«Ao ver a cidade, chorou sobre ela»
Dois amores construíram duas cidades: o amor de si próprio até ao desprezo de Deus fez a cidade terrestre; o amor de Deus até ao desprezo de si próprio, a cidade celeste. Uma gloria-se a si própria; a outra ao Senhor. Uma procura a glória que vem dos homens (cf Jo 5,44); a outra coloca toda a sua glória em Deus, testemunha da sua consciência. Uma, inchada de vanglória, levanta a cabeça; a outra diz ao seu Deus: «Tu és a minha glória e aquele que me faz levantar a cabeça» (Sl 3,4). Numa, os príncipes são dominados pela paixão de dominar os seus súbditos ou as nações conquistadas; na outra, todos se fazem servidores do próximo na caridade, os chefes velando pelo bem dos subordinados e estes obedecendo àqueles. A primeira cidade, na pessoa dos poderosos, admira a sua força; a outra diz ao seu Deus: «Amar-Te-ei a Ti, Senhor, que és a minha força».
É por isso que, na primeira cidade, os sábios levam uma vida totalmente humana, procurando apenas o bem do corpo ou do espírito, ou dos dois ao mesmo tempo: «Pois, tendo conhecido a Deus, não O glorificaram nem Lhe deram graças, como a Deus é devido. Pelo contrário: tornaram-se vazios nos seus pensamentos e obscureceu-se o seu coração insensato; […] veneraram as criaturas e prestaram-lhes culto, em vez de o fazerem ao Criador» (Rom 1,21-25). Na cidade de Deus, pelo contrário, toda a sabedoria do homem se encontra na piedade, pois somente ela presta ao Deus verdadeiro um culto legítimo e, na sociedade dos santos, tanto os anjos como os homens esperam como recompensa que «Deus seja tudo em todos» (1Cor 15,28).
Santo Agostinho de Hipona (354-430)
A Cidade de Deus
Fonte: Evangelho Quotidiano