cura, o samaritano priorizou a ação de graças e o louvor. Coube a ele o reconhecimento mais perfeito, pois, liberto de sua enfermidade, estava livre para manifestar sentimentos de adoração agradecida, ajoelhando-se diante de Jesus para glorificar a Deus (vv. 15-16).

Quando o samaritano não mais viu suas feridas, seu olhar fixou-se naquele que o curou. O agradecimento, ou ação de graças, brotou de um coração também curado, um coração novo, liberto das feridas e das chagas, capaz de reconhecer o agir divino e de manifestar concretamente sua gratidão.

Um coração contrito e humilde é o que quer o Senhor nosso Deus, e não sacrifícios e holocaustos. O agradecimento brota do coração simples, humilde e contrito, ciente de suas limitações. Por isso, é nele que Deus faz morada. O orgulhoso, por outro lado, não tem tempo para agradecer, preferindo exibir aos outros sua cura exterior e ocultar o verdadeiro autor desse prodígio. Para esse será necessário oferecer sacrifícios em holocausto, pois seu coração, ainda doente de orgulho e vaidade, não se abriu à graça da cura. Para o samaritano, sua contrição e humildade substituíram qualquer outro sacrifício.

Em sua homilia no Dia Mundial dos Leprosos (29/01/1978), Paulo VI, Papa de Roma, assinala que:

“(…) o gesto afetuoso de Jesus, que Se aproxima dos leprosos para os reconfortar e curar, tem a sua expressão plena e misteriosa na sua Paixão. Torturado e desfigurado pelo suor de sangue, pela flagelação, pela coroação de espinhos, pela crucifixão, abandonado por aqueles que esqueceram o bem que Ele lhes tinha feito, na sua Paixão, Jesus identifica-Se com os leprosos, tornando-se sua imagem e símbolo, como o profeta Isaías intuíra ao contemplar o mistério do Servo do Senhor: ‘Vimo-lo sem beleza nem formosura, desprezado e evitado pelos homens, como homem diante de quem se tapa o rosto. (…) Nós o reputávamos como um leproso, ferido por Deus e humilhado’ (Is 53,2-4). Mas é precisamente das feridas do corpo torturado de Jesus e do poder da sua ressurreição que brotam a vida e a esperança para todos os homens atingidos pelo mal e pela enfermidade. A Igreja sempre foi fiel à sua missão de anunciar a palavra de Cristo, unida a gestos concretos de misericórdia solidária para com os mais humildes, para com os últimos. Ao longo dos séculos, tem havido um crescendo de dedicação impressionante e extraordinária às pessoas afetadas pelas doenças humanamente mais repugnantes. A história põe claramente em evidência que os cristãos foram os primeiros a preocupar-se com o problema dos leprosos. O exemplo de Cristo fez escola e deu muitos frutos em atos de solidariedade, dedicação, generosidade e caridade desinteressada.”

Referências Bibliográficas:
  • WACH, Joaquim. Sociologia da Religião. São Paulo: Ed. Paulinas, 1990.
  • GUTIERREZ, Gustavo. O Deus da Vida. São Paulo: Ed Loyola, 1990.

Suplemento Litúrgico