«Virado pela graça!»
Não me desagrada seguir o exemplo de Paulo: munido das cartas que tinha pedido para ir contra Cristo, dirigia-se a Damasco quando, subitamente, a graça do Espírito Santo o inundou pelo caminho; perdendo a sua crueza, Paulo muda e eis que se oferece, por Cristo, aos golpes que vinha trazer aos cristãos. Aquele que ontem, vivendo segundo a carne, se empenhava em levar a morte aos santos do Senhor tem hoje prazer em imolar a vida da sua própria carne para salvar a vida desses mesmos santos. As frias maquinações da sua crueza transformam-se em caridade ardente e aquele que blasfemava e perseguia descobriu uma humildade e uma piedade de pregador; aquele que tinha por ganho sem igual matar a Cristo nos seus discípulos considera agora que a sua vida é Cristo e o seu lucro, morrer por Ele.
Assim, a água foi libertada e a terra foi refeita (cf Job 12,15), porque, mal acolheu a graça do Espírito Santo, a alma de Paulo transformou-se, abandonando a sua condição de ser imóvel e cruel. Em sentido contrário, o Senhor exprime as suas queixas contra Efraim pela boca do profeta: «Efraim tornou-se um pão cozido sobre as cinzas que não foi virado» (Os 7,8). O pão cozido sobre as cinzas fica com uma camada de cinzas por cima, e fica tanto mais sujo quanto maior é o peso das cinzas. E que peso tem sobre si uma alma que só pensa nas coisas deste mundo? Talvez uma massa de cinzas. Mas, se essa alma quiser ser virada, a face pura que tinha voltada para baixo fica voltada para cima, uma vez sacudidas as cinzas que a cobriam..
São Gregório Magno (c. 540-604)
Livro IX, SC 212
Fonte: Evangelho Cotidiano