«De onde Lhe vem tudo isto?»
«Andam às apalpadelas na escuridão» (Job 12,25). Pois perturbar-se com tantos milagres evidentes é andar às apalpadelas, como quem está no escuro: é tocar e não ver. E quem anda a vaguear é atraído ora para um lado, ora para outro; assim, ora se mostravam crentes: «Se este homem não viesse de Deus, não poderia fazer estas coisas» (Jo 9,33), ora diziam, com palavras desdenhosas, que Ele não vinha de Deus: «Não é Ele o filho do carpinteiro? A sua Mãe não se chama Maria e os seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? E as suas irmãs não vivem entre nós?».
Por isso, é justo acrescentar: «E cambaleiam como bêbedos» (Job 12,25). Pois viram que ele ressuscitava os mortos e que, no entanto, era mortal. Como era possível não acreditarem em Deus vendo-O ressuscitar os mortos (cf Lc 7,14)? Mas também viram que Ele era mortal, viam-no com os seus próprios olhos, e, no seu desdém, recusavam-se a acreditar que fosse Deus, que fosse imortal. Por isso, manifestando-Se a eles em estado de fazer obras divinas e de sofrer a condição humana, Deus omnipotente fê-los ir andar no escuro, como homens embriagados, para que o orgulho deles, que, perante o mistério da sua encarnação, preferia o desdém à fidelidade, se revoltasse contra a sua humanidade e, ao mesmo tempo, se espantasse por dentro com a luz resplandecente da sua divindade
São Gregório, o Grande
Livro IX, SC 212
Fonte: Evangelho Cotidiano