«Creio na ressurreição da carne» (Credo)

Aqueles que estão enganados dizem que não há ressurreição da carne, que é impossível que esta, após ter sido destruída e reduzida a pó, reencontre a sua integridade. Segundo eles, a salvação da carne seria não apenas impossível mas nociva: eles culpam a carne, denunciam os seus defeitos, tornam-na responsável pelos pecados; dizem que, se esta carne ressuscitar, também os seus defeitos ressuscitarão […]. E aliás o Salvador disse «Quando ressuscitarem de entre os mortos não se casarão, mas serão como anjos nos céus». Ora os anjos, dizem eles, não têm carne, não comem nem se unem. Portanto, dizem eles, não haverá ressurreição da carne. […]

Como são cegos os olhos do intelecto! Porque eles não viram na terra «os cegos verem, os coxos caminharem» (Mt 11, 5) graças à palavra do Salvador […], para nos fazer crer que na ressurreição a carne ressuscitará completa. Se nesta terra Ele curou as enfermidades da carne e devolveu ao corpo a sua integridade, quanto mais fará no momento da ressurreição, para que a carne ressuscite sem defeito, integralmente […]. Parece-me que essas pessoas ignoram a acção divina no seu conjunto, na origem da criação, no fabrico do homem; elas ignoram a razão por que as coisas terrenas foram feitas.

O Verbo disse: «Façamos o homem à Nossa imagem e semelhança» (Gn 1, 26). […] É evidente que o homem, moldado à imagem de Deus, era de carne. Que absurdo é considerar desprezível e sem qualquer mérito a carne moldada por Deus segundo a Sua imagem! É evidente que a carne é preciosa aos olhos de Deus porque é obra Sua. E, porque nela se encontra o princípio do Seu projecto para o resto da criação, é o que há de mais precioso aos olhos do Criador.

São Justino (c. 100 -160), filósofo, mártir
Tratado sobre a ressurreição, 2.4.7-9
(a partir da trad. OC, Migne, 1994, pp. 345ss.)

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